domingo, 7 de outubro de 2007

Explicação do poema

Deus é um grande poema, imenso, pairando sobre o mundo, repousa sua métrica no mar, e depois a transgride em novos testamentos. Há, de fato, um grande poema que vem nos acolher quando abrimos o livro da vida, pois nesta rua, nesta rua mora um anjo, e o anjo se chama Solidão, o anjo da eterna guarda, sem nenhum sexo que goze a vaidade de opor-se a outro apenas para ser sexo, inteiro e hétero. A solidão é a grande rima, a grande foto de palavras que é Deus. Se a minha solidão me faz bem é porque quebro a grande bússola social, e devo pagar o prejuízo, pois o que é bom para mim pode ir contra o grande Bom, porque a bússola nunca erra. Mas dizer que a solidão é boa seria cair na histeria inocente dos que nunca leram Poema, o grande. Mas se a solidão não é boa, má não é, ainda que haja demônios batizados com o nome do Anjo, em homenagem ao casamento entre Céu e Inferno. Um fim em si mesmo: seria isso a solidão, mas não é também, não em si, pois o é para mim, apenas. E para os poucos leitores da Epopéia do mundo, em que Deus surge sob a pena dos poetas. O poeta é o monge por excelência e vice-versa, o mundo deve, pois, ficar de fora de nosso jejum, pois não sabemos o que jejuamos, que se soubermos o poema vira prosa e Deus fica arrogante, dizendo que é Deus sabendo que é, entregando a nós a Sua cruz e nos abandonando à folha em branco. A única angústia consiste em não escrever, em rasgar uma folha vã. Porém Deus nunca foi arrogante, nem mesmo quando nos levou pela mão ao Inferno, recolhendo-se aos Seus, cujos dentes não rangiam de bruxismo como os nossos. Mas nem por isso Deus deixou de ser Deus, porque ovelhas nunca foram carneiros e quem avisa Amigo é. Aquele que é, é o único que existe, e o que existe não pode ser mau. Todo poema nasce feito. Talvez esta solidão natural e primitiva, da qual outros melhor falaram, mas que é mais parecida com a solidão sem nome do anjo que morreu, ou melhor, virou lápide. E a lápide só é só para si. Pois a sociedade está fora dela. Então quando o céu se abrir, o sertão virar mar e os extremos se tocarem, a pedra, que um dia foi lápide e outrora anjo, a pedra não terá medo de ser pedra, mesmo que um dia seja areia, porque sempre será anjo, como os orientais acreditam. Cada vez que tomamos vinho sozinhos, Deus espirra o seu sangue em nossos olhos, despedindo-se nós para sempre, porque o Apocalipse passou, e não passou de um eclipse ou quem sabe uma vertigem, mas acabou, como toda festa. E é preciso limpar tudo e curar a ressaca, vestir nossas calças jeans, e entender a justiça de Deus, entendê-la de coração, pois na vida a gente tem que entender que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri. E o Outro nos quer nus, num divã, mas nunca sós, pois tudo que é divino é também coletivo, por isso o anjo deu no que deu. Em algum lugar do futuro, Deus venceu o mal, mas o anjo ainda soca o nosso peito. E dizem que é o Diabo, ou então que somos humanos, mas somos todos palavras de um único poema, e rimamos em 'ão' cada vez que doemos. Seremos por nós mesmos julgados neste Dia, mas o crime será o mesmo. E o chamaremos o grande Crime, o único doloso em verdade. Pois Deus deixará que a arrogância caiba a nós somente, e muito antes de Pôncio Pilatos, terá lavado as mãos com que rasgará nossos poemas eróticos e os queimará junto com as cartas de suicídio. Nem palavras nem idéias, restará a Coisa, que é o poema que não se escreveu e a solidão antes de ser sentida. E por ser coisa será a pedra, a grande pedra, onde se esconde quem roubou, quem roubou meu coração.

PS: que diferença faz se escrevo mal? Um dia o sol engolirá a terra.

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