domingo, 20 de maio de 2007

Pingos no i - de como ser otávio é ser pseudo

Acreditar que autor e narrador têm uma ligação direta é tão ignorante quanto afirmar "estudo demais deixa louco". É óbvio que o narrador tem uma ligação forte com o autor, mas os autores policiais não são assassinos, Goethe escreveu Werther com muita pessoalidade mas não se matou, e talvez até os autores de best-sellers não sejam tão ignóbeis quanto suas obras.
Ora, se é para ser freudiano, quem diz que ‘toda ficção é autobiográfica’ deve ser tão bitolado que nunca conseguiu escrever nada que não fosse autobiográfico. É como dizer que o dentista é um dente ambulante ou que o escriturário é um arquivo em pessoa. É fácil repetir "os conceitos da psicanálise vulgarizada" (como diria Adorno) sem dar argumentos para isso. Maiakovski e Torquato Neto, para ficar só com dois exemplos, suicidaram-se. Manuel Bandeira tinha tuberculose, etc. Porém o legado desses poetas transcende qualquer caráter autobiográfico. Os lugares-comuns psicanalóides que passam de boca em boca são, no mínimo, reducionistas.
A palavra "depressivo" nunca esteve tão na moda, no entanto esquece-se de palavras como "catarse". Infelizmente nem todo mundo tem tempo de ler um livro que seja, como a Poética de Aristóteles, por exemplo. Afinal, estudar demais deixa louco, não é mesmo? Eu tive um professor no cursinho que nos aconselhava só conversar com quem soubesse logarítmo. "Puxou conversa no ponto de ônibus, - dizia ele - você pergunta: - 'sabe logarítmo? Não? Então não fale comigo'". Às vezes tenho vontade de fazer assim: 'leu Machado de Assis? Não? Então não fale comigo'.
Alguém disse que se as pessoas não precisam da filosofia, a filosofia também não precisa das pessoas, o mesmo vale para a literatura. Como diria Fernando Pessoa, "tudo menos importar-me com a humanidade". Ou Nietzsche no prólogo do Anticristo, ao falar de seus poucos leitores: “ que importa o resto? O resto é apenas a humanidade”. Mas concordar com isso seria de uma responsabilidade muito grande, prefiro concordar com Paulo Leminski: “Escrevo e pronto. Tem que ter por quê?”.


Otávio

3 comentários:

Giuliano Gimenez disse...

Onde vc anda afiando as suas garras?

Tullio Stefan disse...

A questão vem de que todo nós queremos saber se atrás das cenas existe um personagem,isso porque somos todos um personagem.
Essa quase controvérsia me lembra algo q o Ian Curtis disse a respeito da sua música: "Escrevo sobre as diferentes formas que diferentes pessoas lidam com certos problemas, e como essas pessoas podem se adaptar e conviver com eles".
Inclusive ele,o autor.

Carolina disse...

Eu li Machado de Assis, posso falar com você?

Meu querido, faz tempo que leio seu blog e até hoje não tinha lido o seu "about me", que vergonha! rs