segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Chicago - Primavera de 2013
"Sempre estive dilacerado entre o meu apetite pelos seres, a vaidade da agitação e o desejo de me tornar igual a esses mares de esquecimento, a esses silêncios desmedidos, que são como o encantamento da morte. Tenho o gosto das vaidades do mundo, dos meus semelhantes, dos rostos, mas, fora do meu tempo, tenho uma regra própria que é o mar e tudo nesse mundo que se lhe assemelha. Ó suavidade das noites, em que todas as estradas oscilam e deslizam por cima dos mastros, e esse silêncio em mim, esse silêncio, afinal, que me liberta de tudo." (Albert Camus, Ao mar)

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Lily (My One & Only)

Lily, my one and only
I can hardly wait 'til I see her
Silly, I know I'm silly
Cause I'm hanging in this tree
In the hopes that she will catch a glimpse of me
And thru her window shade
Lily (My One & Only) (Double Door Rehearsal 1995) by The Smashing Pumpkins - www.musicasparabaixar.org on GroovesharkI watch her shadow move
I wonder if she.......?
Lily, my one and only
Love is in my heart and in your eyes
Will she or won't she want him?
No one knows for sure
But an officer is knocking at my door
And thru her window shade
I watch her shadow move
I wonder if she could only see me?
And when I'm with her I feel fine
If I could kiss her I wouldn't mind the time it took to find my...
Lily, my one and only
I can hardly wait till I see her
Oh Lily, I know you love me
Cause as they're dragging me away
I swear I saw her raise her hand and wave goodbye...

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Citação

"...a produção de besteira é estimulada quando quer que as obrigações ou oportunidades de que uma pessoa fale sobre algum tópico excedem seu conhecimento dos fatos que são relevantes para este tópico. Esta discrepância é comum na vida pública, quando as pessoas são frequentemente impelidas - seja por suas próprias propensões ou pelas demandas de outros - a falar extensivamente sobre assuntos dos quais elas são em algum grau ignorantes. Exemplos disso surgem da tão difundida convicção de que, numa democracia, é a responsabilidade de um cidadão ter opiniões sobre tudo, ou ao menos tudo que pertence à conduta dos assuntos de seu país. A falta de qualquer conexão significativa entre as opiniões de uma pessoa e sua apreensão da realidade será tanto mais severa, desnecessário dizer, para alguém que acredite ser sua responsabilidade, como agente moral consciente, avaliar eventos e condições em todas as partes do mundo..." (trecho vertido de "On bullshit" de H. Frankfurt, Princeton University Press, 2005).

sábado, 3 de agosto de 2013

O DUPLO

Foi-se formando
a meu lado
um outro
que é mais Gullar do que eu

que se apossou do que vi
do que fiz
do que era meu

e pelo país
flutua
livre da morte
e do morto
pelas ruas da cidade
vejo-o passar
com meu rosto

mas sem o peso
do corpo
que sou eu
culpado e pouco

Ferreira Gullar
(do livro "Em alguma parte alguma")

domingo, 7 de julho de 2013

Entrevista com Luis Fernando Verissimo

"Ainda não se sabe se foi só um espasmo ou se o movimento terá consequências permanentes. Muitas das reivindicações [de junho de 2013] são irrealistas. Aquele cartaz que pedia a volta da tomada para dois pinos não era sério, mas dava uma boa ideia disso."

"...o inimigo é um sistema que não funciona, o que é muito vago. Se você quiser ser específico, pode dizer que a rua está fazendo a crítica ao capitalismo brasileiro que o PT fazia quando era oposição, antes de se deixar cooptar."

“E o mensalão do PSDB?”

"...não se deve supervalorizar o poder persuasório de manifestações. Amanhã um milhão de evangélicos marcham contra gays ou contra o diabo e eu espero que a consequência política disso seja zero."

"O que fazer com os estádios que ficarão ociosos depois da Copa? Não tenho a menor ideia. Podem ficar como monumentos à insânia."

"Para quem escreve com regularidade, qualquer assunto é assunto. Eu sempre digo que a minha musa inspiradora é o prazo de entrega."

"De negativo, [a velhice trouxe] a proximidade da morte, a consciência da nossa finitude e do absurdo da existência. De positivo, o lugar reservado para idosos nos estacionamentos."

"Já me resignei à timidez e sei que agora não vou mudar, mas melhorei muito com a idade. Já faço até palestra. Mas com o Isordil à mão."

Luis Fernando Verissimo, em entrevista cedida à ISTOÉ.

sábado, 15 de junho de 2013

sudoeste

tenho por princípios
nunca fechar portas
mas como mantê-las abertas
o tempo todo
se em certos dias o vento
quer derrubar tudo?

adriana calcanhotto e jorge salomão
no cd 'a fábrica do poema', de adriana calcanhotto

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Please don't pass me by

Em visita à cidade de Chicago, pude perceber mais ou menos como é uma cidade grande americana. Ao descer do trem que me levou até lá e me dirigir até a estação de metrô mais próxima, uns dois ou três moradores de rua me dirigiram a palavra. Um deles, vendo-me com aquela mochila enorme de turista, arriscou: are you gonna take the megabus? creio que devo ter feito um gesto vagamente negativo com a cabeça e segui com certa indiferença. Ele tentou investir numa conversa: where are you trying to get to? Mas ao perceber que eu já virava a esquina, ele concluiu: you gotta run... of course you gotta run... Desde então passei por muitos moradores de rua, nenhum deles agressivo, alguns docilmente sentados em uma ponte sobre o Chicago river, segurando placas a informar que tinham família e passavam fome. Não tenho o hábito de dar esmolas, então sempre passava reto, alguns ainda diziam atrás de mim: have a good day. Em quase todos estes momentos, de alguma forma a lembrança daquela frase me acompanhou: you gotta run... of course you gotta run... Esta frase me pareceu saída diretamente de uma canção de Leonard Cohen, que há pouco tempo eu tinha conhecido, e que agora reproduzo aqui: please don't pass me by, por favor não passe por mim.

Please Don't Pass Me By (A Disgrace) (live) by Leonard Cohen on Grooveshark

I was walking in New York City and I brushed up against the man in front of
me. I felt a cardboard placard on his back. And when we passed a streetlight,
I could read it, it said "Please don't pass me by - I am blind, but you can
see - I've been blinded totally - Please don't pass me by." I was walking
along 7th Avenue, when I came to 14th Street I saw on the corner curious
mutilations of the human form; it was a school for handicapped people. And
there were cripples, and people in wheelchairs and crutches and it was snowing,
and I got this sense that the whole city was singing this:
Oh please don't pass me by,
oh please don't pass me by,
for I am blind, but you can see,
yes, I've been blinded totally,
oh please don't pass me by.
And you know as I was walking I thought it was them who were singing it, I
thought it was they who were singing it, I thought it was the other who was
singing it, I thought it was someone else. But as I moved along I knew it was
me, and that I was singing it to myself. It went:
Please don't pass me by,
oh please don't pass me by,
for I am blind, but you can see,
well, I've been blinded totally,
oh please don't pass me by.
Oh please don't pass me by.
Now I know that you're sitting there deep in your velvet seats and you're
thinking "Uh, he's up there saying something that he thinks about, but I'll
never have to sing that song." But I promise you friends, that you're going
to be singing this song: it may not be tonight, it may not be tomorrow, but
one day you'll be on your knees and I want you to know the words when the
time comes. Because you're going to have to sing it to yourself, or to another,
or to your brother. You're going to have to learn to sing this song, it goes:
Please don't pass me by,
ah you don't have to sing this .. not for you.
Please don't pass me by,
foto por ricardo pozzo
for I am blind, but you can see,
yes, I've been blinded totally,
oh please don't pass me by.
Well I sing this for the Jews and the Gypsies and the smoke that they made.
And I sing this for the children of England, their faces so grave. And I sing
this for a saviour with no one to save. Hey, won't you be naked for me? Hey,
won't you be naked for me? It goes:
Please don't pass me by,
oh please don't pass me by,
for I am blind, but you can see,
yes, I've been blinded totally,
oh now, please don't pass me by.
Now there's nothing that I tell you that will help you connect the blood
tortured night with the day that comes next. But I want it to hurt you, I
want it to end. Oh, won't you be naked for me? Oh now:
Please don't pass me by,
oh please don't pass me by,
for I am blind, but you can see,
but I've been blinded totally,
oh, please don't pass me by.
Well I sing this song for you Blonde Beasts, I sing this song for you Venuses
upon your shells on the foam of the sea. And I sing this for the freaks and
the cripples, and the hunchback, and the burned, and the burning, and the
maimed, and the broken, and the torn, and all of those that you talk about at
the coffee tables, at the meetings, and the demonstrations, on the streets,
in your music, in my songs. I mean the real ones that are burning, I mean the
real ones that are burning
I say, please don't pass me by,
oh now, please don't pass me by,
for I am blind, yeah but you can see,
ah now, I've been blinded totally,
oh no, please don't pass me by.
I know that you still think that its me. I know that you think that there's
somebody else. I know that these words aren't yours. But I tell you friends
that one day
You're going to get down on your knees,
you're going to get down on your knees,
you're going to get down on your knees,
you're going to get down on your knees,
you're going to get down on your knees,
you're going to get down on your knees,
you're going to get down on your knees,
you're going to get down on your knees,
you're going to get down ..
Oh, please don't pass me by,
oh, please don't pass me by,
for I am blind, yeah but you can see,
yes, I've been blinded totally,
oh, please don't pass me by.
Well you know I have my songs and I have my poems. I have my book and I have
the army, and sometimes I have your applause. I make some money, but you know
what my friends, I'm still out there on the corner. I'm with the freaks, I'm
with the hunted, I'm with the maimed, yes I'm with the torn, I'm with the down,
I'm with the poor. Come on now ...
Catedral da Sé, São Paulo, por Tullio Stefano
Ah, please don't pass me by,
well I've got to go now friends,
but, please don't pass me by,
for I am blind, yeah but you can see,
oh, I've been blinded, I've been blinded totally,
oh now, please don't pass me by.
Now I want to take away my dignity, yes take my dignity. My friends, take my
dignity, take my form, take my style, take my honour, take my courage, take
my time, take my time, .. time .. 'Cause you know I'm with you singing this
song. And I wish you would, I wish you would, I wish you would go home with
someone else. Wish you'd go home with someone else. I wish you'd go home with
someone else. Don't be the person that you came with. Oh, don't be the person
that you came with, Oh don't be the person that you came with. Ah, I'm not
going to be. I can't stand him. I can't stand who I am. That's why I've got to
get down on my knees. Because I can't make it by myself. I'm not by myself
anymore because the man I was before he was a tyrant, he was a slave, he was
in chains, he was broken and then he sang:
Oh, please don't pass me by,
oh, please don't pass me by,
for I am blind, yes I am blind, Oh but you can see,
yes, I've been blinded totally,
oh, please don't pass me by.
Well I hope I see you out there on the corner. Yeah I hope as I go by that I
hear you whisper with the breeze. Because I'm going to leave you now, I'm
going to find me someone new. Find someone new.
And please don't pass me by.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Citação

I was... uh... I was having a drink with my old teacher, he is a hundred and two now, and... this was... he was just about ninety seven at the time, and... I pored my drink and... he clicked my glass and he said: "excuse me for not dying"... (risos) I kind of feel the same way... (risos). I want to thank you, not just for this evening, but for the many years that you've kept my songs alive. (Leonard Cohen, Live in London)

sábado, 6 de abril de 2013

Adeus a tudo aquilo*

Ao longo dos últimos dez anos publiquei, neste ou naquele veículo, cerca de vinte trabalhos sobre a filosofia da religião. Tenho um livro sobre o assunto, Deus e o ônus da prova, e outro que critica a apologética cristã, Por que não sou um cristão. Durante minha carreira acadêmica debati com William Lane Craig duas vezes e duas vezes com criacionistas. Escrevi uma tese de mestrado e uma de doutorado sobre a filosofia da religião, e ministrei cursos sobre o assunto inúmeras vezes. Mas não mais. Basta. Estou de volta ao meu interesse real, que se situa na história e filosofia da ciência e, após terminar alguns compromissos em andamento, não escreverei mais nada sobre a filosofia da religião. Eu poderia dar muitos motivos. Por um lado, acho que um grande número de filósofos representaram os argumentos a favor do ateísmo e do naturalismo tão bem quanto possível. Graham Oppy, Jordan Howard Sobel, Nicholas Everitt, Michael Martin, Robin Le Poidevin e Richard Gale têm produzido obras de grande sofisticação que destroem os argumentos teístas tanto em suas formulações clássicas quanto nas mais recentes. Ted Drange, JL Schellenberg, Andrea Weisberger, e Nicholas Trakakis apresentaram poderosos, e, a meu ver, irrespondíveis argumentos ateológicos. Gregory Dawes tem um livro extraordinário mostrando exatamente o que há de errado com "explicações" teístas. Erik Wielenberg mostra muito claramente que a ética não precisa de Deus. Com humildade honesta, realmente não creio que tenha muito a acrescentar a estas obras excelentes.

Em primeiro lugar, porém, o que me motiva é um sentimento de tédio, por um lado, e de urgência, por outro. Dois anos atrás, ministrei um curso de filosofia da religião. Estávamos usando, entre outras obras, Cartas para um Thomas em dúvida: argumentos a favor da existência de Deus, de Stephen C. Layman. Nas aulas tento apresentar material que considero antitético ao meu próprio ponto de vista da forma mais justa imparcial possível. Com o livro de Layman, fiz um esforço enorme para consegui-lo. Achei-me, literalmente, temendo ter de passar por essa obra em sala de aula: não, deixe-me salientar, porque estivesse intimidado pela força dos argumentos. Ao contrário, achei os argumentos tão execráveis e sem sentido que me aborreciam e enojavam. Ora, Layman não é um maluco ou um ignorante, ele é o autor de um livro de lógica muito útil. Tenho que confessar que hoje considero "os argumentos a favor do teísmo" como fraudes e já não consigo apresentá-los aos alunos como se represetassem uma posição filosófica respeitável, assim como não conseguiria apresentar o desígnio inteligente como uma teoria biológica legítima. Aliás, ao dizer que considero os argumentos para o teísmo como fraudes, não pretendo acusar as pessoas que os usam de vigaristas, que visam enganar-nos com afirmações que sabem serem falsas. Não: os filósofos teístas e apologistas são quase dolorosamente sinceros e honestos; não penso que haja um Bernie Madoff no grupo. Simplesmente não consigo mais levar a sério seus argumentos e, quando não conseguimos levar uma coisa a sério, não devemos lhes dispensar uma atenção acadêmica séria. Passei para um colega os cursos de filosofia da religião.

Como disse, há também um sentido de urgência. Acabo de completar 58 anos e quero dedicar os relativamente poucos anos restantes de minha vida acadêmica àquilo que não apenas respeito, mas amo. Adoro a astronomia; adoro a geologia; adoro a paleontologia, e acho a história desses campos fascinante. Também estou muito interessado nos problemas filosóficos associados com as ciências históricas. Como compreender e reconstituir acontecimentos que tiveram lugar no fundo do tempo é um interesse profundo e permanente para mim. Publiquei dois livros sobre a história da paleontologia de dinossauros, e voltarei a esse tipo de coisa.

Assim, com exceção dos compromissos que estou terminando agora, abandono a filosofia da religião. Talvez ainda responda a algumas críticas aos meus trabalhos publicados. Por exemplo, o Secular Web tem uma crítica longa do meu ensaio "Não se necessida de criador”, e eu poderia responder a ela. Continuarei de vez em quando a postar coisas no Secular Outpost. Quanto ao resto de vocês, que estão combatendo o bom combate contra o sobrenaturalismo, por favor continuem. Alguém precisa se opor a esse tipo de coisa. Apenas, não serei eu.

Keith Parsons

*texto encontrado no blog Acontecimentos, de Antonio Cicero.

Desencontro

Daniela esteve aqui hoje, procurando por mim. A dona da casa lhe disse que eu não estava, mas que ela podia esperar no meu quarto, se quisesse. Ela esperou por quinze minutos. Tentei ligar, mas o número não existia. Sentei na cama, pensei: ela deve ter sentado aqui. Imaginei seu campo de visão. As mãos metidas entre as coxas. Ao lado da cama, um livro vagabundo, um best-seller. Meu mau gosto, pensei, meu mau gosto terá sido um sinal de que me resta algo de humano. Sobre a cômoda, a nota fiscal do restaurante que frequento. Bem se vê que não sou pessoa de luxo. Nenhuma revista pornográfica nas prateleiras. Melhor assim: a imagem de um homem se masturbando, segurando a folha que o vento ameaça virar, não é das melhores. As roupas jogadas no chão terão sido um sinal de um certo desleixo, de um homem que tem coisas mais importantes pra pensar. Os analgésicos, os calmantes, os anti-histamínicos. Gostaria de ter explicado que os anti-depressivos são temporários. Daniela deve ter achado que minha vida é difícil. Não deixa de ser. Olho no relógio, passou-se quase uma hora. Uma hora é bem mais que quinze minutos. Daniela não quis deixar recado. Mas percebo que ela entreabriu a janela. Deve ter sido isso. Percebeu que o mundo lá fora é muito maior.

(28/03/2013)

segunda-feira, 18 de março de 2013

O anti-ateísmo de Olavo de Carvalho

"ainda há quem acredite que as religiões, e não as ideologias ateísticas, cientificistas e materialistas, são responsáveis pela falta de liberdade no mundo. Daí que a propaganda anti-religiosa, malgrado os efeitos devastadores que produziu, seja aceita não somente como atividade cultural elevada e digna, mas como um dos pilares mesmos do sistema democrático e até como expressão suprema dos mais belos ideais humanos. Quando milhões de jovens imbecilizados pela mídia chegam às lágrimas de comoção idealística ao ouvir em “Imagine’’, de John Lennon, a descrição de uma sociedade paradisíaca, nem de longe percebem que seu apelo à supressão de todas as religiões é, em essência, uma legitimação do maior dos genocídios" (Olavo de Carvalho)
___
Pode-se conceder ao texto "O Holocausto Contínuo", de Olavo de Carvalho, que tenha sido bem escrito (pelo menos no que diz respeito à retórica), mas uma leitura desapaixonada me parece revelar um texto extremamente desonesto e/ou equivocado. A desonestidade (e/ou o equívoco) está na identificação de "ateus militantes" com fanáticos políticos. Via de regra, o adjetivo "militante" em "ateu militante" diz respeito apenas à militância do ateísmo (chega a ser redundante dizer isso), não se trata de um ateu que professa algum extremismo político, muito menos de algo como um representante de uma ala intolerante que professa o ódio à religião ou aos religiosos (caso isso exista, deve ser condenado como tal, mas não vejo por que tomar isso como paradigma de ateísmo militante). Se for pra definir um ateu militante, definamos como alguém que defende o seu direito de não acreditar em Deus tanto quanto o direito de outros acreditarem (mas obviamente alguém que expressará o ateísmo em seu dia-a-dia e possivelmente o passará a seus filhos - o mesmo que os religiosos fazem com suas religiões).
O fato de uma pessoa ser intolerante não se segue do fato de ela ser atéia, assim como não se segue do fato de ser religiosa. Talvez por isso o autor não se preocupe em atacar o ateísmo em si, mas em associá-lo a outra coisa para poder atacá-lo. Isto é, ele ataca um espantalho, utilizando-se flagrantemente de uma falácia (forma invalida de argumento) chamada falácia do espantalho, a qual divide espaço no texto com outra, a redução ao nazismo, cujo nome já diz tudo. (Na verdade, existem tantas falácias que talvez eu mesmo já tenha cometido algumas, por exemplo, aqui (ver quarto parágrafo) eu posso parecer apelar à falácia do verdadeiro escocês, na qual se define arbitrariamente o "verdadeiro" x (escocês) como y ("alguém que não coloca açúcar no seu mingau") e se exclui todo não-y, de modo que todo aquele que não coloca açúcar no seu mingau não seria escocês, mas não acho que eu cometa isso, pois não me parece arbitrário definir o suicida como alguém responsável pelo seu ato, isto é, há uma ligação intrínseca entre meu x e meu y, o que não quer dizer, obviamente, que eu não cometa outras falácias em outros lugares).
Outro problema do texto é tomar fatos históricos como argumentos, o que me parece uma grande perda de tempo ao se discutir religião, assim como não me parece vir ao caso discutir homens-bomba e a inquisição da idade média, pedofilia etc. Tais temas certamente extrapolam o tema da religião, entrando muito mais no tema dos direitos humanos. Uma vez distingui, em conversa com um amigo, o que chamei de argumentos "a priori" (razões) do que chamei de argumentos "a posteriori" (fatos) contrários à religião, dos quais apenas os primeiros costumam me interessar. Certamente, num debate, um ateu até poderia abordar acontecimentos históricos, mas com a finalidade de levar à discussão de como um deus perfeito poderia criar um mundo imperfeito, com terremotos etc., ou seja, sem apresentar fatos históricos pura e simplesmente. Um contraexemplo ao que é defendido no texto seria facilmente obtido pela alegação de que há extremistas políticos que são religiosos, talvez incluindo nazistas, mas não acho que seja o caso de levantar contraexemplos, ja que contraexemplos pressupõem regras gerais, e a regra geral em questão me parece poder ser refutada enquanto regra geral, ou seja, não há regra geral em jogo, logo não se trata de fornecer contraexemplos. Em outras palavras, a alegação de que a militância do ateísmo (o que me remete, por exemplo, às universidades populares e aos livros de Michel Onfray) tenha como consequência a intolerância não tem sequer um exemplo, de modo que procurar contraexemplos não faz muito sentido. Creio que os exemplos referidos no texto têm todos motivações diversas do mero ateísmo, como o antissemitismo por exemplo. Se o ateísmo está presente, nem por isso significa que ele desempenhe algum papel.
Um argumento que estaria à disposição do anti-ateu seria o de que o ateu é um ser imoral. Isso pressupõe, não só a identificação de religiosidade com moral, como certa noção de moral, calcada na lógica da recompensa e do castigo. Neste sentido, não vejo por que a moral religiosa seria mais intrínseca ao ser humano do que um simples conjunto de leis impostas extrinsecamente a ele. Trata-se da mesma lógica da recompensa e do castigo, a religião não me parece gozar de nenhum privilégio em matéria de moral. De todo modo, esta linha de raciocínio, e de debate, seria minimamente promissora, pois estaria levantando argumentos e não meramente se apoiando em fatos brutos que ademais sequer servem para apoiar a posição defendida (algo como um anti-ateísmo). Por exemplo, poder-se-ia alegar que a religião não se resume a castigo e recompensa, o que me levaria a perguntar em que ela consiste e, em seguida, se isso em que ela consiste nos permitiria associa-la a moral e, se sim, se isso excluiria outros tipos aceitáveis de moral, e assim por diante. Enfim, a mim, pelo menos, não interessa refutar nenhuma opinião a todo custo, mas apenas a um custo que me pareça minimamente justo. Talvez em alguns casos, posso concordar que talvez não houvesse tempo para pensar, mas nestes casos seriam as nossas crenças (como a de que a vida seja um direito inviolável) que cumpririam um papel fundamental, o que apenas me parece reforçar a necessidade de procurarmos um mínimo de razões para nossas crenças, ao menos nas situações em que há tempo para isso.
Talvez, contudo, o autor pudesse se justificar dizendo que escreveu um texto desonesto, mas com uma intenção honesta: a de contrabalançar o excesso de críticas que as religiões têm recebido ultimamente. Neste caso, creio que o efeito é o inverso, pois ele está subestimando o leitor, tanto o leitor ateu quanto o leitor religioso. Acontece que o leitor atento, o qual pode ser muito bem um religioso, pode notar que o texto se utiliza de uma retórica bastante desonesta. Tal leitor não vai querer compactuar com este tipo de estratégia, já que, sendo apelativa e nivelando a discussão por baixo, poderia ser usada contra o próprio religioso mais cedo ou mais tarde. Por fim, resta ainda uma hipótese: o autor quis apenas ser polêmico. Nesta hipótese, não acho que a polêmica, por si só, seja uma coisa boa e, neste caso em particular, o máximo que consegue é pintar uma péssima imagem do autor do texto, a qual nao me impressionaria se aparecesse em outros de seus textos.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Receitas cruzadas

"As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental"
Vinicius de Moraes, Receita de Mulher

"O poeta bem me perdoe
beleza não é fundamental"

Dalton Trevisan, Receita de Curitibana

É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
(Vinicius)

pouco vale o corpo magriço da rosa de anorexia
se é a flor do enjôo tédio não me toque
abre os teus braços ao fino feixe de ossos
mais ainda a essas babilônias de jardins suspensos
pirâmides de broinhas mimosas em marcha

(Dalton) 

Que haja uma hipótese de barriguinha
(Vinicius)

não o ventre mas a dança do ventre
(Dalton)


mas que haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto, sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhavel na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!).
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo
(Vinicius)

tua fórmula contada na medida pesada não de mulher
sim deusa impossível
de tantas complexo de inferioridade
o cruel inventário de vergonhas defeitos culpas
um basta à discriminação
deliras poeta as muitas letras te fazem delirar

(Dalton)

Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso, e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37 graus centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferencia grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra
(Vinicius)

como pode ó cara
qualquer mulherinha sem exceção
um certo não sei que particular original
única entre todas
um par de seios já viu um par de tudo
não só os dotes físicos que tal as prendas morais

(Dalton)

Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável.
(Vinicius)

de que te servem as ricas saboneteiras
sem o chupão de fogo na nuca
nada de lindeza enjoadinha estéril narcisista
antes a mulher completa

(Dalton)

Ah, deixai-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo
(Vinicius)

nua e louca nos teus braços
cada tripa um coração latindo de amor
qual é me diga a mulher feia

(Dalton)

(des)organização: Otávio

sábado, 9 de fevereiro de 2013

A FLOR E A NÁUSEA

Preso à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Citação

imagem do filme "Notas sobre um escândalo"
"People like Sheba think that they know what it's like to be lonely. They cast their minds back to the time they broke up with a boyfriend in 1975 and endured a whole month before meeting someone new..." (Z. Heller, Notes on a scandal)