domingo, 7 de junho de 2009

Ao mar*

*do diário de Albert Camus, escrito em viagem de volta dos EUA:

Como é longa essa viagem de volta. Os fins de tarde sobre o mar e essa passagem do sol poente à noite são os únicos momentos em que sinto o coração um pouco descontraído. Terei sempre amado o mar. Ele terá sempre apaziguado tudo dentro de mim.
Terrível mediocridade desse meio. Até agora, não me sujeitei uma única vez à mediocridade que podia me envolver. Até agora. Mas aqui, essa intimidade vai longe demais. E em todos, ao mesmo tempo, esse algo que poderia ir adiante, se apenas...
Dois seres jovens e belos começaram um idílio neste navio, e logo uma espécie de círculo mau fechou-se à sua volta. Esses começos de amor! Eu os amo e aprovo do fundo do coração - até mesmo com uma espécie de gratidão pelos que preservam, neste convés, no meio do Atlântico reluzente de sol, a meio caminho de continentes loucos, as verdades da juventude e do amor. Mas por que não chamar pelo nome também essa inveja que sinto no coração e o desejo tumultuado que se apodera de mim no sentido de redescobrir o coração impaciente que eu tinha aos 20 anos. Mas conheço o remédio, vou olhar para o mar durante muito tempo.
Tristeza por sentir-me ainda tão vulnerável. Daqui a 25 anos, terei 57. Portanto, 25 anos para fazer a minha obra e encontrar o que procuro. Depois, a velhice e a morte. Sei qual é o mais importante para mim. E encontro, ainda, o meio de ceder às pequenas tentações, de perder tempo em conversas vãs ou passeios estéreis. Dominei duas ou três coisas em mim. Mas como estou longe dessa superioridade de que tanto necessito.
Maravilhosa noite sobre o Atlântico. Essa hora que vai do sol desaparecido à lua apenas nascente, do oeste ainda luminoso ao leste já escuro. Sim, amei muito o mar - essa imensidão calma - esses sulcos recobertos - essas estradas líquidas. Pela primeira vez, um horizonte à altura de uma respiração de homem, um espaço tão grande quanto sua audácia. Sempre estive dilacerado entre o meu apetite pelos seres, a vaidade da agitação e o desejo de me tornar igual a esses mares de esquecimento, a esses silêncios desmedidos, que são como o encantamento da morte. Tenho o gosto das vaidades do mundo, dos meus semelhantes, dos rostos, mas, fora do meu tempo, tenho uma regra própria que é o mar e tudo nesse mundo que se lhe assemelha. Ó suavidade das noites, em que todas as estradas oscilam e deslizam por cima dos mastros, e esse silêncio em mim, esse silêncio, afinal, que me liberta de tudo.

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