sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

oleiro amoroso

As palavras de Alexandre França sobre Rodrigo Madeira definem para mim o próprio ato de fazer poesia "como se aqueles versos fossem as últimas palavras de um doente terminal". Afinal, Madeira não é daqueles que escrevem para ficar, meu amor, como ele mesmo diz: "escrevo para ir embora":
de fazer-te estátua,
entre bruma e arpejos
quebrei-te com gosto,
com presta destreza.

de atirar-te aos cacos
no charco, entre juras,
beijos de dois gumes,
sem dó atirei-me.

de colher os cacos
para rejuntá-los
com a lama mesma,

imunda, te amei,
com gosto e destreza
sem dó, como nunca
Rodrigo Madeira

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

imprensa vs crença: liberdade e litigância

O assunto é sério, e a palavra é: litigância, isto é, pretensão. Comprei a Folha desta quarta pensando na renúncia de Fidel, e descobri que a Folha de São Paulo mexeu no formigueiro da Igreja Universal do Reino de Deus, e agora está sendo atacada pelas formigas. Como o jornal é de circulação nacional, o pessoal apareceu de todo canto, todos ofendidos pelos mesmos motivos. Mas que motivos? Um negócio de dízimo em Paraísos Fiscais (bem que avisaram que o Paraíso existia!), e quem sofre é a repórter Elvira Lobato que foi quem cutucou, e agora tem que usar da física quântica para estar em vários lugares ao mesmo tempo, respondendo a uns aqui, outros ali, que são todos os mesmos, tristemente os mesmos (a nível de rebanho, diga-se de passagem). 56 ações judiciais por, se não me engano, danos morais, apareceram e, as que foram julgadas, como era de se esperar, perderam. E vão continuar perdendo, é claro. Mas o que interessa não é ganhar a causa em cima do jornal, é espernear, gritar, pro jornal ficar quieto, tipo a mãe que diz pro filho: tá bom, eu compro. E, já que gostam tanto da palavra fé, isso se chama má-fé, litigância de má-fé, que quer dizer, segundo a lei 5.869/1973 do Código Civil, gritar, espernear, não com essas palavras é claro. Enfim, os fiéis não estão preocupados com verdade dos fatos e tal, vão logo alegando danos morais. Só é considerado o lado emocional da coisa, o bom da religião é isso, pode tudo. O 2º item da nota divulgada pela Universal é "o dízimo é um aspecto da liberdade de crença consagrada pela Constituição Federal". Sim, o dízimo. Senão também pra quê que tinha crença, né? E livre! Sim, "livre livre livre que nem uma besta que nem uma coisa", diria Drummond, num poema entitulado, ironicamente, "Política". Tudo bem, livre, mas tão livre quanto a imprensa, ué. Por quê que o dele tem que ser maior que o meu, hein mãe? Porque ele é maior, oras! E se tratando da Universal, é um marmanjo, um homenzarrão, um troglodita, com mais de 5 milhões de cabeças em 170 países, segundo os próprios. Eles só não gostam que se lhes chame de "seita, bando ou facção", sabe como é, danos morais e tal. Mas imaginem se os ateus fossem na justiça cada vez que um rádio ou um folheto religioso dissesse que eles são seres imorais, possuídos por entidades malígnas, herdeiros do inferno? Ainda bem que não dá pra considerar estes elogios danos morais. É que todo religioso é muito sensível, frágil, vítima de constante preconceito. E para sorte de todos, os políticos também não são tão sensíveis a ponto de considerar um entortar de nariz um dano moral, caso contrário, haja litigância! O ministro carlos Ayres Britto sintetiza bem tudo isso quando afirma, segundo a reportagem de Silvana de Freitas, "que um dos papéis da imprensa é dar visibilidade ao poder. 'Não só o poder público, mas também o poder econômico, o religioso'". Ou seja, poder é poder, visibilidade é visibilidade, ninguém está tirando os fiéis à força da igreja, só está mostrando aonde o dinheiro vai, os fiéis deveriam se revoltar contra a própria igreja e não acobertá-la, porém, muito porém - e neste momento uma lágrima escorre em meu rosto - fiel é fiel, né.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

alienação não é um cachimbo: sobre o sexo

Bom, se é difícil dizer o que seja alienação, pelo menos podemos dizer o que não é, talvez. O discurso sociológico, como qualquer outro, pode enveredar por generalizações. Portanto, alienação não é um cachimbo, eu acho. Enquanto não entendemos Marx, Gramsci e Adorno, podemos nos contentar com a coleção Primeiros Passos, e um pouco de literatura. Vamos ao que interessa: sexo.
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"Trata-se do mesmo processo de alienação, agora atingindo o domínio das fantasias. A busca do prazer me constrói duplamente, enquanto o meu prazer me torna mais parecido comigo mesmo e, depois, porque a busca me impele ao outro, promove o encontro a cumplicidade. Quando as nossas fantasias são transformadas em mercadoria, elas nos destroem duplamente: inventam um outro homem dentro de mim, porque recriam o meu desejo à minha revelia, um outro sexo infiltrado em meus instintos e, além disso, me condenam a viver em busca obcecada de um prazer que não existe, não tenho e não terei porque é, já de partida, ilusão". (...) Condenado a realizar o animal que carrega em si pelo modo social de ser, o homem se encontra, enquanto ser biológico, quando nega o animal que é. Ao fazer do animal, no homem, um produto à venda no mercado, o capital rouba do sexo o gesto humano e entrega o animal à sua própria sorte, o exacerba ao mesmo tempo que retira dele os meios de realização, como um monstro sem face". (Wanderley Codo)
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"A ordem de beber Coca-Cola não corresponde de um certo modo a essa ordem de fazer amor, faça amor, faça amor! Cheguei um dia a ter uma miragem quando em lugar da garrafinha escorrendo água no anúncio, vi um fálus no fundo vermelho. Em ereção, espumejando no céu de fogo - horror, horror, nunca vi nenhum fálus, mas a gente não acaba mesmo fazendo associações desse tipo?... (...) Senhor Diretor: antes e acima de tudo, quero me apresentar, professora aposentada que sou. Paulista. Virgem. Fechou os olhos, virgem, virgem verdadeira, não é para escrever mas não seria um dado importante?... (...) E se por acaso o certo for isso mesmo que está aí? Esse gozo, essa alegria úmida nos corpos. Nas palavras. Esse arfar espumejante como o rio daquelas meninas, aquelas minhas alunas que eram como um rio... (...) E se o normal for o sexo contente da moça suspirando aí nessa poltrona - pois não seria para isso mesmo que foi feito? Virgem, Senhor Diretor. Que sei eu desse desejo que ferve desde a Bíblia, todos conhecendo e gerando e conhecendo e gerando..." (do conto Senhor Diretor de Lygia Fagundes Telles)
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E pra fechar, vale a leitura do conto O amor estampa as revistas, de Assionara Souza, publicado no livro Cecília não é um cachimbo, pela 7letras, de onde tirei inspiração para o título deste post.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Com a palavra: Wiki...ops, Desciclopédia.

Depois de estudar as provas ontológicas da existência de Deus feitas por Santo Anselmo e Descartes, ouvir comentários a nível de (jornalista, ops) aluno de filosofia sobre a prova de São Tomás de Aquino, esvaziar as estantes de religião dos principais sebos da cidade, consultar com psicólogo, ler o Anticristo, assistir a (um, ops) dois cultos evangélicos, elaborar piadas de mal gosto sobre os mesmos cultos, comprar coletâneas sobre Deus e Religião antes de Cristo, freqüentar seminário, postar apologia do ateísmo no blogspot, e bater uma punheta ao som de Coltrane que também ninguém é de ferro, finalmente o super-herói pseudotavio, vulgo 'cão', encontrou uma fonte confiável para extrair uma síntese da essência a priori do que é ser (agnóstico, ops) ateu hoje.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Citação

Tenho a impressão de que estou cercado de inimigos, e como caminho devagar, noto que os outros têm demasiada pressa em pisar-me os pés e bater-me nos calcanhares. Quanto mais me vejo rodeado mais me isolo e entristeço. Quero recolher-me, afastar-me daqueles estranhos que não compreendo, ouvir o Currupaco, ler, escrever. A multidão é hostil e terrível. (Graciliano Ramos, Angústia)

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ps: em fevereiro tem carnaval.