terça-feira, 1 de abril de 2008

Quem é esse Mencken?

Jornalista americano do início do século XX. Quem me apresentou foi meu amigo, jornalista e aspirante a filósofo, Felipe Martynetz. Aí vão algumas linhas, começando pelo suicídio, é claro, que é o assunto que mais vale à pena, talvez o único que valha:

O número de suicídios está aumentando, disse-me outro dia um inteligente papa-defuntos. Sem dúvida, uma boa notícia para a sua profissão, combalida ultimamente pelos progressos da medicina e quase tanto pela feroz competição em suas próprias fileiras. É também uma boa notícia para aqueles românticos otimistas que gostam de acreditar que a espécie humana é capaz de atos racionais. O que poderia ser mais lógico do que o suicídio? O que poderia ser mais despropositado do que continuar vivo? No entanto, todos nos agarramos à vida com desesperada devoção, mesmo quando o que resta dela é palpavelmente frágil e cheio de agonia. Metade do tempo dos médicos é desperdiçado bombeando vida em cacos humanos, que não têm nenhuma razão inteligível para continuar vivendo...

Vejamos o que ele tem a nos dizer do filósofo...

Não há registro na história humana de um filósofo feliz: só existem nos contos da Carochinha. Na vida real, muitos cometeram suicídio; outros mandaram seus filhos porta afora e surraram suas mulheres. Não admira. Se você quiser descobrir como um filósofo se sente quando se empenha na prática de sua profissão, dê um pulo ao zoológico mais próximo e observe um chimpanzé na sua chatíssima e infindável tarefa de catar pulgas...

...e do homem de fé:

O homem de fé é aquele que simplesmente perdeu a capacidade para um pensamento claro e realista. Não que ele seja uma mula; é, na realidade um doente. Pior ainda, é incurável...

Mas o melhor é a sua Meditação de Sábado:

Às vezes chego a suspeitar de que meu principal problema é o fato de ser desprovido do que se costuma chamar de dons espirituais. Ou seja, sou incapaz de experiência religiosa, em qualquer sentido. Algumas cerimônias religiosas me interessam esteticamente e, com alguma freqüência, até me divertem, mas não extraio delas nenhum estímulo... Quando me sinto deprimido e cheio de miséria , não tenho o menor impulso de pedir ajuda, ou mesmo consolo, nos poderes sobrenaturais. Assim, a generalidade das pessoas religiosas continua um mistério para mim, além de vagamente insultuosa, assim como sou inquestionavelmente insultuoso a elas... Essa falta de compreensão tem-me causado inimizades, acredito que duradouras... Sou apenas um ateu militante e não tenho a menor objeção a que se vá a igrejas, desde que honestamente. Eu próprio já entrei em igrejas mais de uma vez, procurando sinceramente sentir o estlo de que tanto falam as pessoas religiosas. Mas nem mesmo na Catedral de São Pedro, em Roma, senti o mínimo sintoma do estalo... Como se vê, esta deficiência é uma desvantagem num mundo populado, em esmagadora maioria, por homens inerentemente religiosos. Isto me afasta de meus semelhantes e torna difícil para mim compreender muitas de suas idéias e não poucos de seus atos. Vejo-os responder, de maneira firme e constante, a impulsos que a mim parecem inexplicáveis. Pior ainda faz com que eles me compreendam, a ponto de me infligirem sérias injustiças. Não conseguem se livrar da idéia de que, por ser apático aos conceitos que os comovem profundamente, só posso ser um homem de tal aberração moral que devo ser mantido à distância. Nunca cruzei com um homem religioso que não revelasse essa suspeita. Não importa a sua sinceridade em tentar entender o meu ponto de vista, sempre termina por bater em alarmada retirada... Devo acrescentar que minha deficiência reside no impulso religioso fundamental, não na mera credulidade teológica... Entre minhas experiências curiosas, há alguns anos, houve a de tentar convencer um ardente católico que não acreditava na infalibilidade papal. Tratava-se de um fiel filho da igreja, e sua incapacidade para aceitar o dogma o angustiava. Provei-lhe, e ele pareceu satisfeito, que não havia nada de intrinsecamente absurdo na tal infalibilidade papal - já que, se os dogmas que ele tinha aceito fossem veradeiros, este provavelmente também o seria. Algum tempo depois, quando este homem estava nas últimas, fui visitá-lo e ele me agradeceu com aparente sinceridade por ter resolvido a sua velha dúvida. Mas nem ele conseguia compreender minha falta de religião. Suas últimas palavras para mim foram as de esperança de que eu abandonasse minha teimosia em relação a Deus e levasse uma vida mais pia. Morreu firmemente convencido de que eu estava condenado ao Inferno - e, o que é pior, tendo feito por merecê-lo.

(Mencken, O Livro dos Insultos, trad. Ruy Castro, Cia. das Letras)

5 comentários:

Anônimo disse...

nossa, quanto pessimismo ...

Lígia Pin disse...

Interessantíssimo, não?
;o)

Otávio disse...

pois é..

Anônimo disse...

Mencken é de arregaçar o cu do peru. Sutil como um cuspe no olho, é dono da mais sólida e precisa argumentação que já conheci. Religião, moral, psicologia, trabalho - nada resta, não fica padre sobre padre. O melhor cínico que já conheci, acidez e um senso de realidade de deixar qualquer otimista ou obscurantista no chinelo - e de dedo ainda. É a minha Brahma, o meu número um no âmbito das letras, da filosofia, de alguma forma. Identificação suprema.

Otávio disse...

né..