quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Arnaldo Jabor, sobre Edir Macedo

Ouça aqui o áudio de Jabor sobre o vídeo de Edir Macedo. Só não incorporo aqui, porque começa a falar sozinho. E se der tempo de dar uma passada aqui também, verá que as atuais "perseguições" ao bispo não são novas, como ele mesmo gosta de se gabar. Afinal, como diz um dos comentários em seu blog, "falem bem, falem mal, mas falem da universal". E se restar estômago depois disso tudo, não deixe de conferir, no mesmo blog, o áudio em que ele se defende com suas teorias mirabolantes sobre o fogo ardente e chega mesmo a citar Abraham Lincoln, talvez sem saber que se trata de Abraham Lincoln, dizendo que se pode enganar o povo parte do tempo, mas não todo o tempo. É uma pena que ele se esqueça da parte de que é possível enganar parte do povo todo o tempo, porque isso ele já conseguiu provar que é verdade. E viva a teologia da prosperidade!

Citação

(...) E se me entrego às imagens do espelho
ou da água, tendo no fundo o céu,
não pensem que me apaixonei por mim.
Não: bom é ver-se no espaço diáfano
do mundo, coisa entre coisas que há (...)

Antonio Cicero, O País das Maravilhas

sábado, 8 de agosto de 2009

teoria da conspiração: gripe a em curitiba

O Caderno G ideias da Gazeta do Povo desse sábado traz toda uma analogia histórica e literária da nova gripe, comparando-a à gripe espanhola de 1918 e à peste negra da idade média, em mais uma tentativa de afastar as teorias conspiratórias que circulam nos e-mails. De fato, desde quinta-feira sem ler os e-mails, encontrei hoje dois de caráter alarmista na caixa de entrada e, se eu tivesse mais contatos, esse número certamente seria maior. A suspeita de que a imprensa estaria omitindo os casos de morte e etc. me fez lembrar de um artigo de Antonio Cicero sobre o argumento da astúcia do diabo, segundo o qual a maior astúcia deste seria provar que ele, o diabo, não existe, o que viria apenas a confirmar a existência do mesmo. Assim me parece que quanto mais a mídia tenta se justificar dizendo que não está ocultando os números e tal, mais as pessoas torcem o nariz diante da tv e apontam o dedo dizendo: tá vendo! tá vendo! ainda têm a coragem de negar! Esses dias fui na Livraria do Chaim comprar o presente do dia dos pais e um cara estava saindo com um suspiro: é... o jeito é se cuidar! o pessoal aí não tá divulgando mas a coisa tá feia mesmo... O jornal, entretanto, não pôde e nem poderia ignorar solenemente tudo isso e partiu logo pra entrevistas com psiquiatras, historiadores, sociólogos e especialistas do tipo. Quem é hipocondríaco e tem mania de limpeza vai pirar de vez, mas o melhor de tudo são as referências literárias. A reportagem de Anna Simas começa com uma citação d'A Peste, de Albert Camus: "Sei que ainda é preciso vigiar-se sem descanso para não ser levado, num minuto de distração, a respirar para a cara do outro e transmitir a infecção" e, após uma incursão por obras como Ensaio sobre a Cegueira de Saramago e O Mez da Grippe de Valêncio Xavier, a reportagem de Luciana Romagnolli retoma o escritor argelino: "Existencialista francês como Sartre, com quem rompeu por questões políticas, Camus discutiu no romance A Peste a apatia humana cultivada no cotidiano e só destituída provisoriamente em atmosferas de alerta, como na história da cidade que se atemoriza quando ratos ensanguentados emergem dos subterrâneos prenunciando a agonia que atingirá os moradores, obrigando-os a se confrontar com a precariedade de suas vidas". Apesar de Camus não ser existencialista e muito menos francês, achei super-oportuna a lembrança. É bem isso! Quer a situação seja de pânico, quer não, uma coisa é inegável: ela nos arranca da apatia cotidiana e, assim mais ou menos como uma copa do mundo, nos deixa a todos num certo clima de cumplicidade, transcendendo os problemas pessoais de cada um e os desafetos de cada um para redirecioná-los, problemas e desafetos, a esse grande inimigo em comum: um vírus metade gente, metade porco, metade frango, ou seja, um vírus que, a depeito de toda matemática, tem três metades! Agora, se o problema é sério ou não, não tenho a menor autoridade pra me pronunciar, sei que não estou nem um pouco paranóico. Parece que há a possibilidade de ser decretada calamidade pública e aí adeus volta às aulas. O jeito é pegar um desses romances aí de cima e ficar lendo...

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Ainda sobre o amor

...Não nego razão aos que dizem que cada um deve respirar um pouco, e fazer sua pequena fuga, ainda que seja apenas ler um romance diferente ou ver um filme que o outro amado não verá. Têm razão; mas não têm paixão. São espertos porque assim procuram adaptar o amor à vida de cada um, e fazê-lo sadio, confortável e melhor, mais prazenteiro e liberal. Para resumir: querem (muito avisadamente, é certo) suprimir o amor. Isso é bom. Também suprimimos a amizade. É horrível levar as coisas a fundo: a vida é de sua própria natureza leviana e tonta. O amigo que procura manter suas amizades distantes e manda longas cartas sentimentais tem sempre um ar de náufrago fazendo um apelo. Naufragamos a todo instante no mar bobo do tempo e do espaço, entre as ondas de coisas e sentimentos de todo dia. Sentimos perfeitamente isso quando a saudade da amada nos corrói, pois então sentimos que nosso gesto mais simples encerra uma traição. A bela criança que vemos correr ao sol não nos dá um prazer puro; a criança devia correr ao sol, mas Joana devia estar aqui para vê-la, ao nosso lado. Bem; mais tarde contaremos a Joana que fazia sol e vimos uma criança tão engraçada e linda que corria entre os canteiros querendo pegar uma borboleta com a mão. Mas não estaremos incorporando a criança à vida de Joana; estaremos apenas lhe entregando morto o corpinho do traidor, para que Joana nos perdoe. Assim somos na paixão do amor, absurdos e tristes. Por isso nos sentimos tão felizes e livres quando deixamos de amar. Que maravilha, que liberdade sadia em poder viver a vida por nossa conta! Só quem amou muito pode sentir essa doce felicidade gratuita que faz de cada sensação nova um prazer pessoal e virgem do qual não devemos dar contas a ninguém que more no fundo de nosso peito. Sentimo-nos fortes, sólidos e tranquilos. Até que começamos a desconfiar de que estamos sozinhos e ao abandono trancados do lado de fora da vida...

(Rubem Braga, "Sobre o Amor, etc." in 200 crônicas escolhidas)

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O amor acaba

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova York; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.
___
Paulo Mendes Campos
***
Este não é um texto dos mais alegres, mas é talvez o mais belo texto de PMC e, como diria Rubem Alves, "é preciso não confundir beleza com flores e riachos cristalinos. Belos são os oceanos enfurecidos, os desertos queimados pelo sol, os abismos gelados das montanhas, o furacão furioso, os olhos do tigre, os vulcões em erupção".