domingo, 25 de março de 2007

A próxima vítima


Eram três gatos, filhotes, um morreu mal fora transportado aqui pra casa. Hoje, os outros dois estavam fracos, um mais preto que branco, como um negativo do outro, mais branco que preto, enquanto o que morreu era em sua maioria cinza. Uma hora a gente viu os dois deitados, o mais branco miava, o mais preto estava de boca aberta: morto - disse minha mãe - mas ele respirava. Agonia de ver a barriguinha enchendo e descendo, subindo e murchando, tão ofegante que a gente fica ofegante também só de olhar. Agora há pouco vim vê-los de novo - na verdade são elas, porque não têm pinto - e notei que o pretinho, ou melhor, a pretinha, estava ainda daquele jeito, boquiaberta: morreu - pensei, mas lembrei do engodo de antes, fitei o ventre minúsculo do felino, já estava anoitecendo, não vi direito, mas parecia se mover: está respirando - pensei, - ou não - pensei melhor, - é minha própria respiração que me ilude. Ainda não fui checar, nem a luz acendi, preferi ficar em dúvida, mas de qualquer forma acabei me certificando, pois a branquinha se punha no papel de órfã de irmã, debruçada em cima e chorando, ou miando, sentindo, e depois saindo lentamente de cima. Não estivesse fraca, eu reputaria essa lerdeza ao abalo da perda. Ademais, ainda li na expressão da gatinha viva certo temor, como se previsse com isso sua própria morte, anunciada pelas que a precederam. Por enquanto, ela é a sobrevivente. Agora eu entendo quando minha mãe chegou com o trio e eu perguntei por que três e ela respondeu:
- Vai que morre um ou outro!

Otávio, depois duma tarde lendo Domingos Pellegrini

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