domingo, 21 de outubro de 2007

Requerimento em 30 linhas

Fernando Pessoa, solteiro, maior de idade, resumido, morador de onde Deus serviu de conceder-lhe que more, em companhia de várias aranhas, moscas, mosquitos e outros elementos auxiliares do bom estado das casas e dos sonhos; havendo recebido indicação - quanto ao mais só telefônica - de que poderá ser tratado como (10 linhas) uma pessoa a partir de uma data a fixar, e de que o referido tratamento de como se fosse uma pessoa seria constituído, não por um beijo, mas pela simples promessa deste, para ser agendado por tempo indefinido, e até que ele, Fernando Pessoa, prove que: (1) tem oito meses de idade, (2) é bonito, (3) existe, (4) é querido pela entidade encarregada da (20 linhas) mercadoria e (5) não se suicide antes do negócio, como seria a sua obrigação natural; requer, para tranquilidade da pessoa encarregada da distribuição da mercadoria, que lhe seja entregue atestado de que: (1) não tem oito meses de idade, (2) é um desenganado, (3) nem sequer existe, (4) é depreciado (30 linhas) pela entidade distribuidora, e (5) suicidou-se.

(se acabam as 30 linhas.)

Aqui se deveria pôr "Espera assentimento", porém não espera nada.

Fernando
(vertido de uma versão em espanhol de 'cartas a ofélia')

sábado, 20 de outubro de 2007

Três epitáfios

epitáfio nº 1

p/ Álvaro de Campos


Não irá para o Céu
Pois não morreu por bem

Nem ao Inferno porém
Pois não se matou por mal

Estará morto para sempre, pois,
De suicídio natural.




epitáfio nº 2

p/ Alberto Caeiro



Não será esquecido

Será posto na lista

Dos menos lembrados






epitáfio nº 3




p/ Ricardo Reis




Aqui jazia aquele que já não jaz


(Otávio)

domingo, 14 de outubro de 2007

Freud está solto

Vejamos o que esta simpática, porém hostil representante das Ciências humanas, conhecida como "Psicologia Aplicada", e sua mais nova variante mercantil de vulgo "auto-ajuda", têm a dizer a respeito de nós, professores:

"Infelizmente, o que em muitas ocasiões determina que um certo jovem aspire a ser "professor", mais do que sua primitiva vocação magisterial, é sua íntima necessidade de compensar um sentimento de inferioridade, que lhe dificultou contatos afetivo-sociais normais com os grupos em que se achava incluído. Essa pessoa então resolve ser, como vulgarmente se diz, um "sabichão" e se mete a estudar esta ou aquela matéria com a intenção premeditada de mostrar que tem "crânio", já que não tem "tato"; que é um quase gênio intelectual, já que lhe faltou o gênio natural da simpatia. E as conseqüências são nefastas pois quanto mais sabe, menos sabe transmitir e mais propende a exibir o que sabe, para assim satisfazer a necessidade de afirmação e de prestígio". (MYRA Y LOPEZ, Emilio. As vocações e como descobri-las)

Foucault, nos salve! Socorro, Deleuze!

domingo, 7 de outubro de 2007

Explicação do poema

Deus é um grande poema, imenso, pairando sobre o mundo, repousa sua métrica no mar, e depois a transgride em novos testamentos. Há, de fato, um grande poema que vem nos acolher quando abrimos o livro da vida, pois nesta rua, nesta rua mora um anjo, e o anjo se chama Solidão, o anjo da eterna guarda, sem nenhum sexo que goze a vaidade de opor-se a outro apenas para ser sexo, inteiro e hétero. A solidão é a grande rima, a grande foto de palavras que é Deus. Se a minha solidão me faz bem é porque quebro a grande bússola social, e devo pagar o prejuízo, pois o que é bom para mim pode ir contra o grande Bom, porque a bússola nunca erra. Mas dizer que a solidão é boa seria cair na histeria inocente dos que nunca leram Poema, o grande. Mas se a solidão não é boa, má não é, ainda que haja demônios batizados com o nome do Anjo, em homenagem ao casamento entre Céu e Inferno. Um fim em si mesmo: seria isso a solidão, mas não é também, não em si, pois o é para mim, apenas. E para os poucos leitores da Epopéia do mundo, em que Deus surge sob a pena dos poetas. O poeta é o monge por excelência e vice-versa, o mundo deve, pois, ficar de fora de nosso jejum, pois não sabemos o que jejuamos, que se soubermos o poema vira prosa e Deus fica arrogante, dizendo que é Deus sabendo que é, entregando a nós a Sua cruz e nos abandonando à folha em branco. A única angústia consiste em não escrever, em rasgar uma folha vã. Porém Deus nunca foi arrogante, nem mesmo quando nos levou pela mão ao Inferno, recolhendo-se aos Seus, cujos dentes não rangiam de bruxismo como os nossos. Mas nem por isso Deus deixou de ser Deus, porque ovelhas nunca foram carneiros e quem avisa Amigo é. Aquele que é, é o único que existe, e o que existe não pode ser mau. Todo poema nasce feito. Talvez esta solidão natural e primitiva, da qual outros melhor falaram, mas que é mais parecida com a solidão sem nome do anjo que morreu, ou melhor, virou lápide. E a lápide só é só para si. Pois a sociedade está fora dela. Então quando o céu se abrir, o sertão virar mar e os extremos se tocarem, a pedra, que um dia foi lápide e outrora anjo, a pedra não terá medo de ser pedra, mesmo que um dia seja areia, porque sempre será anjo, como os orientais acreditam. Cada vez que tomamos vinho sozinhos, Deus espirra o seu sangue em nossos olhos, despedindo-se nós para sempre, porque o Apocalipse passou, e não passou de um eclipse ou quem sabe uma vertigem, mas acabou, como toda festa. E é preciso limpar tudo e curar a ressaca, vestir nossas calças jeans, e entender a justiça de Deus, entendê-la de coração, pois na vida a gente tem que entender que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri. E o Outro nos quer nus, num divã, mas nunca sós, pois tudo que é divino é também coletivo, por isso o anjo deu no que deu. Em algum lugar do futuro, Deus venceu o mal, mas o anjo ainda soca o nosso peito. E dizem que é o Diabo, ou então que somos humanos, mas somos todos palavras de um único poema, e rimamos em 'ão' cada vez que doemos. Seremos por nós mesmos julgados neste Dia, mas o crime será o mesmo. E o chamaremos o grande Crime, o único doloso em verdade. Pois Deus deixará que a arrogância caiba a nós somente, e muito antes de Pôncio Pilatos, terá lavado as mãos com que rasgará nossos poemas eróticos e os queimará junto com as cartas de suicídio. Nem palavras nem idéias, restará a Coisa, que é o poema que não se escreveu e a solidão antes de ser sentida. E por ser coisa será a pedra, a grande pedra, onde se esconde quem roubou, quem roubou meu coração.

PS: que diferença faz se escrevo mal? Um dia o sol engolirá a terra.