domingo, 28 de dezembro de 2008

O dia em que me suicidei

Diante do meu suicídio virtual, quer dizer, quando excluí esses dias minha conta do orkut, ainda que por motivos quase técnicos (spams), entrei numa discussão com um amigo sobre isso e gostei muito do seu último e-mail:

"fala ae rapá,sim,acho q entendo,li agora tua crônica a este respeito;a internet veio como um circo de egotismo e paranóia,nada impede que brinquemos nisso aqui,que sejamos egotistas e paranóicos,pois somos;olhar-se no espelho e a melhor ou pior coisa,cair de cara nele como narcisos afoitos é ainda uma incidencia mais comum e necessária,;quando entrei no showkurt,busquei manter apenas contato com algumas pessoas de Ctba e talvz do RJ,colecionar clips(diversão de bebado entediado) e tambem quis saber o q havia ficado p.trás,colegas,inimigos,amigos,ver o como todos dançam nessa,encontrei o perfil de um amigo,o qual depois decobri q estava morto,foi à ele quem dediquei aqule poema entitulado'kadish'pois o cara era judeu,ele se preocupou antes de se suicidar em caprichar o perfil,como dissesse"Não me esqueçam ou Amo a todos vcs"a questão aí é a velha necessidade de integração e de se reconhecer pessoa,tudo isso recheado e sustentado num tipo de anonimia pós moderna,onde se tem nome e realidade,porem,continua-se anônimo,tem o nome,um perfil,uma face,um povoamento,acha q tem fãs e comunidades,mas,se falta pele,tudo isso é mera esquizofrenia,heterônimos vazios;sempre digo que falta a nossa época é pele,estamos com os ossos demais expostos,quase esfarinhados..."

Com isso, não pude deixar de me remeter ao monólogo "A Queda" de Albert Camus:

"Confesso-lhe o meu cansaço. Perco o fio dos meus relatos, já não possuo aquela clareza de espírito à qual os meus amigos se compraziam em prestar homenagem. Digo amigos, aliás, por princípio. Não tenho mais amigos, só tenho cúmplices. Em compensação, o seu número aumentou, são o gênero humano. (...) Como sei que não tenho amigos? É muito simples: eu o descobri no dia em que pensei em matar-me para lhes pregar uma boa peça, para puni-los, de certa forma. (...) No que me diz respeito, já consigo ouvi-los: 'matou-se porque não pôde suportar que...' Ah! caro amigo, como os homens são pobres de inventiva! Julgam sempre que nos suicidamos por uma razão. Mas podemos muito bem suicidar-nos por duas razões. Não, isso não lhes entra na cabeça. (...) Uma vez morto, eles se aproveitarão disso para atribuir ao gesto motivos idiotas ou vulgares. (...) Olhe, depois de tudo que lhe contei, que acha que me aconteceu? Nojo de mim mesmo? Ora!, convenhamos, era sobretudo dos outros que estava enojado. (...) Meu caro amigo, não demos pretexto para nos julgarem, por pouco que seja! Caso contrário, nos deixam em pedaços. (...) Compreendi isso num relance, no dia em que me ocorreu a suspeita de que, talvez, eu não fosse tão digno de admiração. A partir de então, passei a ser desconfiado. (...) Sentia-me vulnerável e entregue à acusação pública. (...) A partir do momento em que temi que houvesse em mim qualquer coisa a ser julgada, compreendi, em suma, que havia neles uma vocação irresistível para julgar. (...) Eis o que nenhum homem consegue suportar. A única defesa está na maldade. As pessoas apressam-se, então, a julgar, para elas próprias não serem julgadas..."

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Je vous salue, Marie

- Não acredite que o dólar vá baixar. Não acredite que as férias serão
agradáveis. Pode acreditar que a chuva vem de cima para baixo. É a lei da
natureza.
- O mundo é muito triste.
- Não é triste, é grande.


trecho do "filme do Gogard"

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Citação


De que me vale seu amor,
Ziza,
se o que eu vejo
é o viaduto
e muitos,
muitos carros.

Giuliano Gimenez



(mulher descansando
de Iriene Borges)

domingo, 21 de dezembro de 2008

Um dia desses

Beleza não se discute. Aliás, até se discute, mas quando não se está paralisado pela mesma, por isso relutei tanto em fazer um post sobre adriana calcanhotto diante da última explosão midiática. Não sei se consigo ler tão cedo o saga lusa, mas já vai entrar pra minha lista que quase não anda, ao lado da biografia do tim maia, por exemplo. Daí que, em visita ao site oficial, está lá, no repertório de maré, juntamente com a música de trabalho mulher sem razão (que já me agradava desde o burguesia do cazuza), uma faixa chamada um dia desses, do "poeta suicida" com um tal de kassin, que é de uma beleza, no mínimo, indiscutível:

de tanto me perder, de andar sem sono
por essa noite sem nenhum destino
por essa noite escura em que abandono
uns sonhos do meu tempo de menino
de tanto não poder mais ter saudade
de tudo o que já tive e já perdi
dona menina, eu me resolvo agora
a ir-me embora pra bem longe daqui.
um dia desses eu me caso com você
você vai ver ai, ai, você vai ver
um dia desses, de manhã, com padre e pompa
você vai ver como eu me caso com você
meu pobre coração não vale nada
anda perdido, não tem solução
mas se você quiser ser minha namorada
vamos tentar não custa nada
até pode dar certo
ai ai
e se não der eu pego um avião, vou pra xangai
e nunca mais eu volto pra te ver.

Torquato Neto
___
ps: no mesmo site, tem o áudio das músicas e da adriana falando de cada uma delas. E quanto ao livro, um dia desses eu leio...

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Pô, tá virando perseguição

Pra quem está mais perdido que um curitibano, tipo assim, mais perdido que ateu em corpus christi, vamos recapitular: curitibano é o mais depressivo, o mais idiota e o mais mesquinho que tem e o que menos faz sexo... e agora o mais perdido. Ou seja, o curitibano é o meu herói, ou melhor, o meu anti-herói, no sentido apolíneo-dionisíaco nietzschiano do herói trágico... é, esquece, o que estou querendo dizer é que, graças ao estereótipo do curitibano, posso sublimar minhas derrotas a tal ponto de me orgulhar dos meus defeitos e, assim, ser um perdedor feliz! Sim, porque o curitibano é praticamente um personagem do Dostoievski, isto é, um desgraçado, um pobre-diabo, um idiota. Resta aguardar cenas dos próximos capítulos, quem sabe algo como curitibano é o que tem o menor pinto, que tal? Enfim, Curitiba é isso aí, só não vale elogiar!

sábado, 13 de dezembro de 2008

Amor

Só o amor é real. Amar é como estar preso do lado de fora do espelho, é como estar embaixo do céu, é como o projétil que se submete às leis de Newton: não amar seria como pisar sem os pés. Mas a dialética do amor nos faz odiar: odiamos então. Como se quiséssemos provar ao amor como somos fortes. E gritamos no ouvido do amor que nos deixe e que nos deixe e que não volte, mas então nos pegamos gritando com nosso próprio reflexo. E então jogamos, enfurecidos, o espelho no chão: o amor nos olha, irônico, através dos cacos. E quanto mais odiamos, mais nos sentimos do lado de fora do espelho, mais nos descobrimos reais. E quando uma mão toca a outra e o cérebro diz: uma mão toca a outra – isso é amor. E quando vemos uma mosca doida na teia da aranha e o cérebro diz: mosca doida – pois isso é amor! Por isso amamos com tanta violência, porque amamos pelo mesmo motivo pelo qual o fogo queima, pelo mesmo motivo pelo qual a turbina do avião se põe em movimento. Por isso amamos – com o descontrole de quem ri de uma piada. E quanto mais nos proíbem de rir, mais a risada nos oprime o peito, até que nos pegamos às gargalhadas no meio de uma catedral basílica, e nos olham como se perguntassem: por quê? Mas nós respondemos: não seria por que é proibido? Pois pela mesma razão amamos! Porque o próprio amor, em sua pureza, nos proíbe de amar. Não obstante, prendemos o amor em nossas mãos: e quando abrimos não há nada. Não importa: o importante foi que os ossos da mão se fecharam sobre si mesmos, o importante foi que, na expectativa de ver o que havia na mão, nossos olhos brilharam, e os olhos de todos os que estavam à nossa volta brilharam, mesmo que não houvesse mais nada na mão, e nos chamassem de mentirosos. Pois sim, respondemos, não é mesmo que só há mentira se houver verdade? Por isso a mão vazia denuncia o amor, tanto que deve estar vazia para poder mostrá-lo. É fato: só o amor é real. Um pastor que, de terno e cabelos penteados, prega para a igreja vazia denuncia o amor, pois ele está de olhos fechados e pouco importa que a igreja esteja vazia, porque o amor corria tão feroz nas suas veias que ele sentiu necessidade de amar a Deus, que ele sentiu necessidade de apertar os olhos e gritar, gritar! Para que Deus o ouvisse e aceitasse o seu amor violento. Mas Deus está preso no espelho. E no entanto o pastor submete os seus gritos às leis do som, e o eco nas paredes lhe denuncia o próprio amor, como se de repente as paredes fossem espelhos e os ouvidos fossem olhos. E então ele sorri porque a igreja está cheia, está cheia de homens de terno e cabelos penteados. E com os olhos fechados, porque ele está vendo com os ouvidos, como os morcegos. E assim ele consegue encher a igreja de uma única e mesma essência feita dele mesmo, porque ele encheu a igreja de amor: e pelo mesmo motivo porque as águas enchem os rios, porque só o amor é real.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Quando Nietzsche chorou


Só sei que, se Nietzsche estivesse vivo, ele estaria puto, afinal ele odiava o São Paulo! Basta dar uma lida no Anticristo pra ver. Bah... isso é o que dá não entender de futebol.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

CANÇÃO DO AMOR IMPOSSÍVEL

Como não te perderia
se te amei perdidamente
se em teus lábios eu sorvia
néctar quando sorrias
se quando estavas presente
era eu que não me achava
e quando tu não estavas
eu também ficava ausente
se eras minha fantasia
elevada a poesia
se nasceste em meu poente
como não te perderia

Antonio Cicero

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Citakant

"Fontenelle diz: Diante de um nobre eu me curvo, mas meu espírito não se curva. Eu posso acrescentar: diante de um homem humilde e cidadão-comum, no qual percebo uma integridade de caráter numa medida tal como não sou consciente em relação a mim mesmo, meu espírito se curva, quer eu queira, quer não, e ainda mantendo a cabeça erguida a ponto de não lhe deixar despercebida minha preeminência". (Kant, Crítica da razão prática)
***
"Não descobriu às vezes todo homem, mesmo o apenas medianamente honesto, que ele deixou de praticar uma mentira, afora isso inofensiva, pela qual ele ou podia livrar-se de um negócio incômodo ou até ser útil a um amigo querido e benemérito, simplesmente para não precisar desprezar-se secretamente ante seus próprios olhos? Um homem honrado, na máxima desgraça da vida, que ele teria podido evitar desde que não se importasse com o dever, não mantém ainda a consciência de que ele, não obstante, preservou e honrou em sua pessoa a dignidade da humanidade, que ele não tem de envergonhar-se ante si mesmo nem tem razão para temer o escrutínio interno do auto-exame? Este consolo não é felicidade e tampouco a mínima parte dela. Pois ninguém desejará a ocasião para isso, e talvez nem mesmo uma vida em tais circunstâncias. Mas ele vive e não pode suportar ser a seus próprios olhos indigno da vida. Portanto esta tranqüilização interna é meramente negativa em relação a tudo o que possa tornar a vida agradável; (...) Ela é o efeito de um respeito por algo totalmente diverso da vida, em comparação e contraposição com o qual a vida, muito antes, com todo o seu agrado, não tem absolutamente valor algum. Ele só vive ainda por dever e não porque encontra na vida o mínimo gosto". (Idem, ibid.)

domingo, 19 de outubro de 2008

Você diz

Pouco me importam, você diz
As suas manias, suas opiniões
Seu jeito torto de estar no mundo
Pouco me importa
Sua ética profissional
Seu ateísmo metodológico
Sua consciência de classe
Por que haveria de me importar?
Sua opção preferencial pelos pobres
Seus ataques apaixonados
Seu humanismo barato
Seu voto em branco
Sua voz alterada
Pouco me importa a sua solidão
O seu som, a sua fúria
E esta pressa de viver
Pouco se me dá
O seu disco do Belchior
O seu livro preferido
Sua crise existencial
A sua falsa modéstia
Sua timidez, pouco me importa
A sua pena de si mesmo
Suas mágoas, remorsos
As suas próprias razões
Ou em quantas línguas
Você sabe dizer eu te amo
Porque, baby, I don't care.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Eu não gosto de Deus

A postagem de "Igreja" de Nando Reis no blog de Antonio Cicero acabou por gerar comentários sobre tolerância e intolerância. Alguém acusou a letra de intolerante. Depois, alguém comentou: "você não concorda comigo que a maior vítima da intolerância hoje em dia é o atéismo? O teísta vê o ateísta, quando não como um inimigo 'mais profundo', de um modo mais sutil e talvez perigoso, com incredulidade, sem dar crédito à própria convicção do ateu, como aquele comentário mais prosaico ilustra: 'ah, você diz que é ateu, mas, na hora do aperto, reza escondido...'" (Comentário prosaico, aliás, que encontramos em Montaigne, sobre o ateu: "uma boa estocada no peito e ei-lo de mãos postas a implorar o céu"). Em resposta, o próprio Antonio Cicero arrematou com uma pesquisa: "Sim, acho que o ateu é vítima de intolerância. Em 1999 o Instituto de Pesquisas Gallup, nos Estados Unidos, perguntou se as pessoas estariam dispostas a votar numa pessoa altamente qualificada que fosse mulher (95% disseram que sim); católica (94% de sim); judia (92% de sim); preta (92% de sim); homossexual (79% de sim); atéia (49% de sim)". E isso para ficarmos só com as estatísticas... Essa discussão me lembra ainda um excerto de Clarice Lispector que diz algo como "Alguém me disse: eu te trocaria por Deus... Eu entendo esta pessoa". Em todo caso, um pouco de ódio faz sempre bem pra alma. Às vezes acho que a melhor parte de ser ateu é ser odiado, como nos assevera Mersault no fim d'O Estrangeiro: "Para que tudo se consumasse, para que me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muitos espectadores no dia da minha execução e que me recebessem com gritos de ódio". E àqueles que insistirem em atestar: "ó não, mas eu não te odeio", respondo com as palavras de Nietzsche: "Como quereríeis ser justo para comigo? - assim é que lhes devia falar. - Eu elegi para meu destino a vossa injustiça".

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Entrevista com Rodrigo Madeira

"Quando escrevi 'bilhete'*, do livro 'sol sem pálpebras', por sinal o último poema do livro, algumas pessoas (basicamente as pouquíssimas que leram o livro) acharam que eu estava meio que anunciando um suicídio. Pode ser, é uma possibilidade. Há sempre em nós alguém que anuncia um suicídio".
trecho de entrevista com Rodrigo Madeira,
no blog chaparasborboletas
*bilhete

escrevi um verso
um poema
um livro
.
e daí?
.
se a esquadria do que escrevo
não me segura
o esqueleto de água
.
se vou morrer
se vais morrer
se vai morrer a língua
em que escrevo
se vai morrer o país
que fala minha língua
e todas as linguas de todos
os países que falam
.
por que esta teimosia
de escrever?
.
por que não deixar
o passado fedendo
o futuro mentindo
impunemente
o presente apenas
o que já vai deixando de ser
.
escrevo como quem
vive e não vai viver
.
não como quem
à visitação pública
em terras de amanhã
se enraíza e flora
.
eu escrevo não para ficar,
meu amor,
.
escrevo para ir embora
Rodrigo Madeira

sábado, 11 de outubro de 2008

Dias úteis

Há quanto tempo tudo deixou de fazer sentido? Há quanto tempo é tão difícil levantar de manhã? Você se senta sobre a cama e olha os pés, o sol entra pela janela, você está só no seu quarto, com todos os seus anos de idade, não importa o que você fez ao longo desses anos: eles passaram. Não importam os prêmios que você ganhou: você está só, e o sol bate em seu corpo. Quem lhe deu os parabéns entrou no carro sorrindo e se esqueceu de você. Você sempre esteve só, e você sabe disso. Outros virão, apertarão a sua mão, mas na manhã seguinte o sol baterá de novo em sua cara. Há quanto tempo tudo perdeu o sentido? E no entanto você anda pelas ruas, e no entanto você entra nas bibliotecas, e sai das bibliotecas, e toma sempre aquele ônibus. E no entanto você entra sozinho nos cinemas, e sai sozinho: e as ruas já estão escuras. E você sabe que na manhã seguinte a luz do sol arderá de novo em seu rosto. E você tapará o rosto com as mãos, porque não haverá nada mais a fazer a não ser tapar o rosto com as mãos.

domingo, 5 de outubro de 2008

Réquiem para Chorão



- Se não eu, quem vai fazer você feliz? Se não eu, quem vai fazer você feliz?

- Ué, meu namorado, oras!

sábado, 4 de outubro de 2008

Revelação divina do Inferno

O demônio veio até mim e me disse:
- Olha esses homens, como têm medo de mim
E no entanto eu não tenho feito
Senão andar por aí
E mirar o olhar dos mendigos
Antes de morrerem de frio
Eu que, ao lado de Deus,
Vi os loucos serem recolhidos à bastilha
E os homossexuais serem torturados
Eu que quando vi Maiakovski e Sylvia Plath se matarem
Apertei a mão de Deus em silêncio
Eu que trago este ar sombrio
Que põe os psiquiatras em pânico
No entanto não sou mau
A não ser na frieza que trago no olhar
Vivendo entre os homens
Nunca os induzi ao mau
Mais que o Destino
Não tenho feito senão
Acompanhar a rotina dos bêbados
E sentir com eles o vômito emergir à garganta
Ou, em outras praias,
Sentir na língua dos namorados
O LSD que derrete no beijo
Eu que sou o filho mais novo de toda beata
E o recepcionista de igrejas e hospícios
Ah! Eu nem sempre fui tão frio

No início de tudo, eu vi Deus
Pôr elétrons pra girar em torno dos núcleos
E até lhe ajudei
A pôr os planetas em torno de estrelas
E assim nós dois, juntos,
Fizemos os átomos e os sistemas solares
E eu me lembro bem quando Deus me disse:
- Deste núcleo se fará ainda uma bomba!
E havia brilho nos seus olhos.
E vi, assustado, Deus em fúria me dizer:
- Vê estes planetas? Vão se chocar entre si.
E Deus riu um riso mau.
E me olhou com indiferença antes de dizer:
- Colocarei animais neste planeta aqui
E farei alguns pensar que são grandes e inteligentes
E encherei seus peitos de vaidade
E sairão lutando um contra o outro
Alguns perderão o juizo
E sairão cantando nas ruas

E em dizendo isso
Deus me olhou como quem volta a si e disse:
- Não se assuste, meu velho!
Colocaremos neles, eu e você,
Alguma esperança e medo
Pra que arrastem suas existências
Movidos por qualquer lógica
E poderemos, nós os dois,
Ver o desespero surgir dentro deles
E a lágrima verter em seus olhos
E talvez nos causem pena
E ainda assistiremos
- nós dois, meu chapa! -
Seus corpos crescendo sobre a terra
Definhando de desejo por outros corpos
E veremos nos seus olhos débeis
O brilho da angústia!
E os anjos assistirão conosco.

domingo, 21 de setembro de 2008

Citação

O luar quando bate na relva
Não sei que cousas me lembra...
Lembra-me a voz da criada velha
Contando-me contos de fadas
E de como Nossa Senhora vestida de mendiga
Andava à noite nas estradas
Socorrendo as crianças maltratadas...

Se eu já não posso crer que isso é verdade,
Para que bate o luar na relva?

Alberto Caeiro, O Guardador de rebanhos, XIX

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Água Perrier (Adriana Calcanhotto): ilustrando

Não quero mudar você









nem mostrar novos mundos














pois eu, meu amor, acho graça até mesmo em clichês.
















Adoro esse olhar blasé
















que não só já viu quase tudo











mas acha tudo tão déjà vu mesmo antes de ver.

















Só proponho
alimentar seu tédio.










Para tanto, exponho
a minha admiração.
















Você em troca cede o
seu olhar sem sonhos












à minha contemplação:
















aí eu componho uma nova canção









Adoro, sei lá por que, esse olhar
meio escudo:














...que em vez de meu álcool forte pede água Perrier, que em vez de qualquer álcool forte pede água Perrier, que não quer o meu álcool forte e sim água Perrier
___

___
Água Perrier, poema de Antonio Cicero,
musicado por Adriana Calcanhotto...
Ilustrado por este que escreve.

Conversas



"Nunca case com mulheres que dizem coisas do tipo 'Merleau-Ponty tinha razão' na cama"




___
Luis Fernando Veríssimo

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Partícula de Deus!?!

queremos saber
o que vão fazer
com as novas invenções
queremos notícia mais séria
sobre a descoberta da antimatéria
e suas implicações
na emancipação do homem
Gilberto Gil



Menino Deus,
quando a flor do teu sexo
Abrir as pétalas para o universo
E então, por um lapso,
se encontrará nexo
Ligando os breus, dando sentido aos mundos
Caetano Veloso
___
O que seria isso!? Mais uma espécie de sensacionalismo científico? Kant diria: cosmologia racional pra cima de moi? Confesso que estou com um par de trocadilhos na ponta da língua, mas a melhor que ouvi até agora foi que a antimatéria é um conceito que remonta a Hegel. A bem da verdade, parece que neste momento todas as acepções para os buracos negros, a partícula de Deus e a antimatéria me agradam, menos as acepções corretas, até porque seria uma castração à imaginação coletiva, último refúgio do leigo que chega em casa cansado e liga a tv no jornal da globo enquanto tira os sapatos, informação indispensável aos dentistas e taxistas que procuram estar por dentro de um assunto em comum com seu cliente, enfim, o "suspiro da criatura oprimida, coração de um mundo sem coração, espírito de uma situação sem espírito" (Marx). Em todo caso, eu fico com os tropicalistas! E a todos, aquele abraço!
___
ps: sobre isso, vale também dar um pulo lá no urbanóide iluminado.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Psicanálise e Educação Especial

...É por isso que fácil e inadvertidamente deslizamos para refúgios técnicos, baseados num discurso impecável, científico, mas que desconhece a subjetividade de quem temos diante dos olhos. Precisamente porque tal subjetividade, a do deficiente mental, nos fere no mais íntimo e primitivo de nossos temores infantis: o de sermos abandonados, execrados e desprezados para sempre. Por isto, muitas vezes fazemos esforços para não ser confundidos com aqueles que educamos. Posição orgulhosa de nossa inteligência, porém no fundo inspirada no temor de perdê-la, no horror de que não seja reconhecida... (Alfredo Jerusalinski, Psicanálise e Deficiência Mental, in: Psicanálise e Desenvolvimento Infantil)

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Descartes (2)

"Digo que COGITO ERGO SUM não tem nenhum sentido, porque esta curta palavra SUM não tem sentido algum. Ninguém tem, nem pode ter, a idéia, ou a necessidade, de afirmar: EXISTO, a menos que seja tomada por morta e tenha que protestar contra isso. E ainda assim, diria: Estou vivo. Mas seria suficiente um grito ou o menor movimento. Não: EXISTO nada pode ensinar a ninguém nem responde a qualquer questão inteligível..." (Paul Valéry)


(Descartes, em retrato de Jan Baptist Weenix, onde se lê, a pedido do próprio filósofo: monde est fable, que quer dizer: o mundo é fábula)


"...conceber o pensamento como consciência significa comprometer-se ao menos com a tese de que todo modo de pensamento tem a forma do Eu penso que p." (Lia Levy, que prossegue em nota de rodapé: "Associo-me, pois, oficialmente, à turma dos 'p que p', termo gentilmente cunhado por Bento Prado Neto, segundo reza a lenda, em oposição aos 'odara'...")*

*se alguém entendeu a segunda parte desta piada acadêmica, deixe um comentário explicando e faça um pseudo-intelectual feliz: o que são os odara? E pra fechar, deixo-lhes aqui uma charge:


domingo, 3 de agosto de 2008

Tirando a cutícula (ou Édipo revisitado)

- Fala, mulher! O pé também ou vai fazer só a mão mesmo?
- Só a mão, de rosa.
- E aí, que que conta de novo?
- Ah, agora só tô curtindo meu amorzinho.
- Ah é? Me conta, quanto tempo já?
- Vai fazer oito meses.
- E é bonito ele?
- Menina, um gato. Uns olhões azuis! Não, e hoje: fui levantar para sair, quase que derrubo ele da cama, ele só me olhou...
- Vocês tão dormindo juntos?
- Sim, prefiro não deixar ele sozinho, melhor não arriscar. Já esses dias ele saiu com minha irmã, eu fiquei me mordendo de ciúmes, mas deixei.
- Moderna você, hem?
- Tem que ser, né? Mas esse Paulo Sérgio me apronta cada uma. Menina do céu, ainda ontem ele queria porque queria meu peito, tá, tudo bem, dei o esquerdo pra ele. O safado meteu os dentes, tá doendo até agora.
- Nossa, que selvagem!
- É, mas eu tô cortando as regalias dele, faz um mês que eu parei com a chupeta, ele só pensava nisso!
- Nem me fale, homem é tudo igual mesmo!
- Isso não é nada, imagine quando começar a andar!

quinta-feira, 24 de julho de 2008

O silêncio dos intelectuais

Você viu? Você viu como ela esticou o pescoço pro teu lado? Assim, toda delicada, feminina, quis talvez desmaiar nos teus braços, mas pelo jeito olhou pros teus músculos contraídos, tua fraqueza ridícula, e preferiu não cair, pois você a derrubaria no chão, você soltaria seu corpo debilmente, como quem deixa escorrer um fio de baba. Você não foi homem, estremeceu, deixou cair os copos no chão, quebrou tudo na frente dela, sujou a roupa dela, e não foi nem capaz de lhe emprestar o teu casaco, pra que ela não sentisse tanto frio ao toque do vento na blusa molhada. Não, meu caro, você foi fraco, fez tudo errado, há tempos você faz tudo errado, o coração da gente não se pode dar, é um só, e é de vidro também, como os copos que você quebrou. Você lembra? Você lembra quando ela disse: sinto um vazio aqui dentro? Você não podia ter dito: eu também. Não, você devia ter virado o rosto por um momento e fitado o pôr-do-sol, em silêncio, ela ia entender, ela ia entender que você também se sente só, e que tua força maior vem desta solidão de fitar o sol, como quem olha olhos nos olhos de Deus, com vago remorso. Mas você vacilou, você olhou pro chão, e no chão só tinha os copos que você mesmo quebrou e que você olhava com arrependimento, como o assassino olha pra vítima, você se entregou. Ela precisava de você, mas não como cúmplice, ela não queria o teu cadáver, teu esqueleto de vidro, ela só precisava de você pra segurar-lhe o cabelo enquanto ela coloca o brinco, mas ela sabia que você acabaria machucando o pescoço dela, ou banharia a orelha dela em sangue com essas tuas mãos de gorila, você ainda seria capaz de quebrar as taças também com essas mãos e elas nem sangrariam, tão calejadas, tão cheias de veias azuis, porém mortas, como se o sangue estivesse todo no teu rosto na hora em que ela perguntou: em que está pensando? Você pensava nos crimes, no doce que você roubou da criança, lembra? Você deixou a criança chorando na beira da praia, deixou que uma criança fosse maior que você, porque você não entende nada de ética, nem de estética. Quando ela lhe pediu pra acender o cigarro, você lhe queimou os cílios, ainda bem que ela tinha os olhos rasos d'água e apagou a chama num piscar de olhos. Sim, a chama se apagou, você deve parar de ouvir vozes e olhar apenas o que descansa embaixo do sol. Seja um bom animal da próxima vez, se houver próxima vez, não posso lhe dizer mais nada, não me pergunte nada, seja um bom garoto e não derrube os copos, lembre-se: ela não te quer como cúmplice, mas como amigo, um bom amigo, um amigo forte, capaz de viver sem ela, sem mulher alguma se for preciso, mas que não tenha medo de digladiar com Deus ou mesmo de apenas tocar-lhe o ombro, se ela precisar, só se ela precisar.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

O mundo é grande

Entrelinhas

________________________________________
Antigamente eu achava que ficava em silêncio por timidez.
Hoje eu sei que é apenas por não ter o que dizer.
_______________________________
Antigamente eu achava que sofria de insônia.
Hoje eu sei que é apenas medo
de dormir e não acordar.
____________________________________
Antigamente eu achava que tinha dores musculares.
Hoje eu sei que é meu próprio anjo da guarda
que me atinge com um taco de beisebol.

(Otávio)

PS: Insônia mata? então talvez eu morra logo, mas já troquei meu travesseiro por um que preenche o espaço do ombro até a cabeça, então talvez eu não morra. Acontece que esta noite eu tive uns três pequenos sonos isolados, dormia uma meia-hora e ficava com os olhos abertos no escuro mais umas três horas, de um lado pro outro, os pés pra fora por causa do calor, sem falar que eu estava muito, muito cansado, então de manhãzinha começou a chover e eu dormi algumas horas seguidas, quando acordei parecia que tinha saído de uma maratona ou de uma luta (e o pior é que eu perdi, eu perco todas). E assim de post scriptum em post scriptum eu vou fazendo meu diário, porque no fundo eu sou piegas mesmo, mas acho que com este travesseiro e menos café tudo se ajeita.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Aula de Matemática

p/ Dalton Trevisan, o velho vampiro de ctba


A aluna reclama do professor de matemática:
- Eu não consigo prestar atenção nas aulas de matemática, o professor tem uma cicatriz aqui no pescoço, aí quando ele vai sem gola alta parece que aquilo tá vivo. Dá até um troço.

(Otávio, no ônibus)

De Schopenhauer aos Anônimos

"Rousseau já disse: 'todo homem honesto deve assinar os livros que publica', e proposições afirmativas gerais podem ser invertidas por contraposição. A afirm..." [opa, espera aí, entendeu? Acho que ele está dizendo que todo aquele que assina deve, também, ser honesto, vamos em frente:] "A afirmação vale mais ainda para os escritos polêmicos [...] A liberdade de imprensa que foi finalmente alcançada na Alemanha, para em seguida sofrer o abuso mais indigno, deveria pelo menos ser condicionada por uma proibição de todo e qualquer anonimato e do uso de pseudônimos. [...] Usar o anonimato para atacar pessoas que não escreveram anonimamente é evidentemente desonroso. Um crítico anônimo é um sujeito que não quer assumir o que diz ou o que deixa de dizer ao mundo acerca dos outros e dos seus trabalhos, por isso não assina. [...] Não há mentira que seja tão insolente a ponto de impedir um crítico anônimo de usá-la: de fato, ele não é responsável. [...] Por isso, a cada vez que se faz referência a um crítico anônimo, mesmo que seja de passagem e sem reprovações, deveriam ser empregados epítetos como: 'O canalha covarde e anônimo diz' ou 'O patife anônimo disfarçado diz naquele jornal', entre outros. Esse é, de fato, o tom razoável e apropriado para falar de tais camaradas [...] uma pessoa assim é ipso facto um fora-da-lei. Ele é o Sr. Ninguém, e qualquer um tem a liberdade de explicar que o Mr. Nobody é um patife. Por isso, especialmente nas respostas às críticas, os críticos anônimos devem ser tratados com termos como 'patife' e 'canalha', em vez de recorrer, como fazem por covardia alguns autores contaminados pela corja, a tratamentos como 'o prezado Senhor Crítico'. [...] E quando alguém conseguir o mérito de arrancar o capuz de um destes camaradas, depois de ele ter sido posto na berlinda, e arrastá-lo pelas orelhas na frente de todos, tal criatura notívaga despertará grande júbilo à luz do dia. [...] Uma impertinência especialmente ridícula da parte de tais críticos anônimos é o fato de eles, como os reis, falarem usando o 'nós', quando deveriam usar não só o singular, mas até o diminutivo..." [...]
(SCHOPENHAUER, A. A arte de escrever. Porto Alegre: L&PM, 2006)

- Garçon, um Schop! Estúpido!

domingo, 20 de julho de 2008

Descartes

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação,
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Manuel Bandeira

"...nada sou, pois, falando precisamente, senão uma coisa que pensa, isto é, um espírito, um entendimento ou uma razão (...) Eu não sou essa reunião de membros que se chama o corpo humano, não sou um ar tênue e penetrante, disseminado por todos esses membros; não sou um vento, um sopro, um vapor, nem algo que posso fingir e imaginar, posto que supus que tudo isso não era nada..." (Descartes, Meditações)

Gassendi fez a seguinte objeção:

"Dizei-me, eu vos peço, ó alma, ou o que quer que sejais, corrigistes até aqui este pensamento pelo qual vos imaginais ser algo semelhante ao vento ou a qualquer outro corpo desta natureza, espalhado em todas as partes de vosso corpo? Certamente não..."

Descartes respondeu o seguinte:

"Começais por uma figura de retórica bastante agradável que se chama prosopopéia, a me interrogar, não mais como um homem inteiro, mas como uma alma separada do corpo; (...) Dizei-me, portanto, suplico-vos, ó carne, ou quem quer que sejais, e qualquer que seja o nome pelo qual desejais ser chamado, tendes tão pouco comércio com o espírito que não pudestes notar a passagem em que corrigi esta imaginação do vulgo pela qual fingimos que a coisa que pensa é semelhante ao vento ou a algum outro corpo desta espécie?"

E mais adiante...

"o que aqui alegais, ó boníssima carne, não me parece tanto objeções quanto algumas murmurações que não têm necessidade de réplica"

E ainda...

"E não vejo, ó carne, sobre qual argumento vos fundais para assegurar com tanta certeza que um cão discerne e julga da mesma maneira do que nós, a não ser que, vendo que é também composto de carne, vós vos persuadais de que as mesmas coisas que se acham em vós encontram-se também nele"

Dercy Gonçalves morreu



Como disse uma amiga:

droga isso quer dizer que não somos imortais

sábado, 19 de julho de 2008

Poema engajado nº3

how many times can a man turn his head,
and pretend that he just doesn't see?
Bob Dylan

No século XXI
Depois do Holocausto
Da bomba atômica
Das pequenas misérias
de cada um
E da mulher leprosa
Que amamenta sangue
Chega a ser ridículo
Acreditar em Deus

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Vamos comer Caetano

não tenho inveja da maternidade
nem da lactação
não tenho inveja da adiposidade
nem da menstruação


só tenho inveja da longevidade
e dos orgasmos múltiplos
e dos orgasmos múltiplos

eu sou homem...
(homem - caetano veloso)

quarta-feira, 16 de julho de 2008

quarta-feira, 9 de julho de 2008

quinta-feira, 10 de julho de 2008, 1:30 da manhã

Excursion into philosophy, E. Hopper
"En un soliloquio, 'yo' tiene sentido en la medida en que está presente el 'otro' como un interlocutor possible, en la memoria, espectativa o imaginación de quien habla. Un autor, en soledad, puede escribir 'yo' con sentido, porque tiene en mente algúno destinatario, real o ficticio; y en la íntima meditación puedo llamarme 'yo' cuando me embarco en algún diálogo ficticio, con mi 'alma', mi 'conciencia' o mi 'Dios'." L. Villoro
 
Sou uma criança. Basta olhar nos meus olhos e ver esta angústia bondosa que só as crianças têm, esta angústia calma de quem jamais mataria a menos que lhe mandassem, a menos que lhe pedissem. Lembro-me que quando era pequeno, perguntavam: você quer este ou este? E eu nada dizia. Eu era - e sou - uma criança, muito desesperada, no fundo de uma sala de aula. 22! Presente. Presente? Talvez. No fundo. Abandonada. Há apenas o som seco da bola explodindo na quadra de vôlei, a torcida distante, ou só o eco, o som agudo dos tênis novos na cancha de futsal, comemorações surdas. É uma escola velha, no meio do nada, a estrada de chão, um predinho no meio do deserto, uma faixa de tinta a meia altura. O quadro, o quadro nunca foi tão negro. Um vidro quebrado, todos foram embora. Há alguns anos. Há apenas a poeira que um carro levanta. Há alguns anos, todos entraram nos carros de seus pais e se foram, cresceram, pegaram diploma, se casaram. Eu fiquei, no fundo da sala: uma criança. Sozinha. Esquecida. Esperando as tropas americanas.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

QUADERNA

Depois de encontrar uma galera bacana - dentre eles o Pozzo e a Iriene, os quais aproveito para saudar - e beber umas quatro cervejas na apresentação do porão loquax no wonka bar, um poema do paranaense rodrigo garcia lopes, recitado pelo próprio, me marcou como poucos poemas conseguem marcar: Quaderna, que por sorte achei publicado lá na Revista Zunái. Salve! Salve!

Quatro pontos cardeais
Quatro estações do ano
Quatro cantos num cubo
Quatro laterais de um campo
Quatro trevos que descubro
Quatro lados da moldura
Quatro elementos na natura
Quatro pontas de uma estrela
Quatro balas de alcaçuz
Quatro pontas num compasso
Quatro horas da manhã
Quatro rodas num carro
Quatro sementes de romã
Quatro sinais da cruz
Quatro mundos por segundo
Quatro quartos numa casa
Quatro pernas de uma mesa
Quatro pessoas numa mesma
Quatro pássaros sem asas
Quatro brilhos nesta espuma

Mas só uma vida, só uma.

Rodrigo Garcia Lopes

sábado, 28 de junho de 2008

auto-ajuda americana: modo de ler

Sempre gostei de escritores cínicos e/ou irônicos, desde um Luis Fernando Veríssimo, em que fica bem claro o que é ironia e que não passa de ironia, até um Dalton Trevisan, em que o cinismo toma proporções tais que certas pessoas são capazes de tomá-lo literalmente. Rubem Fonseca seria um meio-termo entre eles. Mas neste assunto o melhor do mundo - do mundo - é sem dúvida o machadão, como quando em Esaú e Jacó o conselheiro Aires diz que, como não tem nenhuma religião, de certa forma aceita a todas da mesma maneira. Vale lembrar que Machado morreu se recusando a receber a visita de um padre que queria lhe dar a unção dos enfermos.
Mas toda esta turma está correndo sérios riscos, pois está se formando uma séria concorrência de uma galera aí do norte, destes livros que sempre começam com números: 7 leis para ser feliz, 10 caminhos para fazer sucesso, 7 sacramentos da felicidade, 5 mandamentos dos pais, 8 dicas para ser um bom cunhado, porque as mulheres têm voz fina e os homens falam grosso etc. Quando você vai olhar a orelha, está dizendo que o cara é filósofo! Quer dizer que o século 21 está cheio de novos Sócrates! Talvez eles até tenham passado por uma faculdade de filosofia na califórnia ou em boston, arranhando um Dewey ou um Adam Smith e fazendo do dever kantiano o emblema do puritanismo white anglosaxonic protestant, mas eu faria questão de falar bem baixinho numa destas orelhas que a filosofia é o único curso em que, quando você se forma, não é nada! Filósofo? Tudo bem, pode até ser, o assunto aqui é mesmo a ironia, não é?
Certa vez um amigo disse que, assim que se formasse, escreveria um livro chamado "Como ganhar dinheiro escrevendo livros de auto-ajuda", um livro, dizia ele, típico de filósofo frustrado. Mas eu acho que a concorrência, mais do que na filosofia, está mesmo é no humor. Estes dias peguei um livro, que meu pai me obrigou a ler, chamado "Os segredos da mente milionária" e posso dizer que me diverti muito, parte dos capítulos era destinada a uma espécie de apologia da riqueza, mediante a crítica do preconceito que a "mente pobre" tem dos ricos, eu realmente dei umas boas risadas, e muito sinceras, que fizeram diminuir o meu Veríssimo na estante. Percebi que há algo a ser aproveitado em toda esta sub-literatura, ou melhor, que ela é perfeita. Basta escrever um prefácio deixando claro que se trata de uma caricatura e, como num passe de mágica, todo o conteúdo passaria, sem mudar uma linha sequer, de auto-ajuda para paródia da mesma.
Sem essa de que auto-ajuda americana é sub-literatura, ela é, na verdade, algo tão sutil que traz em si a própria paródia, são livros auto-depreciativos por excelência, um neo-kafkianismo, as pessoas é que os lêem de forma errada, ipsis litteris, basta uma mudança de point of view e voilà! Temos o melhor humor que já se produziu em todos o tempos, envolvido na mais fina sutileza, longe de qualquer ironia grosseira, de quaisquer críticas cheias de remorso, pois a melhor forma de falar mal de alguma coisa é amando esta coisa, só assim este falar-mal é completamente imparcial. E, então, poderíamos dizer: quem diria! um escritor tão medíocre era, na verdade, uma revelação do humorismo!

quarta-feira, 25 de junho de 2008

4 ou 5 (ou meia-dúzia?) coisas inúteis q sei de cor

p/ Ana Carolina, querida amiga virtual
por quem alimento grande simpatia*


1. as preposições;
2. contar até 10 em japonês;
3. rezar o pai-nosso e a ave-maria em ucraniano;
4. cantar eduardo e mônica e faroeste caboclo (o que não é tão inútil, pois é bom em acampamentos);
5. o alfabeto grego;
6. e a bíblia (na verdade, esta última eu não sei de cor: é apenas inútil).

Apesar de inútil (ainda que não mais do que a vida), dá pra encontrar alguma utilidade nisso tudo. Por exemplo, afastar os pedantes: quando aquele primo chato chega se exibindo porque aprendeu a tocar jesus, a alegria dos homens ou a nona sinfonia no teclado que ganhou da avó no natal, você pega e declama o alfabeto de alfa a ômega (ainda que não saiba nenhuma palavra em grego, afora um êidos ou uma ousía e ainda assim transliterados). Aliás, mais do que pedantes, dá pra afastar a companhia, igualmente indesejada, de intelectuais: se o cara chegar se gabando, só porque obteve a livre-docência defendendo tese sobre as lógicas bi-modais do tempo ou o Tractatus de Wittgenstein, você logo revida - e daí? Eu sei rezar o pai-nosso e a ave-maria em ucraniano! Mas a principal utilidade, última na ordem mas não na importância, é elevar a auto-estima em meio a momentos de extrema depressão. Quando dá aquela vontade de se matar, sempre penso: não posso morrer, o que seria do mundo sem alguém que sabe as preposições de a a trás!


*a título de meme


ps: a gente escreve livro e não consegue publicar... nós é inútil!

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Citação*

*do poema solidão doméstica, de josé luis peixoto:

(...) Se eu escrever um poema
esse não é motivo para te importunar
eu escrevo muitos poemas
e tu trabalhas de manhã cedo
toda gente sabe que a noite é longa
não tenho o direito de telefonar
para te dizer isso
apesar desta evidência

me matar agora
e morro
mas não morro
se morresse perguntavas:
por que não telefonaste?
se telefonasse, perguntavas:
sabes que horas são? (...)

terça-feira, 10 de junho de 2008

Repercussões da obrigatoriedade

Desta vez foi no biarticulado, meu dia não tinha sido dos melhores, um bando de estranhos se esfregam em mim enquanto eu me crucifico segurando em dois ferros acima de minha cabeça, uma menininha de uniforme, nos seus 15-16 aninhos, indignada, explica à amiguinha que lhe dirige um rosto redondo e irônico cheio de ácne:
- Filosofia é filosofia: filosofia é uma bosta. Sociologia até que é legal...
Neste momento levantei minha cabeça sangrenta aos céus e clamei: Eli, Eli, lammá sabactáni? [Deus meu, Deus meu, por que me abanbonaste?] Isto me remeteu a uma época em que pegava sempre o mesmo horário, e o ônibus parava num ponto, e entrava toda a criançada com a mochilinha da faculdade: Jornalismo - UniEsquina; Direito - UniEscambal... e eu vim uma dessas viagens inteiras ouvindo duas coleguinhas a dizer que o professor de filosofia era chato, feio e bobo. Sem falar que só comia marmelada.
Mas, como diria aquela velha reza popular, a voz do povo é a voz de Deus. Sim, e como diria Luiz Vilela, o homem é uma cagada de Deus.

domingo, 8 de junho de 2008

O existencialismo é um humanismo: zera a reza!



Sartre nosso que estais na estante
Citado seja o vosso nome

Venham a nós os vossos livros
Seja feita a liberdade
Assim no Ser como no Nada

O absurdo nosso de cada dia
Nos dasein hoje

Perdoai-nos as nossas paródias
Assim como nós perdoamos
A quem nos tem par-odiado

E não nos deixeis cair em angústia
Mas livrai-nos da náusea. Amém.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Boas novas

Acabo de abrir um e-mail (aliás, histórico) do núcleo de educação:

02/06/2008 09:13:12
(...)
O presidente da República, em exercício, José Alencar, sanciona nesta segunda-feira, 2, às 16h, no Palácio do Planalto, a lei que torna obrigatório o ensino das disciplinas de sociologia e filosofia nas escolas de ensino médio, públicas e privadas. A lei foi aprovada primeiro na Câmara dos Deputados, onde o projeto começou a tramitar em 2003, e no dia 8 de maio deste ano, no Senado.
Para tornar obrigatório o ensino de sociologia e filosofia no currículo do ensino médio, o Congresso Nacional alterou o artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. A obrigatoriedade, segundo a lei, entra em vigor a partir da sua publicação no Diário Oficial da União. (...)

domingo, 1 de junho de 2008

Oração para Marilyn Monroe*

*Místico e revolucionário ("opta pelo Socialismo e pelo Evangelho. 'Absurdo' talvez para uns... Quem crê de verdade torna-se absurdo facilmente" - Pedro Casaldáliga), considerado pela crítica - segundo o tradutor Paulo de Carvalho Neto - "el más formidable renovador de la poesía latinoamericana después de Neruda", o nicaragüense Ernesto Cardenal é um desses escritores que só conhecemos se nos caem na mão por acaso. Ou não, mas foi assim que achei esta delicada pérola de la poesía latinoamericana. Do fundo do baú:
___
(foto: Norma Jeane Baker)

Senhor
recebe a esta garota conhecida em toda a Terra pelo nome de Marilyn Monroe
embora este não fosse o seu verdadeiro nome
(mas Tu conheces o seu verdadeiro nome, o da órfã violada ao nove anos
e da empregadinha de loja que aos dezesseis tinha querido se matar)
e que agora vem à tua presença sem nenhuma maquilagem
sem a sua Agente de Imprensa
sem fotógrafos e sem assinar autógrafos
tão sozinha como um astronauta diante da noite espacial.

Ela sonhou quando menina que estava nua numa igreja
(segundo a versão do Time)
diante duma multidão prostrada com a cabeça ao chão
e tinha de caminhar devagarinho para não pisar nas cabeças.
Tu conheces os nossos sonhos melhor do que um psiquiatra.
Igreja, casa, cova são a segurança do seio materno
e muito mais do que isso ainda...
As cabeças são os admiradores, é claro
(a massa de cabeças na escuridão por debaixo dos focos de luz)

Mas o templo não são os estúdios da 20th Century-Fox.
O templo - de mármore e ouro - é o templo de seu corpo
em que está o Filho do Homem com um chicote na mão
expulsando os mercadores da 20th Century-Fox
que fizeram de Tua casa de oração um covil de ladrões.

Senhor
neste mundo contaminado de pecados e radioatividade
Tu não culparás somente a uma empregadinha de loja
Que como toda empregadinha de loja sonhou ser estrela de cinema.
E seu sonho foi realidade (mas como a realidade do tecnicolor).
Ela não fez senão representar segundo o script que lhe demos
- O de nossas próprias vidas - E era um script absurdo.
Perdoa-a Senhor e perdoa-nos pela nossa 20th Century
por esta Colossal Superprodução em que todos trabalhamos.
Ela tinha fome de amor e lhe oferecemos tranqüilizantes,
para a tristeza de não ser santos
foi-lhe recomendada a Psicanálise.
Lembra-te Senhor de seu crescente pavor à câmara
e seu ódio à maquilagem - insistindo em maquilar-se em cada cena -
e como foi se fazendo maior o horror
e maior o incumprimento dos horários.

Como toda empregadinha de loja
sonhou ser estrela de cinema.
E sua vida foi irreal como um sonho que um psiquiatra interpreta e arquiva.

Os seus romances foram um beijo com os olhos fechados
que quando no abrir dos olhos descobre-se que foi dado sob os refletores
e apagam os refletores!
e desmontam as paredes da alcova (era um cenário cinematográfico)
enquanto que o diretor vai embora com seu caderno porque a cena já foi filmada.
O mesmo é com uma viagem em iate, um beijo em Cingapura, um baile no Rio
ou uma recepção no palacete do Duque e da Duquesa de Windsor
vistos na TV de um apartamento pobre.

O filme terminou sem o beijo final.
Foi achada morta em sua cama com a mão no telefone.
E os detetives ficaram sem saber a quem ela ia chamar.
Foi
como alguém que marcou o número da única voz amiga
e ouve somente a voz de uma fita que diz: WRONG NUMBER
Ou como alguém que ferido pelos gângsteres
estende a mão sobre um telefone desligado.

Senhor
quem quer que tenha sido aquele que ela ia chamar
e não chamou (e talvez não fosse ninguém
ou fosse Alguém cujo número não está no Catálogo de Los Angeles)
atende Tu ao telefone!
Ernesto Cardenal

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Discutindo religião

Normalmente falo de religião de maneira efusiva, mas agora vou adotar como critério só o que ela contém de tema, quer dizer, meu tema será simplesmente um meta-tema, deixando pra trás meu ateísmo militante em favor de um ateísmo metodológico, portanto serei o mais imparcial possível, se é que isso é possível...
A religião hoje, mais do que outros temas, parece tomar as proporções de um tabu. Tome-se por exemplo o sexo, admito que é um tema bem mais excitante do que religião, mas, como no passado dividia com ela a mesma tensão, acredito que a comparação seja boa.
Apesar de discutido à exaustão, o sexo continua sendo algo proibido para certos horários, idades e ocasiões. Porém, fora destes horários, idades e ocasiões, ele pode VOLTAR a ser tratado com toda a naturalidade. Trata-se, pois, de um resquício de proibição, mas uma proibição puramente EXTERNA.
Quanto à religião, não é difícil perceber que a situação se inverte. Um fantasma ronda o tema, e isto devido, entre outras coisas, ao pluralismo e onipresença da religião, reforçados pela lei da liberdade de crença que, ao invés de diminuir os preconceitos, nos lança em constante estado de guerra fria. Sua proibição não se expressa em classificações, estilo "programa inadequado para evangélicos", nem em rótulos, tipo "produto destinado a esotéricos". De onde vem a proibição? Ela é puramente INTERNA.
Se, por um lado, a sociedade conseguiu se tornar laica, por outro transformou o sagrado em aberração. A religião hoje está no mesmo plano de uma contracultura, assim como os punks, emos etc. Creio que a razão disso é o fato de a secularização ter atingido apenas o âmbito coletivo, social, cobrindo com uma nuvem de poeira o âmbito individual, onde reside a fagulha da religião. Pois, embora se tenha buscado explicações sociológicas para temas como religião e suicídio, suas razões são de viés estritamente filosófico, no máximo psicológico. E ainda que não fossem, é preciso admitir que, de qualquer forma, embora sejam fenômenos TAMBÉM coletivos, são ANTES individuais.
Acredito que isso explique a popularização do sexo em detrimento da religião. Pois, enquanto a religião (ou a falta dela) é, antes de tudo, uma experiência solitária, o sexo é uma experiência coletiva, não estou falando de sexo grupal, ele é uma EXPERIÊNCIA coletiva e não um ATO, e coletiva na medida em que é movido em quase todos pelas mesmas razões e, com raras exceções de orgasmo múltiplo, tem o mesmo efeito para todos, ao contrário da religião. Esta, sendo essencialmente subjetiva, acaba se integrando à nossa personalidade (dizem que a formamos aos vinte, e aos quarenta não a mudamos mais), razão pela qual, por diplomacia, procura-se evitar o tema da religião que, em última instância, soaria como um insulto à própria PESSOA e não à INSTITUIÇÃO.
Mas, se o fato de a religião integrar-se tão estreitamente à pessoa torna o tema, por um lado, proibido, por outro, torna-o de suma importância. Assim o sexo, por sua vez, tendo sido absorvido pelo caráter objetivista da sociedade, sofre o processo inverso da religião, pois, embora seja também de suma importância, acaba sendo banalizado pela repetição dos discursos.
Ora, se é mesmo verdade que a religião está tão presente quanto o sexo, ou até mais, ao ponto de não ser possível permanecer neutro diante dela sem ser chamado de agnóstico, se é assim, então talvez toda discussão sobre religião acabe caindo numa espécie de pornografia da alma, em que se tenta pôr a nu as mais diversas crises existenciais, vividas nas situações mais solitárias, mais ou menos como um adolescente que se masturba no banheiro, às escondidas. E isso tudo acaba sofrendo a censura do objetivismo social. Eis porque, para além da política e do futebol, acho que a religião é tabu.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Entressono

Gosto de estar com sono. Dei pra gostar de muita coisa ultimamente, até de mim andei dando pra gostar, pra doutor psicólogo nenhum botar defeito, tanto que me fiz de moço simples. Fico à noite sem dormir, dou pra inventar de querer saber de ler alguma coisa, já de evitando levantar cedo, que das quatro às seis melhor nem deitar pra não tocar de desmaiar, que quando vê já vem o sol na cara e a dia não rende. Quis dar pra esquecer que sei que devia de dar pra saber, que hoje sem estudo não dá de dá. Entro de à toa no elevador, os números vão piscando, todo mundo olha pra ver acender, ninguém fala mas já sabe que a porta vai fazer abrir pros lados mesmo, até que a gente sai alegre de sono de lá de dentro, dorme a aula inteira, parece que nem devia de fôr. Em casa, aponho logo um dedo de chinelo, que fica embaçado da fumaça do pé, olho no espelho, meio vermelho do olho, dou de piscar que nem elevador, parece que vuô açucar no olho, penso que queria achar de ser simples de nem souber escrever, só pra não dá de ter que ler dando uma de entender, porque no meu tempo fosse tudo simples mesmo, de até ter cara de besta bobo de ficar só parado, se esperando. Só pra ver de rir.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Fonte de inspiração:

Considero esses textos, na maioria, irrelevantes ou mal escritos. Não é modéstia, é constatação. Tenho consciência de que a única coisa que escrevo bem é propaganda. (...) Já quando o negócio é escrever qualquer outra coisa que não seja propaganda, a coisa muda de figura. (...) Sou um leitor voraz, e, quanto mais leio o que os outros escrevem, menos gosto do que eu escrevo. Não precisa ser nenhum Machado de Assis ou Scott Fitzgerald. Qualquer Gay Talese é capaz de ativar o meu complexo de inferioridade. WO

sábado, 17 de maio de 2008

meme?

por ocasião de uma sugestão anacarolinabraguiana, que aliás eu, um cara quadradão, não entendi direito, vou citar a primeira coisa que me ocorreu: uma música de minha profunda estima, do Gonzagão.

Assum Preto (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira)

Tudo em vorta é só beleza, sol de abril e mata em fror

Mas assum preto, cego dos óio, não vendo a luz, ai
Canta de dor
Mas assum preto, cego dos óio, não vendo a luz, ai
Canta de dor

Tarvez por ignorança, por mardade das pió
Furaro os óio, do assum preto, pra ele assim, ai
Cantá mió
Furaro os óio, do assum preto, pra ele assim, ai
Cantá mió

Assum preto veve sorto, mas não pode avoá
Mil veiz a sina, de uma gaiola, desde que o céu, ai
Pudesse oiá
Mil veiz a sina, de uma gaiola, desde que o céu, ai
Pudesse oiá

Assum preto, o meu cantá, é tão triste como o teu
Também robaro, o meu amô, que era a luz, ai
Dos óios meus
Também robaro, o meu amô, que era a luz, ai
Dos óios meus

Citação (Rafael Sica)

sábado, 10 de maio de 2008

Breve Monólogo

- Meu amigo (posso te chamar de amigo? sim? você não se importa?), não tenho sido muito eloqüente, vacilo sempre nas palavras, sabe, parece que estão me olhando lá dentro da alma quando eu falo, aí baixo os olhos pra não ficar tímido, mas me sobe um medo na garganta, começo a duvidar de mim, se as verdades que eu falo não seriam mentiras, houve um tempo em que quis ser escritor, sim, havia um tempo em que eu era mais eu, hoje sou bem menos... Fiz poemas, eram todos de uma tristeza vulgar, a poesia é para os fracos, bem sei, entendo, sim, sei como é, mas não me importo, não temos nada a perder, não é mesmo? Percebi que imitava o ritmo alheio, isso me fazia sentir mais fraco, então queria ser sempre sincero, mas isso também era sinal de fraqueza, depois esbocei um silêncio, como quem não quer nada, só para ouvir um som distante, franzindo a testa, e os minutos seguintes se gastavam na interpretação daquele som que a gente não sabe de onde vem, mas o silêncio me acusava igual, perguntavam se estava tudo bem, porque o silêncio assusta as pessoas, como alguém que não acorda de manhã, por mais que a gente chacoalhe. Faz frio, não? O olhar dos outros não te assusta? Esse jeito de tremer a sobrancelha como se soubessem mais que a gente, sim, mais que a gente, meu amigo, e sobre a gente, já tentou se olhar com os olhos do outro? Olha só essa senhora, viu como olhou de relance? Parece que se esquiva de jornalistas, é assim que eu me sinto, essa senhora nem sabe que se parece comigo, me sinto como se um bando de jornalistas me abordasse, com seus olhos cheios de interrogação e os ávidos microfones, encostando na boca fechada da gente, ah essa senhora é minha amiga, viu como ela se encolhia embaixo do cachecol? Achou que fôssemos jornalistas! Sabe por que não puxamos conversa? Não queremos nos tornar cúmplices, nunca se sabe se um bêbado não vai te contar um crime, ou levantar a blusa pra mostrar a camiseta cheia de sangue. E nesse frio é melhor andar de mão no bolso, o crânio enfiado num capuz de astronauta, e o mais engraçado é que quando levanto a cabeça dou de cara com um gari no meio da bruma, como se recolhesse neve naqueles filmes, então percebo que passei por ele e lancei-lhe um olhar fulminante, acho até que ele se assustou, mas eu não queria fulminá-lo, queria sorrir pra ele, dizer bom dia, agradecer por arrastar a neve do meu coração, mas então ele se tornaria meu cúmplice, ele deve estar acostumado a receber esses olhares de superioridade, já nem se importa, são tão calmos esses garis, me lembram aquelas preguiças em suas árvores. Sim, você já me ouviu até aqui, a primeira vez que lhe chamei de amigo até se assustou, afinal temos nossos próprios amigos, mas agora você deve estar pensando que se tornou meu cúmplice, não se assuste, eu advinho pensamentos... E para onde fugiremos? Com que cachecol? Sim, eu gosto de metáforas, faz a gente se sentir dentro de um livro. Já pensou que você poderia ser um personagem? Não seria fantástico! Você andando numa rua deserta às três da manhã, com aquele gosto de álcool na boca, e uma música bem triste tocando ao fundo enquanto você anda, e então a câmera dá um close bem nos teus olhos, e aquela lágrima surge e é desfigurada pelo vento, virando um desenho no rosto, um desenho de água. É mesmo uma pena que a gente não seja um personagem qualquer, que os nossos passos se percam pra sempre naquela rua... falar em rua, eu viro aqui, quase não reparei nessa neblina, adeus, cuidado o carro!, adeus!

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia... Tudo passa... Tudo sempre passará...

"Aos 16 anos eu li O Estrangeiro do Alber Camus, e aquilo foi um impacto na minha vida, e aí fui procurar outras coisas do Camus pra ler..."

"Mas eu acho que a literatura que eu faço não tem a menor pretenção de mudar o mundo, o que eu faço é uma coisa pop, de entretenimento, tem muita gente que diz que quer fazer arte, mas não é nem capaz de fazer um entretenimento básico"

"O meu pecado é gostar do John Grishan, mas admito que gosto, e acho bem melhor que o Paulo Coelho, que é meu amigo, e ele sabe que eu não leio os livros dele, e ficou por isso mesmo, e somos grandes amigos"

Nelson Motta, em entrevista no Paiol Literário
___
ps: "prefiro conversar com escritor" (Nelson Motta, sobre músicos)

quinta-feira, 1 de maio de 2008

terça-feira, 29 de abril de 2008

Humor Negro ou Tragicomédia?

"Mas, ficou com medo quando sentiu o vento e, começando a afundar, gritou: 'Senhor, salva-me'."
(Mateus, XIV, 30)
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"sua alma subiu ao céu, seu corpo desceu ao mar"
Alphonsus de Guimaraens
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Padre Adelir parecia de boa índole, humilde e, principalmente, parecia ter bom humor. Pois há coisas que só o humor redime. Se bem que Aristóteles dizia que a comédia envolve um ridículo, mas sem sentimento de dor ou sofrimento. Já a tragédia deveria ser sempre grave, imaginem se o fim de Romeu e Julieta começasse com um deles tentando pregar uma peça no outro, tipo aquelas brincadeiras que se utilizam de um susto pra fazer uma surpresa? Ou se Brutus quisesse apenas fazer com Júlio César o que João Grilo fez com Chicó no Auto da Compadecida? Ou então imaginem o próprio Padre Adelir, no espaço, olhando pro GPS e lendo: decifra-me, decifra-me... Padre Adelir fez tudo errado, pelo que a mídia mostrou, o destino nem precisou fazer esforço. Quem mandou ser monoteísta? Iemanjá, só de ciúme, levou o moço pra ela.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Fio de navalha

Minha tristeza é uma tristeza de homem, uma tristeza sutil. Minha tristeza é tão estranha que, ao se saber tristeza, torna-se alegre, ou se não isso, minha tristeza é tão esquisita que, ao encontrar outra tristeza tão grande, torna-se alegre, ou por outra, minha tristeza é tão excêntrica que, ao encontrar um admirador, posto que secreto, torna-se, sem saber, alegre. Ou ainda: minha tristeza é tão bizarra que, por sua própria força, tira das vísceras a alegria, como Deus tira mundos do Nada. Esta tristeza não quero, tristeza que, por ser minha, ao deixar de ser tristeza leva um pedaço de mim, deixando apenas o vazio da alegria. Esta tristeza sutil que, por ser de homem, é tão frágil. Eu quero a tristeza que ninguém tira de mim: eu quero a tristeza dos cães.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Três histórias

Na hora de acertar as contas:
- Mas isso não basta?
- Não paga nem metade.
- Puta, e agora? Toma, pega esse óculos: é mormaii.
- Mormaii? Estou vendo. Faz o seguinte: arranca os olhos e deixa em cima da mesa.

corta.

Na fila do caixa do restaurante, o casal de namorados:
- Estou com um sentimento ruim - diz ela.
- Quê? Pressentimento?
- Não, sentimento ruim.
- Ah...
Silêncio.
Ela quebra:
- Estou sem assunto.
- Sem assunto? - ele estranha - Eu também.
Abraçam-se, ele a beija na testa, estende o cartão:
- No débito, por favor.

corta.

Manhã cedo, lendo o jornal, o marido rasga um pedaço do caderno de cultura e anota: aniquilar o eu. Prende com ímã na geladeira, a esposa encontra. De noite, o marido abre a porta cabisbaixo, a mulher lhe estende o papelzinho:
- O que significa isso, Alfredo?

quinta-feira, 17 de abril de 2008

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Ateísmo para crianças

"Se o mundo pesa, não vai ser de reza que você vai viver"
Marina Machado, em Grilos, de Roberto e Erasmo.
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Face a impossibilidade de argumentação lógica para questões como ateísmo ou religião, muitas pessoas recorrem ao impreciso terreno da psicologia para justificar questões como essas sem apelar à fé ou ao agnosticismo. Prova disso foi uma aluna minha que, diante da confirmação de meu ateísmo, perguntou-me se havia ocorrido algum trauma em minha vida. Achei a pergunta peculiar e respondi que não, mas não assim tão rápido. Como costumo fazer, respondi primeiro com uma pergunta: se houvesse ocorrido um trauma seria um motivo para eu me tornar ateu? Antes que ela respondesse, arrematei com outra pergunta: se não houvesse ocorrido nenhum trauma, eu deveria permanecer para sempre religioso? Infelizmente o assunto não prosperou, pois ela não percebeu que minha pergunta era um fundamento para a sua e insistiu na mesma pergunta, como se prescindisse de um fundamento, como aqueles alunos que perguntam as horas.
Mas se procuramos as razões psicológicas do ateísmo ou da religião, devemos recorrer antes aos fatores sociais, culturais. Pois é mais pertinente perguntar por que se ensina a religião às crianças do que perguntar como um adulto "aprendeu" a ser ateu. E uma resposta seria, fazendo um retorno torto à psicologia, uma idéia inconsciente de que a primeira coisa que se deva ensinar a alguém que recebeu o dom da vida é uma razão para viver. A isso junta-se a tradição duma espécie de otimismo transcendental em relação à vida, que é transmitida à criança sob a forma de algo invisível e poderoso que atende pelo nome de papai do céu, respondendo-lhe de quebra de onde veio o mundo e para onde foi o vovô.
Se não quisermos identificar este otimismo sobrenatural com a simples ignorância, podemos identificá-lo com um medo (já que a psicologia já está pra lá de vulgarizada), um medo do suicídio, medo este calcado na idéia de que, sem uma razão para viver, desiste-se de viver. Não é o que acontece. A forma de ver o mundo não implica, pelo menos não diretamente, uma decisão. O ateísmo é uma atitude passiva diante da vida, enquanto o suicídio é uma atitude ativa. É normal que numa passagem da religião para o ateísmo surja a idéia de suicídio, mas a crise em si representa apenas o momento em que se abandona o velho otimismo e se passa a ver o mundo com outros olhos, com olhos tristes, da tristeza dos que perderam o gosto de viver, como diria Bandeira.
A tradição otimista-religiosa, no entanto, tende a subordinar O QUE vivemos a COMO vivemos. Explico: a idéia de que, se uma pessoa tem uma vida repleta de acontecimentos felizes, ela deve ser feliz, e só poderia manifestar tristeza ou desencanto caso ocorresse algum trauma. Tanto é assim que esta tradição pensa, que para impedir o suicídio a religião se utilizou da ameaça do inferno, rebatendo um suposto trauma com outro ainda maior, um trauma eterno, como se o suicida ainda guardasse algum tipo qualquer de medo.
Ora, uma posição de desencanto perante o mundo não exige nenhuma explicação psicológica, pois constitui o próprio estado normal de coisas, a inércia, daí que não há mérito algum em ser ateu. O ateísmo é apenas o ver a vida como ela é, mas já é alguma coisa, ao passo que o suicídio, ao contrário, é uma atitude que esconde a pretensão de que a vida seja o que ela não é. Logo, o modo COMO o ateu vive, por mais pessimista que seja, não impede que ele viva O QUE ele vive. Até porque a coragem para ser ateu, renunciando ao céu e enfrentando a possibilidade do inferno, não é nem de longe a coragem que alguém precisa ter para se matar, já que não se trata apenas da coragem para apertar o gatilho, mas antes da coragem para abandonar a vida em toda a sua inteireza e irrepetibilidade, se me permitem o neologismo.
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Otávio (ou o ateu militante
sofrendo de concepções freudianas)

sexta-feira, 11 de abril de 2008

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Política


Vivia jogado em casa.
Os amigos o abandonaram
quando rompeu com o chefe político.
O jornal governista ridicularizava seus versos,
os versos que ele sabia bons.

Sentia-se diminuído na sua glória
enquanto crescia a dos rivais
que apoiavam a Câmara em exercício.

Entrou a tomar porres
violentos, diários.
E a desleixar os versos.
Se já não tinha discípulos.
Se só os outros poetas eram imitados.

Uma ocasião em que não tinha dinheiro
para tomar o seu conhaque
saiu à toa pelas ruas escuras.
Parou na ponte sobre o rio moroso,
o rio que lá embaixo pouco se importava com ele
e no entanto o chamava
para misteriosos carnavais.

E teve vontade de se atirar
(só vontade).

Depois voltou para casa
livre, sem correntes
muito livre, infinitamente
livre livre livre que nem uma besta
que nem uma coisa.
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Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 7 de abril de 2008

ASTROFOBIA

um poema já antigo:

Quando li o signo dela
Em busca de coragem para amar
Descobri que tenho medo de escorpião
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ps: aproveitem minha falta de criatividade, que pelo jeito deverá se estender por mais alguns dias, e leiam este texto.