Sempre gostei de escritores cínicos e/ou irônicos, desde um Luis Fernando Veríssimo, em que fica bem claro o que é ironia e que não passa de ironia, até um Dalton Trevisan, em que o cinismo toma proporções tais que certas pessoas são capazes de tomá-lo literalmente. Rubem Fonseca seria um meio-termo entre eles. Mas neste assunto o melhor do mundo - do mundo - é sem dúvida o machadão, como quando em Esaú e Jacó o conselheiro Aires diz que, como não tem nenhuma religião, de certa forma aceita a todas da mesma maneira. Vale lembrar que Machado morreu se recusando a receber a visita de um padre que queria lhe dar a unção dos enfermos.
Mas toda esta turma está correndo sérios riscos, pois está se formando uma séria concorrência de uma galera aí do norte, destes livros que sempre começam com números: 7 leis para ser feliz, 10 caminhos para fazer sucesso, 7 sacramentos da felicidade, 5 mandamentos dos pais, 8 dicas para ser um bom cunhado, porque as mulheres têm voz fina e os homens falam grosso etc. Quando você vai olhar a orelha, está dizendo que o cara é filósofo! Quer dizer que o século 21 está cheio de novos Sócrates! Talvez eles até tenham passado por uma faculdade de filosofia na califórnia ou em boston, arranhando um Dewey ou um Adam Smith e fazendo do dever kantiano o emblema do puritanismo white anglosaxonic protestant, mas eu faria questão de falar bem baixinho numa destas orelhas que a filosofia é o único curso em que, quando você se forma, não é nada! Filósofo? Tudo bem, pode até ser, o assunto aqui é mesmo a ironia, não é?
Certa vez um amigo disse que, assim que se formasse, escreveria um livro chamado "Como ganhar dinheiro escrevendo livros de auto-ajuda", um livro, dizia ele, típico de filósofo frustrado. Mas eu acho que a concorrência, mais do que na filosofia, está mesmo é no humor. Estes dias peguei um livro, que meu pai me obrigou a ler, chamado "Os segredos da mente milionária" e posso dizer que me diverti muito, parte dos capítulos era destinada a uma espécie de apologia da riqueza, mediante a crítica do preconceito que a "mente pobre" tem dos ricos, eu realmente dei umas boas risadas, e muito sinceras, que fizeram diminuir o meu Veríssimo na estante. Percebi que há algo a ser aproveitado em toda esta sub-literatura, ou melhor, que ela é perfeita. Basta escrever um prefácio deixando claro que se trata de uma caricatura e, como num passe de mágica, todo o conteúdo passaria, sem mudar uma linha sequer, de auto-ajuda para paródia da mesma.
Sem essa de que auto-ajuda americana é sub-literatura, ela é, na verdade, algo tão sutil que traz em si a própria paródia, são livros auto-depreciativos por excelência, um neo-kafkianismo, as pessoas é que os lêem de forma errada, ipsis litteris, basta uma mudança de point of view e voilà! Temos o melhor humor que já se produziu em todos o tempos, envolvido na mais fina sutileza, longe de qualquer ironia grosseira, de quaisquer críticas cheias de remorso, pois a melhor forma de falar mal de alguma coisa é amando esta coisa, só assim este falar-mal é completamente imparcial. E, então, poderíamos dizer: quem diria! um escritor tão medíocre era, na verdade, uma revelação do humorismo!
The uninhabitable earth
Há 7 horas
5 comentários:
Belo post! Muito bem escrito!
Eu tb gosto de escritores cínicos e irônicos, inclusive os de blogs... rs
Beijos
como sempre, além do começo meio fim, um texto primoroso e brilhante
como a sua amizade.
ih! hoje eu tou assim
abraços
E o que seria da vida sem ironia? Sarcasmo e ironia são essenciais... se é que me entende! Só sei que estou com vontade de mandar esse texto pra um amigo, professor, usar em suas aulas pra ver o que a galera pensa sobre isso... hm?
Beijos
Também gostei desse seu texto...
Concordo plenamente que esses livros de auto-ajuda são recheados de humor...
Acho que também vou escrever um livro de auto-ajuda! Você me ajuda?! =P
O problema desses livros de auto-ajuda dos americanos deve ao fato que os mesmos são mt pragmáticos!
rsrsrs... me diverti horrores =))
boas sacações aqui.
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