domingo, 13 de março de 2011

O argumento da hipocrisia

O que pensamos quando falamos em 'politicamente correto'? Não há como negar que esta expressão é carregada de um peso negativo, independente do que ela diga, ela aparece como algo feio, algo desagradável, a quase qualquer um que a ouça. Quem ousasse fazer uma defesa do politicamente correto, certamente o faria com outras palavras. Em geral, isso me parece acontecer com várias expressões. 'Sem falsa modéstia', por exemplo, tem substituído a antiga 'modéstia à parte', o que parece indicar que atualmente toda modéstia é entendida como falsa.
Enquanto certas expressões perdem força, outras ganham. 'Hipocrisia' me parece ser uma palavra agradável à maioria dos ouvidos, uma crítica que envolva esta palavra parece sempre mais contundente. Mas até que ponto podemos confundir as palavras com o peso que elas revestem? Pensei nisto quando me deparei com a crítica de que ser ecológico é hipócrita. Ora, hipócrita é dizer uma coisa e fazer outra. Talvez um discurso ecológico possa ser hipócrita, talvez usar sacolas de pano no supermercado e não separar o lixo orgânico do reciclável seja hipócrita. Quando se diz que ser ecológico é hipócrita, está faltando alguma coisa.
Mesmo assim, um interlocutor que se agarrase apaixonadamente a esta crítica poderia ir mais longe: de que adianta separar o lixo se, do lado da tua casa, há uma fábrica contaminando um rio? Afinal, deveríamos falar com o dono da fábrica, fazer as devidas denúncias. Correto. Mas será esse um argumento para NÃO separar o lixo? Talvez SÓ separar o lixo seja o problema. Não seria de espantar, portanto, se um tal interlocutor aparecesse defendendo o assassinato: você diz que matar é errado, mas trabalha numa lanchonete que vende cigarro, e cigarro mata. Isso seria talvez um exemplo de hipocrisia, mas nem de longe é um argumento em favor do assassinato.
Qual é, pois, o problema de se dizer que ser ecológico é hipócrita? Está faltando o contraste, o 'tuas idéias não correspondem aos fatos'. É claro que a hipocrisia não se reduz ao discurso, ela pode ser FALAR uma coisa e FAZER outra, mas também FAZER uma coisa e depois FAZER outra. O problema é a incoerência, e a incoerência tem sempre dois lados. Mas, se o problema é DIZER O BEM e FAZER O MAL, qual a solução? Deixemos que, pelo menos, aqueles que optam por DIZER O MAL e FAZER O MAL o façam conscientemente e em hipótese alguma sob a égide de "não ser hipócrita".

Um abraço a todos,
Otávio.