sábado, 13 de dezembro de 2008

Amor

Só o amor é real. Amar é como estar preso do lado de fora do espelho, é como estar embaixo do céu, é como o projétil que se submete às leis de Newton: não amar seria como pisar sem os pés. Mas a dialética do amor nos faz odiar: odiamos então. Como se quiséssemos provar ao amor como somos fortes. E gritamos no ouvido do amor que nos deixe e que nos deixe e que não volte, mas então nos pegamos gritando com nosso próprio reflexo. E então jogamos, enfurecidos, o espelho no chão: o amor nos olha, irônico, através dos cacos. E quanto mais odiamos, mais nos sentimos do lado de fora do espelho, mais nos descobrimos reais. E quando uma mão toca a outra e o cérebro diz: uma mão toca a outra – isso é amor. E quando vemos uma mosca doida na teia da aranha e o cérebro diz: mosca doida – pois isso é amor! Por isso amamos com tanta violência, porque amamos pelo mesmo motivo pelo qual o fogo queima, pelo mesmo motivo pelo qual a turbina do avião se põe em movimento. Por isso amamos – com o descontrole de quem ri de uma piada. E quanto mais nos proíbem de rir, mais a risada nos oprime o peito, até que nos pegamos às gargalhadas no meio de uma catedral basílica, e nos olham como se perguntassem: por quê? Mas nós respondemos: não seria por que é proibido? Pois pela mesma razão amamos! Porque o próprio amor, em sua pureza, nos proíbe de amar. Não obstante, prendemos o amor em nossas mãos: e quando abrimos não há nada. Não importa: o importante foi que os ossos da mão se fecharam sobre si mesmos, o importante foi que, na expectativa de ver o que havia na mão, nossos olhos brilharam, e os olhos de todos os que estavam à nossa volta brilharam, mesmo que não houvesse mais nada na mão, e nos chamassem de mentirosos. Pois sim, respondemos, não é mesmo que só há mentira se houver verdade? Por isso a mão vazia denuncia o amor, tanto que deve estar vazia para poder mostrá-lo. É fato: só o amor é real. Um pastor que, de terno e cabelos penteados, prega para a igreja vazia denuncia o amor, pois ele está de olhos fechados e pouco importa que a igreja esteja vazia, porque o amor corria tão feroz nas suas veias que ele sentiu necessidade de amar a Deus, que ele sentiu necessidade de apertar os olhos e gritar, gritar! Para que Deus o ouvisse e aceitasse o seu amor violento. Mas Deus está preso no espelho. E no entanto o pastor submete os seus gritos às leis do som, e o eco nas paredes lhe denuncia o próprio amor, como se de repente as paredes fossem espelhos e os ouvidos fossem olhos. E então ele sorri porque a igreja está cheia, está cheia de homens de terno e cabelos penteados. E com os olhos fechados, porque ele está vendo com os ouvidos, como os morcegos. E assim ele consegue encher a igreja de uma única e mesma essência feita dele mesmo, porque ele encheu a igreja de amor: e pelo mesmo motivo porque as águas enchem os rios, porque só o amor é real.

3 comentários:

Mariana Botelho disse...

o amor é "mais real que a realidade".

seu texto é... caramba, bom demais!

Anônimo disse...

como diria o poeta
amor é bicho instruído

giulianoquase.

Valéria disse...

Estou lendo " O Ventre da Baleia" do Javier Cercas e nele tem a seguinte frase " Gostar de alguém é estar em dois lugares ao mesmo tempo." É isso então que acontece com o amor, ele sempre está dentro e fora de nós. Obrigada pelo momento, abraços!