quinta-feira, 30 de agosto de 2007

citação

o soneto é uma forma clássica que, apesar de eu não - conseguir - escrever (por incapacidade poética), gosto. Aliás, para mim, seria profano me utilizar de qualquer métrica, quando há pessoas que o fazem melhor que a gente, deve-se reconhecer (ainda que de maneira cínica). Não obstante, soneto é música, coisa de compositor, formato que admiro, sobretudo por sua pureza:

Ó formosura!

Piolhos cria o cabelo mais dourado;
Branca remela o olho mais vistoso;
Pelo nariz do rosto mais formoso
O monco se divisa pendurado:

Pela boca do rosto mais corado
Hálito sai, às vezes bem ascoroso;
A mais nevada mão sempre é forçoso
Que de sua dona o cu tenha tocado:

Ao pé dele a melhor natura mora,
Que deitando no mês pode gordura,
Fétido mijo lança a qualquer hora:

Caga o cu mais alvo merda pura;
Pois se é isto o que tanto se namora,
Em ti mijo, em ti cago, ó formosura!

Bocage

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Entrevista com o Vampiro II - o (eterno) retorno

A resposta à pergunta "como você escreve" foi extraída de uma excepcional entrevista que o jornalista Nelson de Oliveira obteve numa aposta de jogo de xadrez. A aposta era: se o jornalista vencesse, ele teria a entrevista; se perdesse, pararia de assediá-lo.

"Hoje escrevo quando dá vontade, com ternura, às vezes fico semanas sem pegar na caneta. É claro que com o passar do tempo vou ficando angustiado. Preocupado. Será que morri? Eu me apalpo, me cheiro. Não, ainda estou vivo. Ponho a cara pra fora da janela, escuto a cidade, berro: 'Estou pronto! Mova-se mundo'. Fico atento à gentinha no ponto de ônibus, no bar da esquina. Aí as idéias vêm aos montes. Até me assusto. Fico com os pêlos do braço arrepiados."

Fonte: OLIVEIRA, Nelson de. Entrevista com o vampiro - Dalton Trevisan.

Minha fonte: BRITO, José Domingos de (organizador). por que escrevo?

Cheque Mate!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

domingo, 19 de agosto de 2007

Entretempo

Meus caros senhores
E senhoras do mundo
Entender-me pudessem!
Não creio em Deus
Porque me diz respeito não crer
Não deixo de pensar em Deus por Ele
Mas por mim
Se o problema fosse Deus
Beijava-lhe os pés
Se o Diabo, neste cuspia
Mas vejam que cena!
Que estupidez existir!
Pergunto: para que fui criado?
E me respondem: para duas coisas.
Adorar Deus e renegar o Diabo.
Repito: que estupidez existir.

Agora precisam de mim
Para escolher entre os dois!
Nunca precisaram de mim
Nem Deus nem o mundo
E de repente me dão
O voto de minerva?
Que culpa eu tenho
Se Um não gosta do Outro?
Eles que são eternos que se entendam.

Antes, entender-me pudessem!
Se o problema fosse Deus
Eu cederia: Ele existe
Ele sim, que é Deus, não eu.
Eu não sou Deus: eu vou morrer
E antes disso eu nasci
Percebem agora o tempo que tenho?
Para quem tem a eternidade
Faz sentido perder tempo
A beijar um, cuspir noutro
Eu não tenho a eternidade.
Aí vem um 'ele' e diz que eu tenho.
Não tenho. E entendo de mim mais que um 'ele'.
E por não ter a eternidade
Quero o direito ao que realmente tenho.
Tenho o direito ao tempo entre
Meu nascimento e minha morte
Entretempo este que subestimam
Diante do que chamam eterno.

Querem viver para sempre?
Têm todo o direito!
E todo o tempo têm também
Para achar um sentido
Caso um dia percebam
A estupidez de existir
A beijar um e cuspir noutro.
Mas se nunca atinarem com isto
Que se deliciem com o eterno
Que façam festa com seus Céus e Infernos
Mas que não seja em detrimento
Do meu único entretempo
A que chamo vida, inteira.
E a que chamam pedaço
Duma coisa maior.
Eu que, talvez sério demais,
Chamo a vida de vida
E não pedaço da mesma.

Mas talvez não me entendam
Porque, apesar de eternos, não têm tempo.
Ou não querem.
Porém se trata aqui de mim
Não da existência de Deus, que desconheço.
Até porque, como disse, não me diz respeito crer nele.
Ao contrário de Deus, tenho princípio e fim.
Quem quiser viver para sempre, viva.
Eu quero nascer e morrer, nada mais.
Por favor não me botem a alma empalhada!
(Otávio)

amor-próprio

Só há uma janela acesa em todo prédio e do varal pende uma camiseta com a estampa “eu me amo”. Dentro do apartamento, às duas da manhã, ela não consegue dormir, seu corpo se agita sobre a cama, os carros fazem algum barulho lá fora. Entediada, como não houvesse mais o que pensar, quase instintivamente, coloca a mão dentro da calcinha e começa a massagear o clitóris. Ao primeiro sinal de excitação, afasta a calcinha até os joelhos, se põe numa posição de parto. Os pés espalmados no lençol, os olhos apertados. Com a coberta levantada, sente um vento passar pelas coxas. Seu corpo quente se arrepia e, num espasmo, a calcinha escapa dos joelhos e escorrega até as canelas. Seu pescoço se distende para trás, comprimindo o travesseiro com a cabeça. Ela goza, sente-se em paz, lembra do filme que assistira de tarde, pensa no trabalho do dia seguinte, e dorme: nua e egoísta.

sábado, 11 de agosto de 2007

A idade de terceiros


por ocasião do (mercadológico) dia dos pais

Tudo que aquele senhor de sonhos morenos queria era que esse verão chegasse antes, com suas chuvas que não molham. Tudo que aquele senhor de olhar melindroso queria era uma senhora simpática que lhe desse uma injeção, não lhe importaria se tivesse os medos já grisalhos e se as rosas da bochecha já estivessem murchas. Aquele senhor só queria receber um bom-dia apressado do carteiro e ler algumas manchetes no jornal, antes que o entardecer lhe tirasse o chapéu e pendurasse nalgum cabide qualquer. Tudo que aquele senhor queria, antes de morrer, era ser feliz. Pobre velho, que nunca deixou que lhe dessem o lugar no ônibus. Pobre velho, de pernas tatuadas de veias, que queria ser cortês com as mulheres de trinta e com as caixas gordas no supermercado, mas só recebia sorrisos falsos. Pobre senhor, que sempre dizia aos outros que era jovem em espírito, que viveu muito e não filosofou, nascido filho único, amou muito sem desposar ninguém, e não podia ficar para tio, tampouco tinha netos de seus, todavia trazia sempre balas no bolso.14/10/05

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Bruxa má e outras histórias

Setenta anos lendo os clássicos para ser ajudado por uma senhora católica, um jovem cabeludo e um rapaz musculoso. Deus fora injusto, jogando os chatos na cara. Então bastava um meio-fio para desabar? Setenta anos medindo as palavras para perder a pose na frente do banco do brasil, perto do relógio da Tiradentes.
- Tudo bem, senhor? Ajuda aqui, ajuda aqui.
- Toma aqui sua bengala, alguém tem celular?
- Qual é mesmo o número, 192?
- Ele conseguiu ligar ali? Porque meu celular caiu e quebrou, olha só que coisa.
- Sai da rua, chega aqui ó.
- Alô, alô.
- Olha quanto sangue.
- A gente tá aqui na frente do banco do brasil, ele caiu, é um senhor.
Não, não permita deus que eu tropece em Curitiba, cortando os supercílios no asfalto e entregue ao músculo alheio.
- O que você acha da gente colocar ele ali na escada do banco? Vâmo lá, senhor?
- Aí, aí, segura aqui alguém, segura aqui que eu vou trabalhar. Aí.
Este tinha mais cabelos que músculos, a outra sorria:
- Qual o nome do senhor? O senhor é polonês? Ele não quer dizer o nome. Qual o seu nome?
- É da... Por quê?
- dario?
Um chato sempre cospe na cara da gente.
- Não. Por quê?
Então diria o nome? Nesta cidade parece que há um só dalton e entregar assim pro cabeludinho sacar?
- José.
- Quantos anos, seu José?
- Oitenta e dois, mas por quê? Olha que minha namorada é ciumenta.
- Ele disse que a namorada dele é ciumenta.
A vida é bem telemarketing: até crianças de treze anos são chamadas de senhor, mas essa não, cara: repetir a piada.
- Mas acho que sua namorada não vai ficar brava, seu José. O senhor ia na casa dela?
Deus mandara uma senhora católica para chamar o siate e agora o passeio interrompido.
- Não, eu ia na... na... na... biblioteca.
- Ah é? Eu sou estagiário lá, o senhor é leitor?
O cabeludinho todo esperto, cheio de caspa e sgundas intenções. Leitor? Essa doeu, cara, deus sabe que eu sofro, e você vem com ah é, sub-reptício?
- Senta aqui, seu José. Pode sentar que ele ajuda.
Um homem não tem pernas? E as bengalas naturais que não deixam o mundo tremer? Será um terremoto ou oitenta e dois anos? Mas agora sentar era um dever.
- Olha lá, tá chegando!
- Ah, que bom!
- O que foi que aconteceu? Ele aqui? Que que aconteceu, senhor?
O terceiro anti-pedro a chamar-lhe senhor, fosse antes negado como jesus cristinho, antes da corruíra pipiar. Tomés povoassem Curitiba.
- Eu caí ali.
- Ele bateu com a cara no chão, ele caiu de cara.
Não bastasse a sirene poluindo o ouvido, não havia dogma que católico falasse ROSTO.
- Nessa idade é normal dar hipoglicemia: dá tontura e pessoa assim de idade fica fraca.
E todo sangue chupado em vão? Ou não havia vampiro nem nada, apenas um velho cuja bengala lhe fora arrancada? Ninguém diga sou malgrato, antes o beijo desdentado de um Judas ou madaleninhas dengosas soprando.
- Não deram nada pra ele beber, né?
- Só um copinho d'água que o homem do banco trouxe.
- Nessas horas não pode.
- Vocês vão levar ele? Daí como que faz?
- Lá tem assistente social, tudo.
- Tchau então que eu tenho que trabalhar. Deus abençoe vocês.
Tudo: que mais quereria? Assistente social bonitinha e a bênção de deus. Se a beata ordenara, quem era deus para não abençoá-lo?
- Encosta a cabeça aqui, senhor. Cuidado aí. Aí. Fecha.

(Otávio)