segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Feliz ano velho

Hoje amanheceu muito frio em Curitiba. E no meu rosto surgiram dois grandes vincos embaixo dos olhos, mas não chorei. Quando acordei minha mãe desmanchava o pinheirinho e era como se desmontasse um cenário no qual se passou o natal e o ano novo e agora era inútil. Às vezes tenho a impressão de que, em todo lugar que eu vou, há alguém desmanchando o cenário e saindo de cena, cheio de coisas embaixo do braço, uma sensação de quem se enganou de endereço ou chegou atrasado. Li no jornal que Marcelo Rubens Paiva lançou "A segunda vez que te conheci", espécie de resposta a "O amor acaba" de Paulo Mendes Campos. Deu vontade de ler os dois. Seria bom, em tardes frias como essa, na companhia de Gardel e Jorge Drexler. Ah! se eu tivesse a oportunidade, tocava no ombro de Drummond e dizia que, de minha parte, eu nunca fui brasileiro, nunca ponteei viola, meu ritmo nem sei se já tive, sei que brasileiro não sou, sou argentino, ucraniano, russo, brasileiro é que nunca fui, o samba é uma música estrangeira que eu gostei, mas no momento o tango argentino ou a milonga paraguaia me vão melhor, até bem melhor que o blues. Não, brasileiro é um povo alegre, e eu sou apenas feliz. Mas é verdade, há uma hora em que os bares se fecham, e saímos à toa pelas ruas escuras e há sempre um rio que nos chama lá embaixo. Não sei, não sei se eu sou feliz, mas alegre pode crer que não. É que eu tô sozinho há tanto tempo que eu me esqueci o que é verdade e o que é mentira em volta de mim. Aí parece que eu preciso me desculpar, pedir desculpa a todos por não ser feliz, por não conhecer a verdadeira felicidade. "Nos tornamos piegas quando a tristeza é inevitável", diz o personagem de Paiva, sei como é. E nesta época Curitiba está deserta, mas, sinceramente, acho que nem curitibano eu sou mais. "Ser" alguma coisa não é tão fácil assim, exige a sensação de estar no mundo, e isso é difícil. Talvez o amor seja quando alguém desculpa a outra pessoa por não conhecer a verdadeira felicidade, então, quando a pessoa se sente perdoada, ela se apaixona, quem sabe aí ela tenha a sensação de estar no mundo, só então se poderá "ser" alguma coisa, só depois que alguém te perdoa por existir. Antes disso, existimos clandestinamente, nos permitimos beber, falar besteira, pois ainda não somos nada, porque enquanto ninguém nos perdoar ainda seremos vazios, até que alguém nos escolha, nos olhe bem nos olhos e diga: você "é" importante pra mim, aí você deixa de ser um fantasma e doravante poderá "ser" o que quiser, poderá freqüentar o mundo livremente, quem sabe então se possa ser curitibano e até brasileiro, talvez então se possa, irônico, deslizar.

7 comentários:

Lígia Pin disse...

Eu gosto muito das coisas que você escreve, sabe né? Me identifico demais com elas, menino. E o lance de ser feliz, ser alegre e estar bem é algo insuportavelmente insuportável.
;o)

Flor disse...

Olha esse teu post me fez pensar se é mesmo verdade a máxima de que é melhor ser alegre que ser triste. Eu procuro ser alegre, mas tem tanta gente querendo ser triste, que nem sei mais. Parabéns pelo blog.

Cosmunicando disse...

saia dessa cidade já :-)))

Valéria disse...

É melhor ser alegre e ser triste, e feliz também, ser "tudo ao mesmo tempo agora", por que não?
Gostei muito do texto, abraços!

P.S.Bom mesmo é ser São Paulino,rsrsrsrs

Adriano Queiroz disse...

Caraca Otávio, gostei muito deste texto. É tão bom qdo eu leio uma coisa que acontece sempre e depois que alguém parece muito mais claro e desnudo, realmente o começo de janeiro dá uma sensação esquizofrenica de novo com o velho desmontando.

Abraços.

Bruna Assagra disse...

E depois? Ahm? as vezes não tem depois. As vezes não tem perdão. as vezes não somos. Nada.
Para todos os problemas remédio:

1/2 mamão no café da manhã.
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Se quiser ir contra as receitas. Aí.... ai é outra história...

Simultaneidades disse...

Gostei do teu Blog!
Sou meio " Curitiboca" (risos), então discordo de algumas coisas, mas no todo gostei muito!.
abraços,
Andréa