domingo, 6 de maio de 2007

Por um conceito de ateísmo

"O existencialismo não é tanto um ateísmo no sentido em que se esforçaria por demonstrar que Deus não existe. Ele declara, mais exatamente: mesmo que Deus existisse, nada mudaria."
Sartre
Tanto para quem quer converter como para quem procura ser convertido, a fé não é um investimento, mas uma aposta. O problema é fazê-la honestamente. Problema? - poderiam objetar - Qual é o problema de se crer em Deus só de mentirinha? Bom , se a hipocrisia não fosse um problema, tudo bem. Ora, trata-se do extremo-oposto do fanatismo, igualmente perigoso. "Sou católico mas vou à zona; sou gay porém evangélico." Pascal os chamaria de "aqueles que crêem sem inspiração", Pe. José Fernandes de Oliveira de "quem acredita e não crê". No fundo, os cristãos não ligam tanto para Deus quanto para a imortalidade da alma. O católico fala em Purgatório, o protestante em Nova Jerusalém e o kardecismo em reencarnação. Voltaire lembra, no seu Dicionário Filosófico, que, no Judaísmo, Deus era promessa de prosperidade DURANTE a vida e não DEPOIS dela. No entanto, com o novo testamento, por que se preocupar com a vida, se depois continua-se existindo? Ou seja, no Cristianismo, a vida é negada e superada em prol de uma existência eterna, no nível da doutrina dos anjos. (Sobre a negação da vida: NIEZSTCHE, Friedrich - O anticristo)
Não obstante, podemos falar também num ateísmo-palavra, isto é, um ateísmo a título de bravata. "Não acredito em Deus mas numa energia cósmica; sou ateu e creio na força do pensamento." Não, estes não são ateus, pois (como lembrou uma professora uma vez) neste caso, a questão não é SE Deus existe mas QUEM Ele é. Mas por que alguém fingiria ser ateu? Dizem "céticos" como Montaigne e Voltaire, reiterados por Pascal: para pousar de intelectual. Contudo, SER ateu é diferente, é sê-lo na hora de dormir, de pegar o ônibus entre a multidão, etc., não algo que se comunica mas algo que se sente. (Sobre isto: CAMUS, Albert - O Estrangeiro)
Pascal é um bravo defensor do cristianismo e num momento ele se pergunta: Por que o ateu quer anunciar que Deus não existe se isto é triste e inútil? Qual a utilidade de uma pessoa saber que vai deixar de existir? É como tirar-lhe o chão. Porém o mesmo Pascal vai criticar a hipocrisia dizendo que deveríamos ser mais verdadeiros e não esconder aquelas opiniões que machucam.
É polêmica a questão de um ateísmo militante. Segundo Sartre, toda ação particular engaja a Humanidade inteira, é neste sentido que não se pode ser existencialista sem ser humanista. (SARTRE, Jean Paul - O existencialismo é um humanismo) Quer dizer, se alguém decide ser ateu, está com isso afirmando a legitimidade de o ser. o mesmo vale para o homossexualismo, a castidade, o serviço militar e qualquer escolha.
Se admite-se que a bíblia, por exemplo, tem todas as respostas, não há livre-arbítrio a não ser na teoria, daí, na prática, a predestinação, que é antes ideológica que divina. Traduzindo: "Deus proverá", estava escrito, é o destino, se Deus quiser, graças a Deus, Deus quis, larga na mão de Deus, etc. Eu prefiro pensar (i) que sou livre e (ii) que não vou viver para sempre. Porque, se a vida fosse eterna, ao contrário do que se pensa normalmente, nada valeria à pena. Afinal, que diferença haveria entre fazer algo agora ou daqui a mil anos?
Uma das principais críticas que se faz ao ateísmo é que tira a esperança das pessoas e não dá nada em troca. Ora, se desse, já seria uma religião. Por isso, ao invés de Marx falar numa crítica da religião, a la Feuer Bach, ele falava numa crítica do direito. Agora, o "vazio" é justamente o ponto de partida do homem, daí a teorização do desespero, o qual se opõe à esperança. Todavia, enquanto a esperança se projeta no futuro, e porquanto pode conviver com a fé, o desespero parte do presente e nele permanece, pois tem a seu favor apenas o campo da realidade.

(Otávio)

Nenhum comentário: