...de repente, entrou um bando de gente cantando e tocando violão. Foi aí que me dei conta:
Dingo bel, dingo bel
Já chegou Natal
Lá lá lá...
Fiquei contente com as pessoas. Elas queriam, e conseguiram, transmitir uma felicidade, um espírito de Natal, um vamos-nos-dar-as-mãos que me deixou emocionado. Nunca fui muito de Natal, exceto quando criança, óbvio. Mas aquele dia a música me deixara feliz, feliz por saber que jamais teria outro Natal tão triste como aquele. Por saber, também, que, apesar de tudo, ainda existia Natal. E descobri que Natal é isso mesmo. Por que não um momento de ternura e amizade com as outras pessoas, mesmo levando uma vida fodida o ano inteiro?
(...)
...essa noite, pouco antes da meia-noite, acordei com fogos e gritaria na rua. Era Ano-Novo. E mudança de década: 1980. Não haveria champanhe, serpentinas ou abraços. Eu estava só.
- Feliz Ano-Novo, Marcelo.
- Pra você também, Marcelo.
Admirava a alegria das pessoas na rua, uma alegria da qual não fazia parte. Estava triste e só.
Adeus Ano Velho, feliz Ano-Novo
Não tinha o mínimo sentido. As lágrimas rolaram, chorei sozinho, ninguém poderia imaginar o que eu estava passando. Nada fazia sentido. Todos sofriam comigo, me davam força, me ajudavam, mas era eu que estava ali deitado, e era eu que estava desejando minha própria morte. Mas nem disto eu era capaz, não havia meio de largar aquela situação. Tinha que sofrer, tinha que estar só, tão só, que até meu corpo me abandonara. Comigo só estavam um par de olhos, nariz, ouvido e boca.
Feliz Ano Velho, adeus Ano-Novo
Foi o que eu prometi a mim mesmo. "Se eu não voltar a andar, darei um jeito qualquer pra me matar." Era bom pensar assim. Eu não tinha medo de morrer. Era muito mais fácil a morte que a agonia daquela situação.
- Parabéns, Marcelo. Foram vinte anos bem vividos. Deixará muitas saudades, alguns bons amigos, umas fãs. Fique tranquilo...
(Marcelo Rubens Paiva, "Feliz Ano Velho")
The uninhabitable earth
Há 6 horas