domingo, 1 de junho de 2008

Oração para Marilyn Monroe*

*Místico e revolucionário ("opta pelo Socialismo e pelo Evangelho. 'Absurdo' talvez para uns... Quem crê de verdade torna-se absurdo facilmente" - Pedro Casaldáliga), considerado pela crítica - segundo o tradutor Paulo de Carvalho Neto - "el más formidable renovador de la poesía latinoamericana después de Neruda", o nicaragüense Ernesto Cardenal é um desses escritores que só conhecemos se nos caem na mão por acaso. Ou não, mas foi assim que achei esta delicada pérola de la poesía latinoamericana. Do fundo do baú:
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(foto: Norma Jeane Baker)

Senhor
recebe a esta garota conhecida em toda a Terra pelo nome de Marilyn Monroe
embora este não fosse o seu verdadeiro nome
(mas Tu conheces o seu verdadeiro nome, o da órfã violada ao nove anos
e da empregadinha de loja que aos dezesseis tinha querido se matar)
e que agora vem à tua presença sem nenhuma maquilagem
sem a sua Agente de Imprensa
sem fotógrafos e sem assinar autógrafos
tão sozinha como um astronauta diante da noite espacial.

Ela sonhou quando menina que estava nua numa igreja
(segundo a versão do Time)
diante duma multidão prostrada com a cabeça ao chão
e tinha de caminhar devagarinho para não pisar nas cabeças.
Tu conheces os nossos sonhos melhor do que um psiquiatra.
Igreja, casa, cova são a segurança do seio materno
e muito mais do que isso ainda...
As cabeças são os admiradores, é claro
(a massa de cabeças na escuridão por debaixo dos focos de luz)

Mas o templo não são os estúdios da 20th Century-Fox.
O templo - de mármore e ouro - é o templo de seu corpo
em que está o Filho do Homem com um chicote na mão
expulsando os mercadores da 20th Century-Fox
que fizeram de Tua casa de oração um covil de ladrões.

Senhor
neste mundo contaminado de pecados e radioatividade
Tu não culparás somente a uma empregadinha de loja
Que como toda empregadinha de loja sonhou ser estrela de cinema.
E seu sonho foi realidade (mas como a realidade do tecnicolor).
Ela não fez senão representar segundo o script que lhe demos
- O de nossas próprias vidas - E era um script absurdo.
Perdoa-a Senhor e perdoa-nos pela nossa 20th Century
por esta Colossal Superprodução em que todos trabalhamos.
Ela tinha fome de amor e lhe oferecemos tranqüilizantes,
para a tristeza de não ser santos
foi-lhe recomendada a Psicanálise.
Lembra-te Senhor de seu crescente pavor à câmara
e seu ódio à maquilagem - insistindo em maquilar-se em cada cena -
e como foi se fazendo maior o horror
e maior o incumprimento dos horários.

Como toda empregadinha de loja
sonhou ser estrela de cinema.
E sua vida foi irreal como um sonho que um psiquiatra interpreta e arquiva.

Os seus romances foram um beijo com os olhos fechados
que quando no abrir dos olhos descobre-se que foi dado sob os refletores
e apagam os refletores!
e desmontam as paredes da alcova (era um cenário cinematográfico)
enquanto que o diretor vai embora com seu caderno porque a cena já foi filmada.
O mesmo é com uma viagem em iate, um beijo em Cingapura, um baile no Rio
ou uma recepção no palacete do Duque e da Duquesa de Windsor
vistos na TV de um apartamento pobre.

O filme terminou sem o beijo final.
Foi achada morta em sua cama com a mão no telefone.
E os detetives ficaram sem saber a quem ela ia chamar.
Foi
como alguém que marcou o número da única voz amiga
e ouve somente a voz de uma fita que diz: WRONG NUMBER
Ou como alguém que ferido pelos gângsteres
estende a mão sobre um telefone desligado.

Senhor
quem quer que tenha sido aquele que ela ia chamar
e não chamou (e talvez não fosse ninguém
ou fosse Alguém cujo número não está no Catálogo de Los Angeles)
atende Tu ao telefone!
Ernesto Cardenal

3 comentários:

Cris Medeiros disse...

Eu adoro o mito Marilyn Monroe, desde criança quando via os filmes antigos em que ela aparecia, para mim era o exembplo de feminilidade e beleza!

Recentemente vi um seriado que contava a vida dela! Sempre achei a Marilyn fascinante na sua personalidade conturbada e no seu visual que exalava segurança e sensualidade.

Lindo post!

Beijos

Giuliano Gimenez disse...

pô, esse ernesto tem coisa...

Anônimo disse...

=P

Sério que foi coincidência? Você não sabia que era aniversário da Marilyn Monroe?

Eu nem preciso dizer que sou apaixonada por esta diva, né?! =P

Eu já conhecia esta poesia do Ernesto Cardenal, lindíssima mesmo!

Beijocas!