segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Cinco motivos para ainda ouvir Legião Urbana

Se Renato Russo tivesse orkut, sua religião seria "tenho um lado espiritual independente de religiões". Não é à toa que Legião Urbana faz tanto sucesso nos grupos de jovens e adolescentes nas igrejas. Pelo menos antes da (re)apropriação da religião pela indústria cultural. Já ouviu falar do Padre Zeca? É... aquele do "Deus é dez". Na ala brega, Antônio Maria. E Pe. Marcelo Rossi e Globo: tudo a ver. Ora, muito antes deles Pe. Zezinho já embalava as crises existenciais da juventude.
Mas voltando à religião urbana (não pude evitar o clichê), poderíamos identificar na segunda fase da banda (sem Renato Rocha) o início de um processo de negação da morte. Segundo meu ex-professor Maranhão, em seu livro "O que é morte", há cinco estágios após a descoberta de uma doença fatal: 1. Negação; 2. Cólera; 3. Barganha; 4. Depressão e 5. Aceitação.
Dependendo da pessoa, pode ficar apenas na negação, não é o caso de Renato, que inclusive parece ter guardado a cólera para o lado pessoal. No nível artístico, o álbum "As quatro estações", definido como religioso por Arthur Dapieve na coletânea oficial "Mais do mesmo", pode ser identificado com a barganha, isto é, "neste estágio, constata-se muito frequentemente o desejo que os pacientes manifestam em realizar acordos por um pouco mais de tempo. Realizam pactos consigo mesmos: 'Se eu me curar farei isto ou aquilo'. Barganham sobretudo com Deus - mesmo pessoas que nunca falaram com Deus -, com a intenção de conseguir um indulto temporal ou mudança de seu destino". "Há tempos" traz citações budistas sobre dor e desejo e "Monte Castelo" um trecho sobre o amor de uma famosa epístola de Paulo. A coesão se encontra sobretudo nos versos "estou do lado do bem. E você de que lado está?" (faixa 6) e "Cordeiro de Deus que tirai os pecados do mundo tende piedade de nós" (faixa 11).
É claro que não se trata de música gospel pois, ao contrário desta, põe a poesia antes da crença, no entanto a fase da barganha religiosa é tão evidente que propiciou o "cover gospel" Catedral, banda que gerou o hit "Quem disse que o amor pode acabar" mas que tem canções com nomes como "Chame a Deus".
Os discos seguintes "V" (cinco) e "O descobrimento do Brasil", respectivamente "sombrio" e "reflexivo" nas palavras de Dapieve, deveriam representar o estágio da depressão. Numa entrevista cedida a Marcelo Fróes, Renato diz "eu sou depressivo mesmo", mas isto não transparece tanto nas músicas até a chegada do CD "A tempestade ou O livro dos dias", que tem epígrafe de Oswald de Andrade: "O Brasil é uma República Federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus". As músicas foram gravadas quase todas de primeira tomada e as letras dizem tudo: "Vamos falar... de doenças incuráveis... a felicidade é uma mentira e a mentira é salvação"; "Hoje a tristeza não é passageira... não me dê atenção mas obrigado por pensar em mim"; "E meus amigos parecem ter medo de quem fala o que sentiu" e "Meu orgulho me deixou cansado" e ainda "Não esconda tristeza de mim. Todos se fastam quando o mundo está errado". Dapieve está, pois, autorizado a classificar "A tempestade" como O deprimido, embora o termo, tantas vezes auferido a Radiohead, seja um tanto quanto taxatório demais.
Resta perguntar se Renato Russo passou pela fase da aceitação, como os álbuns póstumos dão a entender. Não dá pra saber, mas em se considerando estes álbuns mesmos como um flashback que perpassa a carreira da banda ( no caso de "Uma outra estação") e a vida do músico (em "Renato Russo Presente"), pode-se concluir, com direito a trocadilho, que a aceitação estava sempre presente, não na forma de conformismo mas da serenidade expressa em canções como "O descobrimento do Brasil", "Giz" e "O mundo anda tão complicado". Como diz Maranhão, "A verdadeira aceitação ocorre quando o paciente se mostra capaz de entender sua situação com todas as suas consequências. Nessa ocasião, em geral está cansado, mas em paz. Volta-se para dentro de si, revelando a necessidade de reviver suas experiências passadas mais significativas como uma forma de resumir o valor da sua vida e procurar o seu sentido mais profundo". Acredito que Renato Russo, bem como qualquer artista comprometido com o embate entre vida e tempo, traz todos os estágios misturados, em ebulição, haja visto a música escolhida para homenagear alguém que passou pela mesma via crúcis, no show "Viva Cazuza": Quando eu estiver cantando
Tem gente que recebe de Deus quando canta
Tem gente que canta procurando Deus
E eu sou assim com a minha voz desafinada
Peço a Deus que me perdoe no camarim...
(João Rebouças e Cazuza, disco Burguesia)
Otávio

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Meg White sou eu

A banda White Stripes pode acabar, porque Meg White sofre de ansiedade aguda. Então somos dois, quer dizer, eles são dois, ou melhor, eram dois, sei lá. Isso lembra uma música, não do White Stripes, mas do Júpiter Maçã: "Não vai mais sair na rua / Síndrome de pânico / Não vai mais passear no parque / Síndrome de pânico / Não vais namorar ninguém / Não vais conversar com ninguém / Aonde está o remédio? / Aonde está a solução? / Ao libertar-se do alcoolismo / Síndrome de pânico". E me lembra também um conto da Clarice, Imitação da Rosa, do "Laços de família". Enfim, também não sei se prossigo lecionando.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Sobre a chuva

Num de seus primeiros diários, Sylvia Plath dizia que tinha vontade de fazer um poema porque chovia, mas lembrou, citando alguém, que quando chove em algum lugar, milhares de poemas brotam ao redor. Sendo assim, resolveu não escrever. Bem, eu já não tive a mesma determinação:



__

No começo
O silêncio pesa
E chamam gelo
Depois se quebra
E a conversa flui

Errata

Na postagem de Quarta-feira, 29 de Agosto de 2007,
cometeu-se um pecado neste inferno:
Entrevista com o Vampiro II - o (eterno) retorno
A resposta à pergunta "como você escreve" foi extraída de uma excepcional entrevista que o jornalista Nelson de Oliveira obteve numa aposta de jogo de xadrez. A aposta era: se o jornalista vencesse, ele teria a entrevista; se perdesse, pararia de assediá-lo."Hoje escrevo quando dá vontade, com ternura, às vezes fico semanas sem pegar na caneta. É claro que com o passar do tempo vou ficando angustiado. Preocupado. Será que morri? Eu me apalpo, me cheiro. Não, ainda estou vivo. Ponho a cara pra fora da janela, escuto a cidade, berro: 'Estou pronto! Mova-se mundo'. Fico atento à gentinha no ponto de ônibus, no bar da esquina. Aí as idéias vêm aos montes. Até me assusto. Fico com os pêlos do braço arrepiados."Fonte: OLIVEIRA, Nelson de. Entrevista com o vampiro - Dalton Trevisan.Minha fonte: BRITO, José Domingos de (organizador). por que escrevo?Cheque Mate!!!!!!
por Otávio às
12:48
lugar comum:

Felizmente, uma boa alma que passou por aqui,
colocou o vampiro diante do espelho e descobriu:

2 quem cala consente; deixe aqui seu comentário:
Marcius disse...
A entrevista é bacana, Otávio, mas ela tem um problema grave: É FICTÍCIA!! Ela foi publicada na Folha de S. Paulo, no suplemento Mais!, em 25 de abril de 2004 e era parte de uma série de conversas imaginárias com escritores reclusos, chamada "Exclusivo e fictício". Outros "entrevistados" foram Thomas Pynchon, J.D. Salinger, Rubem Fonseca, J.M. Coetzee, entre outros. O responsável por criar o texto sobre o Dalton foi o Nelson de Oliveira, escritor. O José Domingos de Brito papou mosca nessa aí. Como vc mesmo disse: CHEQUE MATE:-)
18 de Outubro de 2007 14:43
Otávio disse...
Em tempo: obrigado pela retificação
11 de Dezembro de 2007 00:19

domingo, 9 de dezembro de 2007

Fraca carne

Até quando um homem pode escrever sem que seu braço se quebre de um só golpe? pois se um homem não é nem homem até que prove o contrário. E se perguntam o que houve, querem fatos brutos, como se fosse possível dizer que se foi despedido toda vez que uma coisa dói na gente, como se aqui dentro não houvesse uma mulher louca querendo ferir os visitantes, uma pobre louca de mãos em riste. Um jeito de voar pra baixo até quebrar os ossos da cara. Este eterno caco de vidro no olhar. E outras marcas de nascença adquiridas com o tempo. Talvez se o sol não se pusesse tanto aqui nos ombros, não molhasse tudo quanto se vê. Mas o vazio, não aquele que fica aqui deste lado sabe, o vazio, o vazio mesmo, não existe, sempre sobra um medo, um medo de que não sobre nada. E nada se sabe da morte, a não ser que o sol pára de se pôr e que os ombros se encostam nos joelhos, como se quisessem esconder todo o desejo que pulsou nos órgãos ou conter o fluido que brotou da pele. Tirando isso, eu vou bem, e você?

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

...não me lembra nada, por isso eu gosto

I like gypsy moths and radio talk

Cause it doesn’t remind me of anything

I like gospel music and canned applause

Cause it doesn’t remind me of anything

I like colorful clothing in the sun

Cause it doesn’t remind me of anything

I like hammering nails and speaking in tongues

Cause it doesn’t remind me of anything

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

B. O.

para Giuliano, o urbano
- E aí maluco, qual que foi o B. O.?
- Homicídio.
- E apagou o cara por quê?
- Tava catando minha mina, eu lá na fábrica me fodendo e ela dando a buceta pro cara.
- Precisava apagar, pegar quarenta anos?
- Pior que até deixei quieto, mas o filha da puta ainda achou ruim, quis tirar com minha cara.
- Deu quantos pipocos?
- Não, foi com a foice mesmo, primeira coisa que achei, só me lembro do primeiro: o braço voando, depois embaçou tudo, não ouvi mais nada, mas quem viu a porra depois, tudo picado, não dizia que era o cara. O sangue ferveu. Mas não cumpro quarenta nem metendo a rola, vou dar um jeito de vasar antes de cair em Piraquara.
- Só, pega aquele colchão da esquerda ali pra você.
Otávio, ao som de:
"Piece of my heart"da Janis.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Introvertidos Anônimos


Não quero falar de datas
Nem do seu narcisismo
Nem da minha autopiedade
Ambos centrados em si mesmos
Cada um a seu modo

Não quero falar disso
Nem da sua negligência
Nem das suas descobertas
Eu nunca devia ter nos comparado

Quando você nasceu
Eu aprendi a escrever
E agora você chega à adolescência
Como se ganhasse um espelho de presente
E a ninguém emprestasse

Mas eu não quero o teu presente
Nem disso quero falar
Quero apenas falar do sangue
Que escorre quando a gente faz a barba


Otávio

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Eu indico o síndico

Quem viu o jô esses dias (tá, eu sei que o gordo é chato), viu o nelson motta falando da biografia do tim maia, entitualada "vale tudo", eu nem sabia que o síndico era triatleta (cheirava, fumava e bebia) e que aquela história de cuidado com o disco voador tinha a ver com as paranóias (só para nóias?) que o tim tinha morando sozinho no apartamento, seus amores: cães e putas, de todas as cores. E que ele era inimigo do rei... Também com aquele negócio de Jesus Cristo, Jesus Cristo, Jesus Cristo eu estou aqui quem é que agüenta? E nada chama mais atenção no chefe da tribo dos maias do que sua pira existencial, naquele tempo do fanatismo dele, tem até uma música que se chama "leia o livro 'universo em desencanto' ", que fica repetindo "leia... o livro... universo... em desencanto". Mas de racional ele não tinha nada! Tudo bem, chega de trocadilhos e embromations, é melhor ir direto ao site, mas lembrem: só não vale dançar homem com homem.

domingo, 25 de novembro de 2007

Ainda não cheguei no começo:

Santiago Dantas dizia que nossa cultura se desenvolvia dos ramos para o caule e do caule para as raízes, e por esta razão não havíamos chegado a elaborar uma cultura filosófica própria. (...) Antonio Cicero não corre atrás da última moda: seu livro mesmo prova que a fonte da atualidade não se encontra no contemporâneo mas no extemporâneo. O mundo desde o fim parte de uma interrogação sobre a existência de uma concepção moderna de mundo para refundir, numa vigorosa e lúcida discussão com Descartes, Kant, Hegel, Heidegger e Marx, os conceitos de modernidade e racionalidade. [RJ: Fco. Alves, 1995. (Zé?) Orelha]: achado num sebo em Curitiba.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Uma história de amor

“Se meus joelhos não... doessem mais...” – a mulher de olhar sonolento cantarola dentro do ônibus. No mesmo banco, o homem de rosto inchado dá golinhos na lata de Skol. São nove da manhã.
- Finalmente, Fofão – a mulher explode – finalmente você provou que me ama!
O homem resmunga alguma coisa entre as grandes maçãs do rosto. O silêncio brilha nos olhos dos passageiros.
- Eu acredito – a mulher ataca novamente – eu acredito que você me ama, Fofão. Não: eu sei que você me ama. – diz com voz embargada de choro. Em seguida ri ou soluça. O homem recebe o abraço sem outra expressão que a de torpor.
“Que me traga fé, traga fé...” – soa baixo e dissonante a voz no ônibus.
- Se você não me queresse, Fofão, eu ficava com o agiota, cheio de dinheiro, um carrão. Hi hi hic hiiiiii ôôôôô Fofão... Eu não quero ele não, quero você que é pobre, não é outro que eu quero, tudo nós lá em casa, minhas filha quer você, a Jéssica, a Roberta... Quê, Fofão? Quê? Aaaaaah! Nós é nós. (Pausa) Que nós, Fofão? Que nós?! Eu!!! Eu, Suzane! Diretoria!
O homem hesita, emenda a primeira sílaba na última, diz coisas ininteligíveis e de atropelo.
- Fala, Fofão, pode falar: quero ficar com a Suzane o resto da vida, vai.
Silêncio.
- Onde cê comprou isso, Fofão?
- Lá... no Aradalupe. Hic.
Pai e filha passam a catraca, a menininha tomando milk-shake de canudinho. Suzane dispara, histérica:
- Que fofa que fofa que fofa que fofa que fofa.
A menina, acostumada, agradece e sorri, o pai lança um olhar sério a Suzane, mas esta continua com ódio:
- Que fofa que fofa que fofa.
Pai e filha vão se sentar no fundo.
- Viu só, Fofão? Ah cala a boca! Também olha o diabo que tá do meu lado! Olha o demônio que tá comigo, é o homem que eu amo esse diabo, é o meu homem esse demônio. “Valeu a pena êh êh, valeu a pena ôh ôh”, é do Corinthians – diz cuspindo – é do timão, hehe. Eô! Eô! – grita. – Eu te amo, fofão, te amo, não vou ficar com o agiota.
(Otávio)

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Patch Adams está vivo

Nesta segunda, o roda-viva exibiu entrevista (não diz muito aqui) com patch adams, que falou de neruda, paulo freire, augusto boal

"Tentei me matar, porque as pessoas não ligavam umas para as outras. Racistas? Há racistas, talvez sempre haja, mas porque os não-racistas não faziam nada? Eu não conseguia entender, fui para o sanatório duas vezes, aí pensei: não vou me matar, vou fazer revolução."

"Fui para a biblioteca estudar os homens que tinham feito as revoluções (OOOHH GHANDHI), descobri que não eram pessoas especiais, eram pessoas comuns que não se contentavam com o que viam. E o que todos eles tinham em comum? Tenho 38 livros de Neruda em minha biblioteca. De que Neruda fala? De que Paulo Freire fala? O... Augusto Boal?"

"A idéia de crítica se afastou tanto da idéia de pensamento, que temos de reiterar 'pensamento crítico' OOH!!!"

"Você me perguntou sobre pensamento positivo: para mim, PENSAR é positivo, não pensar é negativo."

etc. etc.

sábado, 3 de novembro de 2007

Carta de amor ao meu inimigo mais próximo

Parafraseando Oscar Wilde, posso dizer que não sou tão inteligente a ponto de ter inimigos, no entanto, pode ser que alguém mais inteligente que eu, vista a carapuça. Vamos a Gullar:

espero-te entre os dois postes acesos entre os dois apagados naquela rua onde chove ininterruptamente há tempo; procuro tua mão descarnada e beijo-a, o seu pêlo roça os meus lábios sujeitados a todos os palimpsestos egípcios; cruzas o mesmo vôo fixado num velho espaço onde as aves descoram e o vento seca retorcido pelo grave ecoar das quedas capilares; apalpo o teu cotovelo entediado, amor, teu cotovelo roído pelo mesmo ar onde os olhares se endurecem pela cicatrização das referências ambíguas, pela recuperação das audácias, pelas onomatopéias das essências; amor!, vens, cada sono, com tuas quatrocentas asas e apenas um pé, pousas na balaustrada que se ergue, como uma pirâmide ou um frango perfeito, do meu ombro à minha orelha direita, e cantas:

ei, ei, grato é o pernilongo aos
corredores desfeitos
ei, ei Ramsés, Ramsés brinca com
chatos seculares

bem, quero que me encontres esta noite na Lagoa Rodrigo de Freitas, no momento exato em que os novos peixes conheçam a água como não conheces jamais o ar nem nada, nada. Iremos, os dois, como um gafanhoto e um garfo de prata, fazer o percurso que nasce e morre de cada pé a cada marca, na terra vermelha dos delitos, queridinho!
Ferreira Gullar

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Futebol, Finados e um terceto


Apesar de meu time ter sido pentacampeão brasileiro, o assunto não merece existir, porque não teve a menor graça ser campeão antes da hora e com tanta vantagem. Ademais, não sou muito praticante. Outrossim, pela passagem da presente efeméride, quero falar de outra coisa: do pó.



Mão de obra


Minha mão passa

Pela poeira dos móveis

E fica grossa

domingo, 21 de outubro de 2007

Requerimento em 30 linhas

Fernando Pessoa, solteiro, maior de idade, resumido, morador de onde Deus serviu de conceder-lhe que more, em companhia de várias aranhas, moscas, mosquitos e outros elementos auxiliares do bom estado das casas e dos sonhos; havendo recebido indicação - quanto ao mais só telefônica - de que poderá ser tratado como (10 linhas) uma pessoa a partir de uma data a fixar, e de que o referido tratamento de como se fosse uma pessoa seria constituído, não por um beijo, mas pela simples promessa deste, para ser agendado por tempo indefinido, e até que ele, Fernando Pessoa, prove que: (1) tem oito meses de idade, (2) é bonito, (3) existe, (4) é querido pela entidade encarregada da (20 linhas) mercadoria e (5) não se suicide antes do negócio, como seria a sua obrigação natural; requer, para tranquilidade da pessoa encarregada da distribuição da mercadoria, que lhe seja entregue atestado de que: (1) não tem oito meses de idade, (2) é um desenganado, (3) nem sequer existe, (4) é depreciado (30 linhas) pela entidade distribuidora, e (5) suicidou-se.

(se acabam as 30 linhas.)

Aqui se deveria pôr "Espera assentimento", porém não espera nada.

Fernando
(vertido de uma versão em espanhol de 'cartas a ofélia')

sábado, 20 de outubro de 2007

Três epitáfios

epitáfio nº 1

p/ Álvaro de Campos


Não irá para o Céu
Pois não morreu por bem

Nem ao Inferno porém
Pois não se matou por mal

Estará morto para sempre, pois,
De suicídio natural.




epitáfio nº 2

p/ Alberto Caeiro



Não será esquecido

Será posto na lista

Dos menos lembrados






epitáfio nº 3




p/ Ricardo Reis




Aqui jazia aquele que já não jaz


(Otávio)

domingo, 14 de outubro de 2007

Freud está solto

Vejamos o que esta simpática, porém hostil representante das Ciências humanas, conhecida como "Psicologia Aplicada", e sua mais nova variante mercantil de vulgo "auto-ajuda", têm a dizer a respeito de nós, professores:

"Infelizmente, o que em muitas ocasiões determina que um certo jovem aspire a ser "professor", mais do que sua primitiva vocação magisterial, é sua íntima necessidade de compensar um sentimento de inferioridade, que lhe dificultou contatos afetivo-sociais normais com os grupos em que se achava incluído. Essa pessoa então resolve ser, como vulgarmente se diz, um "sabichão" e se mete a estudar esta ou aquela matéria com a intenção premeditada de mostrar que tem "crânio", já que não tem "tato"; que é um quase gênio intelectual, já que lhe faltou o gênio natural da simpatia. E as conseqüências são nefastas pois quanto mais sabe, menos sabe transmitir e mais propende a exibir o que sabe, para assim satisfazer a necessidade de afirmação e de prestígio". (MYRA Y LOPEZ, Emilio. As vocações e como descobri-las)

Foucault, nos salve! Socorro, Deleuze!

domingo, 7 de outubro de 2007

Explicação do poema

Deus é um grande poema, imenso, pairando sobre o mundo, repousa sua métrica no mar, e depois a transgride em novos testamentos. Há, de fato, um grande poema que vem nos acolher quando abrimos o livro da vida, pois nesta rua, nesta rua mora um anjo, e o anjo se chama Solidão, o anjo da eterna guarda, sem nenhum sexo que goze a vaidade de opor-se a outro apenas para ser sexo, inteiro e hétero. A solidão é a grande rima, a grande foto de palavras que é Deus. Se a minha solidão me faz bem é porque quebro a grande bússola social, e devo pagar o prejuízo, pois o que é bom para mim pode ir contra o grande Bom, porque a bússola nunca erra. Mas dizer que a solidão é boa seria cair na histeria inocente dos que nunca leram Poema, o grande. Mas se a solidão não é boa, má não é, ainda que haja demônios batizados com o nome do Anjo, em homenagem ao casamento entre Céu e Inferno. Um fim em si mesmo: seria isso a solidão, mas não é também, não em si, pois o é para mim, apenas. E para os poucos leitores da Epopéia do mundo, em que Deus surge sob a pena dos poetas. O poeta é o monge por excelência e vice-versa, o mundo deve, pois, ficar de fora de nosso jejum, pois não sabemos o que jejuamos, que se soubermos o poema vira prosa e Deus fica arrogante, dizendo que é Deus sabendo que é, entregando a nós a Sua cruz e nos abandonando à folha em branco. A única angústia consiste em não escrever, em rasgar uma folha vã. Porém Deus nunca foi arrogante, nem mesmo quando nos levou pela mão ao Inferno, recolhendo-se aos Seus, cujos dentes não rangiam de bruxismo como os nossos. Mas nem por isso Deus deixou de ser Deus, porque ovelhas nunca foram carneiros e quem avisa Amigo é. Aquele que é, é o único que existe, e o que existe não pode ser mau. Todo poema nasce feito. Talvez esta solidão natural e primitiva, da qual outros melhor falaram, mas que é mais parecida com a solidão sem nome do anjo que morreu, ou melhor, virou lápide. E a lápide só é só para si. Pois a sociedade está fora dela. Então quando o céu se abrir, o sertão virar mar e os extremos se tocarem, a pedra, que um dia foi lápide e outrora anjo, a pedra não terá medo de ser pedra, mesmo que um dia seja areia, porque sempre será anjo, como os orientais acreditam. Cada vez que tomamos vinho sozinhos, Deus espirra o seu sangue em nossos olhos, despedindo-se nós para sempre, porque o Apocalipse passou, e não passou de um eclipse ou quem sabe uma vertigem, mas acabou, como toda festa. E é preciso limpar tudo e curar a ressaca, vestir nossas calças jeans, e entender a justiça de Deus, entendê-la de coração, pois na vida a gente tem que entender que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri. E o Outro nos quer nus, num divã, mas nunca sós, pois tudo que é divino é também coletivo, por isso o anjo deu no que deu. Em algum lugar do futuro, Deus venceu o mal, mas o anjo ainda soca o nosso peito. E dizem que é o Diabo, ou então que somos humanos, mas somos todos palavras de um único poema, e rimamos em 'ão' cada vez que doemos. Seremos por nós mesmos julgados neste Dia, mas o crime será o mesmo. E o chamaremos o grande Crime, o único doloso em verdade. Pois Deus deixará que a arrogância caiba a nós somente, e muito antes de Pôncio Pilatos, terá lavado as mãos com que rasgará nossos poemas eróticos e os queimará junto com as cartas de suicídio. Nem palavras nem idéias, restará a Coisa, que é o poema que não se escreveu e a solidão antes de ser sentida. E por ser coisa será a pedra, a grande pedra, onde se esconde quem roubou, quem roubou meu coração.

PS: que diferença faz se escrevo mal? Um dia o sol engolirá a terra.

sábado, 29 de setembro de 2007

Dejavu

"A vida dói(...)
como um galo no Ártico"


Sim, estamos sozinhos
Apesar de ter amigos
Estamos sós
Como quem acaba de nascer
Como o cantor de jazz
Como o planeta Terra
Tão sós
Quanto aqueles que encontraram Deus
Como quem dá o lugar no ônibus
Como o pastor triste que prega
Como os carros que buzinam
E a estátua viva que se retira
Sozinhos
Como a luz do poste se acende
E o funcionário sério boceja
Como o eletricista de uniforme
E os namorados que se abraçam
Sim, sozinhos
Como o cão comido de sarna
Como um crucifixo na biblioteca
Como o homem que conta piadas
Como quem prepara uma surpresa
***
Ah! tão sozinhos somos
Como uma tv que ficou sem som
Como o padre na sacristia
Como a secretária que sorri
E que fica mais bela se triste
Como uma cadeira de palha
E o homem de paletó que olha as horas
Sós, como quem gabarita uma prova
Como mulheres dentro das lojas
Como os que encontraram Jesus
E foram salvos do fogo do Inferno
Como a informante da telemensagem
Como o entregador de pizza
E a mãe cujos filhos todos cresceram
Sozinhos como quem faz aniversário
Como quem faz um gol
Como folga em dia útil
Como quem faz um poema


Otávio

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Sprite tem uma coisa pra te dizer:

"O modo como uma moça aceita e executa o seu date obrigatório, o tom da voz ao telefone e na situação mais familiar, a escolha das palavras na conversação, e toda a vida íntima ordenada segundo os conceitos da psicanálise vulgarizada, documenta a tentativa de fazer de si um aparelho adaptado ao sucesso, correspondendo, até nos movimentos instintivos, ao modelo oferecido pela indústria cultural".

(Adorno e Horkheimer - O iluminismo como mistificação das massas)

domingo, 23 de setembro de 2007

sábado, 22 de setembro de 2007

sobre isso aqui do lado e a cidade em volta

vi os marcadores no blog do antonio cicero e fiquei com inveja, e daí?
Bem que essa poderia ser uma comunidade no orkut.
Mas, mudando de antonio cicero para Cristóvão Tezza, aqui vai um "você sabia que"
Segundo minha irmã, Curitiba é uma das cidades com maiores estatísticas de depressão entre os jovens, e diz-que isso tem a ver com o temperamento do curitibano, o mesmo daquelas piadas tipo: O que o curitibano faz quando pega a mulher com outro? Nada, porque ele não fala com estranhos. E onde que o Tezza entra nisso tudo? Há uma crônica dele que questiona: "Quem é esse que sem mais nem menos lhe pede informação na rua? Não é daqui, senão ia sozinho." Vale ler lá, fala do dalton, dos invasores catarinas e nordestinos e sobretudo da nossa ARROGÂNCIA, camaradas.

domingo, 16 de setembro de 2007

A importância de sermos Dorian Gray

"Não gosto tanto de mim a ponto de gostar das coisas que gosto"
(Clarice)
Tenho algo a dizer, se não estiver com pressa: o orkut é um site de relacionamento, não é? De relacionamento consigo mesmo. Abrimos para ver a NOSSA foto ali do lado, para atualizar o NOSSO perfil, etc., como diria o Chico, "uma penca de documentos pra finalmente eu me identificar". Se der tempo, a gente responde um recadinho ali, escreve outro acolá, parabeniza os aniversariantes, e depois voltamos a ver a NOSSA cara estampada no perfil. Fotos cheias de sorrisos, denunciando a mais pura e verdadeira felicidade dessas doces criaturas virtuais, que falam num tatibitate próprio e que têm personalidade, basta olhar as suas comunidades, incisivas e categóricas, e daí? Vai encarar? Pega eu, maluco. Você não tem orkut, não tem alma. Minha alma é azulzinha (salve, Djavan), e se divide em gostos musicais, livros lidos, filmes etc. Religião: INTERNAUTA. Sim, parabéns para nós, nós temos alma, nós somos felizes de verdade, mesmo quando confessamos nossa tristeza. Mesmo que sejamos sozinhos. Orkut, orkut meu, existe alguém com o perfil mais bonitinho do que o meu? Nós somos uns FOFOS. Somos enfim imortais. Por mais que o corpo padeça e que um dia morramos, permaneceremos pelos séculos amém, enquanto houver world wide web. Expressamos toda nossa liberdade de comunicação, toda nossa democracia, nossa virilidade, nossa popularidade, nossa intelectualidade e, o que é melhor, falamos em inglês, vai um scrap de queijo aí?

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

domingo, 2 de setembro de 2007

Deus-lobo é encontrado vivo

"Nunca diga: isto é natural" - Bertold Brecht


O ateísmo não só é algo natural, em minha opinião, como talvez uma das coisas mais naturais do ser-humano, ao contrário do que reza a tradição que, como Montaigne e Pascal, afirma: ateísmo é uma concepção monstruosa e anti-natural. Monstruosa pode até ser, pois lança o mundo ao seu relativismo intrínseco, ao seu pode-tudo. Por isso Voltaire afirma (no dicionário filosófico) que, do ponto de vista político, o ateísmo é inviável. E Dürkheim (segundo Rubem Alves em "O que é religião") que a religião é a base da sociedade. Como se o ateu fosse necessariamente mau, como se a idéia de bem só existisse na idéia de Deus.
Monstruoso ou não, não vem ao caso agora, mas anti-natural!? O que leva um homem a crer em Deus senão o fato de seus pais o crerem? Nada mais artificial do que Deus. Se tivéssemos que descobrir Deus por nós mesmos, será que seria assim tão fácil, tão natural? OK. Tomemos o racional do homem como o natural. Se alguém, que não tenha pais crentes, recebe a versão do Gênesis e a versão de Darwin. Qual convence mais? A Bíblia trata de Deus como se Ele já existisse. Ora, Cervantes também trata de Dom Quixote como se este existisse. O que a Bíblia faz é dizer QUEM ou O QUE é Deus (bom, sábio etc.) e não QUE ele é, isto é, que Ele existe. Disso se ocuparam Santo Anselmo e Descartes, entre outros. A própria palavra Javé (aquele que é) é uma petição de princípio.
Os ateus, por sua vez, também caem na aporia de partir do pressuposto de que Deus não existe, como Marx e Nietzsche fizeram. Portanto a filosofia não é menos artificial que a religião. Cabe, então, deixar o artificial de lado e debruçar-se sobre a mãe natureza.
Não podemos dizer que o homem, ao contrário dos animais, é NATURALMENTE levado a ter religião. Mas sim que o homem NATURALMENTE prevê, ao contrário dos animais, a sua morte. o animal não sabe que vai morrer, o homem sabe. Esta é a diferença. A partir desta diferença é que o homem crê ou não crê em vida após a morte. Logo, também se poderia dizer que o homem é NATURALMENTE ateu. Ao nascer numa sociedade em que todos acreditam em Deus, um homem é levado (não naturalmente) a também acreditar. Porém num mundo civilizado só é possível pensar o homem natural retrospectivamente, a partir de uma linha histórica, em que essa natureza é moldada. Numa sociedade primitiva, a falta de explicações gerou mitos (genêsis). Com o tempo, a ciência (Darwin) tomou o lugar do mito. Numa visão positivista, então, o homem seria "naturalmente" LEVADO ao ateísmo. Mas, afinal, o que se entende por "natural"? Um homem que nasce fora da civilização, criado por animais e, sem deixar descendentes, morre sem se civilizar? Ou a espécie que, a partir de um macho e uma fêmea primitivos iria gradativamente se civilizando? Tarzan ou Lagoa Azul? Tal pergunta significa: a História está contida na natureza do homem ou é algo que aconteceu por acaso? Em outras palavras: se o homem fosse extinto da Terra e nascesse outra vez (do macaco ou de Deus, não importa), a História seria a mesma? Tudo indica que não, pois o homem é livre. Porém esta liberdade mesma não o levaria, de um modo ou de outro, para o mesmo fim? O Nazismo é necessário à História? A luz elétrica e o carro poderiam NUNCA ser inventados nesta outra civilização? Talvez levassem mais tempo, ou menos, para ser inventados, se é que seriam.
Voltando para a única civilização que se conhece, um homem qualquer, que tenha morrido em 1315, está ainda no céu, numa história paralela? O que ele faz lá? Como fazer planos na eternidade, tipo: daqui 20 anos eu caso, dali 20 me aposento e dali mais 20 morro? Como seria fazer planos para sempre, não acabariam? Como viver, sem planos, uma felicidade que não é mais preciso buscar? A imortalidade da alma é análoga à imortalidade da matéria, na qual nada se perde, tudo se transforma. Não são eternas as menores partículas de que o corpo do homem é feito? Eternas porém brutas. Uma alma que vivesse para sempre não se embruteceria? Sua vida não perderia o sentido diante da eternidade que o condena a existir para sempre? Que tipo de felicidade é esta, estática e conformada? Estar vivo não é precisamente saber da morte futura? Ignorá-lo é NÃO o saber, como os animais. Se a morte é uma pergunta e a religião uma resposta, o que nos torna homens: o fato de criarmos uma resposta ou o fato de trazermos uma pergunta na alma?
Otávio

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

citação

o soneto é uma forma clássica que, apesar de eu não - conseguir - escrever (por incapacidade poética), gosto. Aliás, para mim, seria profano me utilizar de qualquer métrica, quando há pessoas que o fazem melhor que a gente, deve-se reconhecer (ainda que de maneira cínica). Não obstante, soneto é música, coisa de compositor, formato que admiro, sobretudo por sua pureza:

Ó formosura!

Piolhos cria o cabelo mais dourado;
Branca remela o olho mais vistoso;
Pelo nariz do rosto mais formoso
O monco se divisa pendurado:

Pela boca do rosto mais corado
Hálito sai, às vezes bem ascoroso;
A mais nevada mão sempre é forçoso
Que de sua dona o cu tenha tocado:

Ao pé dele a melhor natura mora,
Que deitando no mês pode gordura,
Fétido mijo lança a qualquer hora:

Caga o cu mais alvo merda pura;
Pois se é isto o que tanto se namora,
Em ti mijo, em ti cago, ó formosura!

Bocage

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Entrevista com o Vampiro II - o (eterno) retorno

A resposta à pergunta "como você escreve" foi extraída de uma excepcional entrevista que o jornalista Nelson de Oliveira obteve numa aposta de jogo de xadrez. A aposta era: se o jornalista vencesse, ele teria a entrevista; se perdesse, pararia de assediá-lo.

"Hoje escrevo quando dá vontade, com ternura, às vezes fico semanas sem pegar na caneta. É claro que com o passar do tempo vou ficando angustiado. Preocupado. Será que morri? Eu me apalpo, me cheiro. Não, ainda estou vivo. Ponho a cara pra fora da janela, escuto a cidade, berro: 'Estou pronto! Mova-se mundo'. Fico atento à gentinha no ponto de ônibus, no bar da esquina. Aí as idéias vêm aos montes. Até me assusto. Fico com os pêlos do braço arrepiados."

Fonte: OLIVEIRA, Nelson de. Entrevista com o vampiro - Dalton Trevisan.

Minha fonte: BRITO, José Domingos de (organizador). por que escrevo?

Cheque Mate!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

domingo, 19 de agosto de 2007

Entretempo

Meus caros senhores
E senhoras do mundo
Entender-me pudessem!
Não creio em Deus
Porque me diz respeito não crer
Não deixo de pensar em Deus por Ele
Mas por mim
Se o problema fosse Deus
Beijava-lhe os pés
Se o Diabo, neste cuspia
Mas vejam que cena!
Que estupidez existir!
Pergunto: para que fui criado?
E me respondem: para duas coisas.
Adorar Deus e renegar o Diabo.
Repito: que estupidez existir.

Agora precisam de mim
Para escolher entre os dois!
Nunca precisaram de mim
Nem Deus nem o mundo
E de repente me dão
O voto de minerva?
Que culpa eu tenho
Se Um não gosta do Outro?
Eles que são eternos que se entendam.

Antes, entender-me pudessem!
Se o problema fosse Deus
Eu cederia: Ele existe
Ele sim, que é Deus, não eu.
Eu não sou Deus: eu vou morrer
E antes disso eu nasci
Percebem agora o tempo que tenho?
Para quem tem a eternidade
Faz sentido perder tempo
A beijar um, cuspir noutro
Eu não tenho a eternidade.
Aí vem um 'ele' e diz que eu tenho.
Não tenho. E entendo de mim mais que um 'ele'.
E por não ter a eternidade
Quero o direito ao que realmente tenho.
Tenho o direito ao tempo entre
Meu nascimento e minha morte
Entretempo este que subestimam
Diante do que chamam eterno.

Querem viver para sempre?
Têm todo o direito!
E todo o tempo têm também
Para achar um sentido
Caso um dia percebam
A estupidez de existir
A beijar um e cuspir noutro.
Mas se nunca atinarem com isto
Que se deliciem com o eterno
Que façam festa com seus Céus e Infernos
Mas que não seja em detrimento
Do meu único entretempo
A que chamo vida, inteira.
E a que chamam pedaço
Duma coisa maior.
Eu que, talvez sério demais,
Chamo a vida de vida
E não pedaço da mesma.

Mas talvez não me entendam
Porque, apesar de eternos, não têm tempo.
Ou não querem.
Porém se trata aqui de mim
Não da existência de Deus, que desconheço.
Até porque, como disse, não me diz respeito crer nele.
Ao contrário de Deus, tenho princípio e fim.
Quem quiser viver para sempre, viva.
Eu quero nascer e morrer, nada mais.
Por favor não me botem a alma empalhada!
(Otávio)

amor-próprio

Só há uma janela acesa em todo prédio e do varal pende uma camiseta com a estampa “eu me amo”. Dentro do apartamento, às duas da manhã, ela não consegue dormir, seu corpo se agita sobre a cama, os carros fazem algum barulho lá fora. Entediada, como não houvesse mais o que pensar, quase instintivamente, coloca a mão dentro da calcinha e começa a massagear o clitóris. Ao primeiro sinal de excitação, afasta a calcinha até os joelhos, se põe numa posição de parto. Os pés espalmados no lençol, os olhos apertados. Com a coberta levantada, sente um vento passar pelas coxas. Seu corpo quente se arrepia e, num espasmo, a calcinha escapa dos joelhos e escorrega até as canelas. Seu pescoço se distende para trás, comprimindo o travesseiro com a cabeça. Ela goza, sente-se em paz, lembra do filme que assistira de tarde, pensa no trabalho do dia seguinte, e dorme: nua e egoísta.

sábado, 11 de agosto de 2007

A idade de terceiros


por ocasião do (mercadológico) dia dos pais

Tudo que aquele senhor de sonhos morenos queria era que esse verão chegasse antes, com suas chuvas que não molham. Tudo que aquele senhor de olhar melindroso queria era uma senhora simpática que lhe desse uma injeção, não lhe importaria se tivesse os medos já grisalhos e se as rosas da bochecha já estivessem murchas. Aquele senhor só queria receber um bom-dia apressado do carteiro e ler algumas manchetes no jornal, antes que o entardecer lhe tirasse o chapéu e pendurasse nalgum cabide qualquer. Tudo que aquele senhor queria, antes de morrer, era ser feliz. Pobre velho, que nunca deixou que lhe dessem o lugar no ônibus. Pobre velho, de pernas tatuadas de veias, que queria ser cortês com as mulheres de trinta e com as caixas gordas no supermercado, mas só recebia sorrisos falsos. Pobre senhor, que sempre dizia aos outros que era jovem em espírito, que viveu muito e não filosofou, nascido filho único, amou muito sem desposar ninguém, e não podia ficar para tio, tampouco tinha netos de seus, todavia trazia sempre balas no bolso.14/10/05

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Bruxa má e outras histórias

Setenta anos lendo os clássicos para ser ajudado por uma senhora católica, um jovem cabeludo e um rapaz musculoso. Deus fora injusto, jogando os chatos na cara. Então bastava um meio-fio para desabar? Setenta anos medindo as palavras para perder a pose na frente do banco do brasil, perto do relógio da Tiradentes.
- Tudo bem, senhor? Ajuda aqui, ajuda aqui.
- Toma aqui sua bengala, alguém tem celular?
- Qual é mesmo o número, 192?
- Ele conseguiu ligar ali? Porque meu celular caiu e quebrou, olha só que coisa.
- Sai da rua, chega aqui ó.
- Alô, alô.
- Olha quanto sangue.
- A gente tá aqui na frente do banco do brasil, ele caiu, é um senhor.
Não, não permita deus que eu tropece em Curitiba, cortando os supercílios no asfalto e entregue ao músculo alheio.
- O que você acha da gente colocar ele ali na escada do banco? Vâmo lá, senhor?
- Aí, aí, segura aqui alguém, segura aqui que eu vou trabalhar. Aí.
Este tinha mais cabelos que músculos, a outra sorria:
- Qual o nome do senhor? O senhor é polonês? Ele não quer dizer o nome. Qual o seu nome?
- É da... Por quê?
- dario?
Um chato sempre cospe na cara da gente.
- Não. Por quê?
Então diria o nome? Nesta cidade parece que há um só dalton e entregar assim pro cabeludinho sacar?
- José.
- Quantos anos, seu José?
- Oitenta e dois, mas por quê? Olha que minha namorada é ciumenta.
- Ele disse que a namorada dele é ciumenta.
A vida é bem telemarketing: até crianças de treze anos são chamadas de senhor, mas essa não, cara: repetir a piada.
- Mas acho que sua namorada não vai ficar brava, seu José. O senhor ia na casa dela?
Deus mandara uma senhora católica para chamar o siate e agora o passeio interrompido.
- Não, eu ia na... na... na... biblioteca.
- Ah é? Eu sou estagiário lá, o senhor é leitor?
O cabeludinho todo esperto, cheio de caspa e sgundas intenções. Leitor? Essa doeu, cara, deus sabe que eu sofro, e você vem com ah é, sub-reptício?
- Senta aqui, seu José. Pode sentar que ele ajuda.
Um homem não tem pernas? E as bengalas naturais que não deixam o mundo tremer? Será um terremoto ou oitenta e dois anos? Mas agora sentar era um dever.
- Olha lá, tá chegando!
- Ah, que bom!
- O que foi que aconteceu? Ele aqui? Que que aconteceu, senhor?
O terceiro anti-pedro a chamar-lhe senhor, fosse antes negado como jesus cristinho, antes da corruíra pipiar. Tomés povoassem Curitiba.
- Eu caí ali.
- Ele bateu com a cara no chão, ele caiu de cara.
Não bastasse a sirene poluindo o ouvido, não havia dogma que católico falasse ROSTO.
- Nessa idade é normal dar hipoglicemia: dá tontura e pessoa assim de idade fica fraca.
E todo sangue chupado em vão? Ou não havia vampiro nem nada, apenas um velho cuja bengala lhe fora arrancada? Ninguém diga sou malgrato, antes o beijo desdentado de um Judas ou madaleninhas dengosas soprando.
- Não deram nada pra ele beber, né?
- Só um copinho d'água que o homem do banco trouxe.
- Nessas horas não pode.
- Vocês vão levar ele? Daí como que faz?
- Lá tem assistente social, tudo.
- Tchau então que eu tenho que trabalhar. Deus abençoe vocês.
Tudo: que mais quereria? Assistente social bonitinha e a bênção de deus. Se a beata ordenara, quem era deus para não abençoá-lo?
- Encosta a cabeça aqui, senhor. Cuidado aí. Aí. Fecha.

(Otávio)

segunda-feira, 23 de julho de 2007

A priori e outros jargões

Se Kant é o responsável, ou melhor, o culpado, pelo apriorismo da razão e constitui o que se pode chamar de pedra de toque da filosofia contemporânea, pode-se dizer que todo “filósofo”, hoje, usa o termo a priori, mas nem todo aquele que usa o termo a priori é “filósofo” (atualmente, pelo menos no Brasil, todo filósofo deveria levar aspas, devemos nos contentar com o termo “comentador”, mas pode ser sem aspas). O fato é que palavras como a priori são excelentes para excluir interlocutores não especializados, bem como aqueles cuja referência máxima em filosofia é Dee Pak Choppra.
É equivalente a jargões da medicina, da psicologia e, por que não?, da tornearia mecânica. E é claro que onde há jargões há equívocos. Num hospital, é impossível morrer, o máximo que pode acontecer é você entrar em óbito, estilo:
- A senhora é a esposa de João Dias?
- Sim, por quê?
- Porque os dias dele estão contados! Desculpe, minha senhora, mas eu não pude evitar o trocadilho. Acontece que ele pode entrar em óbito.
- E isso é bom ou ruim?
- Depende, ele é um bom sujeito?
- Sim.
- Neste caso, é ruim.
- Bom, desde que ele não morra...
Da mesma forma, se você for a um dentista querendo ARRANCAR um dente:
- Olha, o que a gente faz é EXTRAIR o dente, mas se você quiser eu falo com um amigo boxeador, o Sergião mão-de-ferro...
Um leiturista da Sanepar que, ao invés de perguntar pelo relógio da água, pergunta pelo hidrômetro:
- Ih! Meu filho, aqui não tem essas coisas modernas não.
- Não, minha dona, é o hidrômetro da água.
- Ora, se é hidrômetro só podia ser de água! Fica logo ali, descendo pra baixo.
- Obrigado. A propósito, isso que está tocando é MPB brasileira?
Por sua vez, um psicólogo não trata de usuários de drogas, mas do que eles, delicadamente, chamam de drogadito. Não seria de se estranhar uma mãe que chegasse com o filho:
- Quem entra primeiro, eu ou ele?
- O drogadito.
- Ah, si. Pero yo no sabía que usted hablava español...
No caso do a priori, parece indicar, para o leigo (ou, se quisermos, para o vulgo), uma certa anterioridade, tipo:
- Felipe Massa chega a priori mais uma vez, enquanto Rubinho fica a posteriori.
Sim, trata-se de uma piada acadêmica, mas é este o conceito que Galvão Bueno tem, como deu a entender na narração do jogo de basquete feminino, entre Brasil e Jamaica, pelo Pan:
- O áudio aqui está excessivamente alto, então nós já pedimos desculpas a priori.
Sentiu só? Pior que isso, só Dee Pak Choppra.

(Otávio)
Para os curiosos:


























FIGUEIREDO, Vinícius (organizador). Seis filósofos na sala de aula. São Paulo: B&V, 2006

domingo, 22 de julho de 2007

que explica o post anterior

a gente (quase) sempre entra no blog querendo postar alguma coisa que, no fim das contas, é autobiográfico, eu estava resolvido a entrar no meu e postar mais um texto meu, mesmo sabendo que poesia é algo difícil de gostar, mas folheando o último "rascunho", encontrei umas poesias de José Luís Peixoto, na página 22, gostei. A página 30 também tem um texto interessante sobre poesia, que ilustra bem os autores desconhecidos achados na estante da biblioteca naqueles papéizinhos para anotação, com seus haicaizinhos curitibanos. Enfim, poesia é algo difícil de gostar, e eu gosto quando consigo gostar de alguma. José Luís Peixoto:

"esse filho só de sangue que te escorre pelas pernas sou eu, podíamos ter ensinado a ele as palavras, mas o seu nome é agora de sangue. podíamos ter mostrado a ele o céu, mas o seu olhar é agora de sangue. podíamos ter fechado sua mão pequena dentro da nossa, mas a sua mão é agora de sangue. esse filho só de sangue que te escorre pelas pernas e morre sou eu, o meu sangue e a minha memória".

Solução e outros poemas

Solução
(para Décio Pignatari)

diluirmEMimmesmo

(Otávio)
--------------
Achado na biblioteca
Cafezinho quente
denuncia o friozinho
logo de manhã
(Autor desconhecido)
-------------
Palavras
as tuas mãos, ou a tua pele, ou os teus lábios.
o teu olhar. o teu olhar me lembra sempre que
ou o teu cabelo, ou a maneira exata como
o teu rosto. o teu rosto. ou o teu corpo que
adormece onde o vento não se esqueceu de
ou cada uma das tuas palavras, palavras,
palavras numa língua de céus impossíveis.
José Luís Peixoto

terça-feira, 17 de julho de 2007

e por falar em cão...

O filme de 1966 "um homem, uma mulher", de Claude Lelouch, é música para os olhos (não que seja um musical, mas a trilha sonora é lindíssima - talvez porque, depois da brasileira, a música francesa seja a mais bela - e ademais música para os olhos é força de expressão). Enfim, quando se gosta muito de um filme, é melhor não falar dele, mas antes citá-lo:

"- Veja esse homem com o cão. Têm o mesmo andar.
- Conhece o escultor Giacometti?
- Sim, aprecio-o.
- Ele disse uma frase extraordinária: 'Se num incêndio eu tivesse de escolher entre um Rembrant e um gato, salvaria o gato'.
- 'E depois o soltaria', acrescentou. É maravilhoso.
- Sim, é belo. Entre a arte e a vida, prefere a vida.
- Formidável. ...Por que me perguntou?
- Sobre Giacometti?
- Por causa daquele homem com o cão."


E você, escolhe qual?








Danae (Rembrant, 1636)








ou o gato?

quinta-feira, 12 de julho de 2007

citação

E quem não se emociona com o momento d'O Estrangeiro em que o velho Salamano, vizinho do narrador/personagem Mersault, perde o único amigo, seu cão: parceiro de quarto e de feridas?

"[...]De longe, distingui na soleira da porta o velho Salamano, com um ar agitado. Quando nos aproximamos, reparei que não estava com o cão. Olhava para todos os lados, dava voltas em torno de si mesmo, tentava penetrar com os olhos na escuridão do corredor, resmungava palavras sem nexo e recomeçava a observar a rua com os seus olhinhos avermelhados. Quando Raymond lhe perguntou o que havia, não respondeu logo. Ouvi vagamente que ele murmurava: "imundo, nojento" e continuava a agitar-se. Perguntei-lhe onde estava o cão. Respondeu-me bruscamente que fora embora. E, depois, de repente, falou de novo, rápido:
- Levei-o, como de costume, ao Campo de Manobras. à volta dos barracos da feira, havia muita gente. Parei para olhar o Rei da Evasão. E, quando quis ir embora, ele já não estava mais lá. Há muito tempo que eu queria comprar uma coleira menor. Mas nunca pensei que esse cão nojento fosse embora assim. [...] Vão tomá-lo de mim, compreende. Pelo menos se alguém o recolhesse... Mas não! Com aquelas feridas enoja todo mundo. A carrocinha vai apanhá-lo, tenho certeza.[...]
Convidei-o a entrar, mas ele não quis. Olhava para as pontas dos sapatos e as mãos cheias de crostas tremiam. Sem me encarar, perguntou-me:
- Não vão tirá-lo de mim, não é, Sr. Mersault? Vão devolvê-lo, não vão? Senão, o que vai ser de mim?[...] (trecho de "O estrangeiro" de Albert Camus)

sábado, 7 de julho de 2007

Algodão-doce


em memória de Anton Tchekhov


Um menininho, com um cesto cheio de pés-de-moleque preso por uma corda à nuca, anuncia seu produto à fila do ônibus:

- Olha o algodão-doce, leva algodão-doce.

As pessoas, sem entender, olham os pés-de-moleque e não conseguem conter a risada, mas ele prossegue:

- Quem vai querer algodão-doce? Um real...

À frente do ônibus, o cobrador conversa distraído com o motorista.

- Algodão-doce, moço?

O cobrador volta o olhar apressado insinuando uma recusa mas, ao segundo olhar, abandona o motorista e exclama:

- Algodão-doce?! - e cai numa gargalhada boçal, com direito a mão na barrigona e saliva nos cantos da boca, cada vez mais alto.

O menininho, ele sim sem entender, encolhe os ombros, abaixa a cabeça e, quando a levanta novamente, tem nos olhos úmidos um brilho que corta a penumbra do terminal.

A risada reverbera.

(Otávio)

sábado, 30 de junho de 2007

sábado, 23 de junho de 2007

O uniforme

Terminado o expediente, o indivíduo sai da loja em que trabalha como vendedor. Em sua camisa de uniforme está estampado: "Posso ajudá-lo?". Anda duas quadras e uma senhora se aproxima:
- Ô meu filho, eu ando com uns calorão, me dá umas tremedeira nas perna às vezes, que que eu faço, filho de Deus?
- Bom, acho que a senhora deveria procurar um médico. – e continua andando, mas quando pára no sinaleiro seguinte, um sujeito boa-pinta chega estapeando suas costas:
- Pó, brother, mulher é tudo igual mesmo. Não, olha pra mim, me diz: tô barrigudo? Fala sério meu, que que o negão tem que eu não tenho?
- Bem, na verdade eu nem conheço esse negão. – e prossegue absorto.
Já no ponto de ônibus, sente uma mão nas suas costas, em movimentos lentos e leves:
- “Po-sso-a-ju-dá”, que que é isso aqui? Hífen! “-lo” Opa! Com certeza! Olá, irmãozinho, poderia fazer o obséquio de ajudar um cego com a rua?
...Feito o favor, volta para o ponto quando alguém toca seu ombro e ele se volta furioso:
- Puta que pariu! Chega! Não vou mais ajudar ninguém, será que não dá pra ver que é um uniforme?
- Que isso, Márcio? Sou eu, Aninha.
(Otávio)

terça-feira, 19 de junho de 2007

Variações do mesmo tema

A questão do ateísmo implica, pelo menos, três outras: (i) existência de Deus; (ii) fé e (iii) sentido da vida.
Quando alguém se diz ateu, não está dizendo que Deus não existe mas, no máximo, que não acredita que Deus exista. Pois é diferente dizer "a Terra gira em torno do sol" de dizer "Copérnico crê que a Terra gira em torno do sol”. Porém, ao contrário do movimento da Terra, não se pode provar que Deus existe nem que não existe. Alguns filósofos da ciência afirmam que nem mesmo o movimento da Terra nem qualquer coisa se pode provar. Para provar algo é preciso argumentos e princípios. A Teologia e a ciência compartilham dos primeiros. Os argumentos da religião são, por exemplo, o surgimento da vida e manutenção desta em meio a zilhões de partículas, vácuo, energia e outros jargões da química. Mas a religião carece de princípios sólidos, assim esses mesmos argumentos podem ser usados igualmente pelos ateus.
“Mas se Deus é as flores e as árvores / E os montes e o luar e o sol, / Para que lhe chamo eu Deus? / Chamo-lhe flores e árvores...” (F. Pessoa: Alberto Caeiro)
E mais: “Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas, / Rio como um regato que soa fresco numa pedra. / Porque o único sentido oculto das cousas / É elas não terem sentido oculto nenhum.” (idem)
Ou seja, independente de Deus existir ou não, é o modo como o homem vê as coisas, subordinadas ou não a um princípio – oculto – supremo, que distingue um ateu de um fiel. Em suma, enquanto a ciência tem princípio e argumentos, a Teologia só tem argumentos. E mesmo que tivesse princípio, como um milagre por exemplo, nem mesmo o estatuto de ciência, de que a Teologia se arroga, lhe traria um critério de certeza. Afinal, alguém pode dizer um dia que a Terra não gira em torno do Sol nem o contrário, mas uma terceira coisa. A religião tem, entretanto, uma motivação interna. Neste sentido podemos falar em princípios psicológicos ou sociológicos da religião. No entanto, se alguém segue a religião, cristã pelo menos, admite, ou pelo menos deveria admitir, uma motivação externa, isto é, Deus, que no caso deveria existir.
A pessoa que tem fé não está preocupada com princípio, argumento, motivação interna ou coisa assim, ela SENTE Deus. Portanto, ela não acredita tanto que Deus – externo – existe, mas antes na sensação – interna – de que Ele existe, não há causalidade. Até porque, se houvesse, não seria fé, mas conhecimento, como 2 e 2 são 4. O que caracteriza a fé é justamente o fato de ser absurda. Não obstante, isso é bom ou ruim?
o elogio da fé muitas vezes parte de ateus, sob a alcunha de otimismo. Onze em cada dez pessoas acham bom ser otimista. Doze erram. Não seria o pessimismo uma forma de otimismo? Antes uma dura verdade que uma doce ilusão. Ou é melhor ser louco e feliz? Não, pois a lucidez subsiste sem felicidade, mas a felicidade não subsiste sem lucidez (o contentamento sim). A lucidez deve vir antes, pois, como causa da felicidade. Suponhamos o contrario: se a felicidade vier antes, por meio da fe ou da loucura, e alucidez depois. A afirmação “sou feliz” seria destituída de sentido, pois um louco pode bem ser infeliz e falar o oposto, mais do que isso, falar palavras sem sentido. É o que acontece à palavra “Deus”. É talvez hiperbólico e “de má fé” (sem trocadilho) comparar a fé à loucura, mas ambas sugerem incoerência, ilusão. A diferença objetiva é dada pela neurologia mas, em casos subjetivos, a diferença da fé é que é aceita por 99% do planeta, enquanto a “insanidade moral” ou psicológica se caracteriza por casos isolados (eis porque, por tanto tempo, o homossexualismo foi considerado distúrbio psicológico). Dois loucos não só não entendem os sãos como não se entendem entre si, ao passo que dois crentes se entendem mutuamente, apesar de o ateu não entende-los.
Mas como fica o ateu? Não fica? Finge participar de uma religião, mesmo que não encontre nela um sentido para a vida, a fim de se inserir à sociedade? Isola-se como minoria e faz passeatas? Porque ser ateu é quase como ser gay, pois o gay não tenta “converter” o hétero ou “se converter” em heterossexual, e sim procura outro gay, assim, um ateu procuraria outro ateu. Ou entende a fé como algo dinâmico, que se pode perder e adquirir, possibilitando um ateísmo militante? Ou ainda pensa o ateísmo, bem como a religião, como algo genético? Uma opinião pessimista pois, mesmo sabendo que “nunca vou ter fé”, como diria Cazuza, sabe-se que certas pessoas nunca vão duvidar. Assim se criaria um conflito inevitável, levando ao massacre ou à marginalização dos ateus (bem feito, diriam os crentes).
Enfim, sem ceder ao agnosticismo, a solução talvez fosse um ateísmo heurístico, pressupondo para tanto um ateísmo natural.

(Otávio)

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Entrevista com o Vampiro (contista, 82)

O entrevistado é um geminiano, de 14 de junho, que não gosta de ceder entrevistas, por Fernando alguma coisa, há uns 30 anos atrás. Transcrevo aqui, obedecendo à concisão, uma paráfrase:

...um homem magro, cabelos grisalhos, óculos pequenos, aparentando uns cinqüenta e poucos anos: Dalton Trevisan.
...Não era entrevista, e sim uma conversa.
...Dalton Trevisan acorda cedo, escreve pela manhã num pequeno escritório no jardim de sua casa. Esse escritório é conhecido em Curitiba como a 'cabana do Vampiro'.
...Passei a fazer perguntas sobre o começo de sua carreira. Dalton foi logo cortando:
- Não gosto de falar de mim. Coelho Neto e Octávio de Faria falaram muito deles próprios e se esqueceram da obra. Hoje ninguém mais os conhece. O autor não vale o personagem, só a obra interessa. O conto é sempre melhor que o contista.
...Coloca Rubem Fonseca e Clarice Lispector muito à sua frente...
- Se você quer ser mesmo um escritor, não pode deixar de ler esta trilogia do Machadinho. E aponta na estante Dom Casmurro, Quincas Borba e Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Dalton sustenta que os dois estilistas da nossa língua são Machado de Assis e o padre João Ferreira d'Almeida, o tradutor da Bíblia, 'o único livro que a gente não pode deixar de ler'.
Recomendou também os russos Tolstoi, Tchekov, Dostoievski. Destacou a importância de Cartas a um jovem poeta, de Rilke.
...Dalton cita Hemingway: 'Quanto mais infeliz na infância, melhor será o escritor' ... Kafka, Fassbinder e até Woody Allen. 'Manhattan é uma obra de arte' - os filmes de Fellini, Bergman... acredita na importância da discussão com os amigos...
- Para um bom escritor são importantes sobretudo as paixões desgraçadas, as dores de cotovelo, as frustrações, as crises de hemorróidas.
...Justifica-se da crítica de ser pessimista na sua obra, mas não acredita numa boa história formada pçor alegrias do começo ao fim: 'A realidade não é assim'.
- 'Lembra-se daquela surda-muda com quem você saiu e que só gemia?' - perguntou um amigo saudoso...
...Dalton destacou a importância das contradições religiosas na vida de um escritor.
- Se quer ser um, deve acreditar em demÔnio, deve ser confuso com as crendices religiosas...

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Jefferson e Wellington



Minha primeira crônica pra valer, feita numa oficina no solar do rosário, ministrada pela escritora Isabel Furini:

Jefferson já tomara seu café, odiava caviar, mas fazia questão de comer logo de manhã, pra passar mal o resto do dia. Saiu à janela, olhou a rua, vazia, olhou o céu, cinzento. Um caminhão vinha lentamente, um lixeiro encharcado da chuva se virava para pegar lixo por lixo e jogar no caminhão, era Wellington, sem seus companheiros, só ele e o motorista.

Jefferson contemplava Wellington, que tropeçou e caiu, em cima justamente de seu lixo, cheio de latinhas de caviar, que cortaram o dedão direito da mão e o rosto do lixeiro que, por sinal, nem percebeu o sangue escorrer, em meio a chuva, suor e sujeira.

Jefferson percebeu e, movido por um sentimento estranho, correu levantá-lo, sua assistência foi pouca, tudo que fez foi dizer:

- Está tudo bem? Então corre que o caminhão está indo embora!

O lixeiro odiava aquele bairro nobre, uma vez por mês se cortava naquelas latinhas nojentas.

Aquele episódio foi o suficiente para Jefferson passar o resto do dia na suposta boemia de afogar-se em lembranças, bebendo seu whisky francês. Pensou em toda aquela sua vidinha de trinta anos jogados fora, na qual tudo que soube fazer foi aquilo que os outros já sabiam que faria, seguir as regras da etiqueta e das boas maneiras e comer caviar.

Otávio, em 2002

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Rodrigo Madeira no wonka

Um tempo atrás eu ia lá na praça da espanha pra ler poesia com uma galerinha q escrevia, uma das vezes tava lá o Rodrigo, ele leu então uma poesia dele inspirada por uma prostituta q ele conheceu no gato preto, lésbica e prostituta. O nome da poesia era natureza-morta. Lembro q gostei. Em 2006 ele venceu o Helena Kolody na categoria paraná. Agora dia 22 publicou "Sol sem pálpebras" no Wonka bar. Tá lá o natureza-morta. Muito bom mesmo.

natureza-morta
no gato preto
hoy estoy besando un beso;
estoy solo con mis labios.
pedro salinas
teu beijo deve ter gosto de ácido de bateria
do licor das enzimas e vaginas
dos dentes do silêncio
de vestido azul sobre a cama
teu beijo deve ter gosto
do horizonte bordado de barcas
de peixe que se esbate no raso
e dos fôlegos das conchas
deve ter gosto
de margarida brotada na lua
de sangue na paleta da tarde
dos becos úmidos da cidade
da noite que aperta entre as coxas
teu beijo deve ter gosto
de lábios só saliva
das flores negras das axilas
de lesma atravessando o pátio
deve ter gosto
do amanhã, as raízes e hastes
de respiração boca a boca
dos corpos no escuro
de nuvens carregadas e mordaças
teu beijo deve ter gosto das lâminas
do aceiro de âncoras
da gasolina do açúcar
do fruto nem nascido
dos lábios da ferida
teu beijo deve ter gosto de língua
Rodrigo Madeira
Valeu a galera que me apresentou o WoNkA.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

citações

Ei! Qu@l eh o seu p®o(bl)ema?

Curso pré vest. = E agora vc.
Na cama que escolherei – Bom dia, poetas velhos
Meu amor eu não me esqueço (Marta) Não se esqueça por favor Que voltarei depres_
sa Tão logo a noite acabe Tão logo este tempo pas_
se
Parabeijarvocê.
Inglês – já não pode beber
Básico – já não pode fumar
Batel = cuspir já não pode
Quando vi flor encantada me encantei por ela, quando vi. E agora José (vc q eh s/ nome)
Não quero ser triste, como o poeta que envelhece lendo Maiakovski na loja de conveniênciasQUANDO
...te cansares de tudo, olha tua mão e te diz: estou cansado de tudo.
De que serve uma sensação se há uma razão exterior para ela? (levanto a mão, é uma mão de macaco) Sim, ser vadio e pedinte como eu sou não é ser vadio e pedinte o que é corrente: é ser isolado na alma (isso é que é ser vadio) é ter que pedir aos dias que passem e nos deixem (isso é que é ser pedinte).
‘Uns’ te preferem suicida
eu te quero (terei a mulher que quero) pela vida que celebraste na flauta de uma vértebra patética (José, e agora?) molhada no sangue rubro de um crepúsculo de outubro (se bem me lembro) armandoglaucodalton: o pauloleminski é um cachorro louco (o filhodaputa)
me-vou em! (Vem, vambora!) Bora pra Pasárgada!
Quando as amantes e o amigo te transformarem num trapo faça um poema, (V. Perneta des. Motta – Claris_
se) vo-cê-mar-cha-Jo_
sé Joseparaonde? faça um poema, JoaquimQUE
...me vale o teu amor, Ziza, se o que eu vejo é o viaduto e muitos, muitos carros? Material did. (Samara) Meu amor é simples, Dora, – mensal – como a água e o pão. Como o céu refletido
Nas pupilas de um cão.
Lembrar: meu bem, talvez você possa compreender a minha solidão.

P.S.: Coitado do Álvaro de Campos, tão isolado na vida, tão deprimido nas sensações (coitado dele), enfiado na poltrona de sua melancolia (coitado dele).

(des)organização: Otávio

domingo, 20 de maio de 2007

Pingos no i - de como ser otávio é ser pseudo

Acreditar que autor e narrador têm uma ligação direta é tão ignorante quanto afirmar "estudo demais deixa louco". É óbvio que o narrador tem uma ligação forte com o autor, mas os autores policiais não são assassinos, Goethe escreveu Werther com muita pessoalidade mas não se matou, e talvez até os autores de best-sellers não sejam tão ignóbeis quanto suas obras.
Ora, se é para ser freudiano, quem diz que ‘toda ficção é autobiográfica’ deve ser tão bitolado que nunca conseguiu escrever nada que não fosse autobiográfico. É como dizer que o dentista é um dente ambulante ou que o escriturário é um arquivo em pessoa. É fácil repetir "os conceitos da psicanálise vulgarizada" (como diria Adorno) sem dar argumentos para isso. Maiakovski e Torquato Neto, para ficar só com dois exemplos, suicidaram-se. Manuel Bandeira tinha tuberculose, etc. Porém o legado desses poetas transcende qualquer caráter autobiográfico. Os lugares-comuns psicanalóides que passam de boca em boca são, no mínimo, reducionistas.
A palavra "depressivo" nunca esteve tão na moda, no entanto esquece-se de palavras como "catarse". Infelizmente nem todo mundo tem tempo de ler um livro que seja, como a Poética de Aristóteles, por exemplo. Afinal, estudar demais deixa louco, não é mesmo? Eu tive um professor no cursinho que nos aconselhava só conversar com quem soubesse logarítmo. "Puxou conversa no ponto de ônibus, - dizia ele - você pergunta: - 'sabe logarítmo? Não? Então não fale comigo'". Às vezes tenho vontade de fazer assim: 'leu Machado de Assis? Não? Então não fale comigo'.
Alguém disse que se as pessoas não precisam da filosofia, a filosofia também não precisa das pessoas, o mesmo vale para a literatura. Como diria Fernando Pessoa, "tudo menos importar-me com a humanidade". Ou Nietzsche no prólogo do Anticristo, ao falar de seus poucos leitores: “ que importa o resto? O resto é apenas a humanidade”. Mas concordar com isso seria de uma responsabilidade muito grande, prefiro concordar com Paulo Leminski: “Escrevo e pronto. Tem que ter por quê?”.


Otávio

sábado, 19 de maio de 2007

Clube da esquina


E falando em Minas...
Certas canções que ouço cabem tão dentro de mim
O que vou dizer você nunca ouviu de mim pois minha timidez não me deixou falar por muito tempo, para mim você é a luz que revela os poemas que fiz
Se eu cantar não chore não, é só poesia
Se eu morrer não chore não, é só a lua
Você me quer forte e eu não sou forte mais
Sou o fim da raça, o velho, o que já foi
Da janela lateral do quarto de dormir vejo uma igreja, um sinal de glória, vejo um muro branco e um vôo pássaro, vejo uma grade, um velho sinal.
Vento de maio, rainha dos raios, estrela cadente.
E se no rádio do carro eu escuto a nossa canção
Sol girassol e meus olhos abertos pra outra emoção
E quase que eu me esqueci que o tempo não pára nem vai esperar
Vento de maio, rainha dos raios do sol
Rouxinol me ensinou que é só não temer
Deixar a sua luz brilhar e ser muito tranqüilo
Todo amor será comunhão
O mal não faço
Eu quero o bem
Lô Borges, Milton Nascimento, Fernando Brandt, Ronaldo Bastos e cia ltda

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Des-decomposição




Como separar

a alma do (corpo da alma-do-corpo)?




Otavio, estilo irmaos Campos

Silviano Santiago deu entrevista no Paiol

“Nunca li livro ruim, só fui ler livro ruim na faculdade de filosofia”
“Não me considero infeliz, eu me considero um otimista sem convicção”

sábado, 12 de maio de 2007

Esperando o madrugueiro

- Daê piá!
- Daê.
- Dando um rolê pelo centro?
- É.
- Chegou a ir ali no Danny's?
- Nem fui.
- Vai pegar o colombo também?
- O pinhais.
- Eu morei ali na vila perneta um tempo.
- É?
- E o Catarina, tá funcionando ainda?
- Tá.
- Eu ia lá direto, antigamente.
- Hum...
- Dei umas mancada essa noite.
- O quê?
- Peguei umas vagabunda aí e empenhei o celular de trezentos pau por deizão. E elas não quer nem saber né.
- Pois é.
- Tem um cigarro aí?
- Não fumo.
- Bem que faz. Tem celular?
- Tenho.
- Não quer fazer um jogo nele?
- Não.
- Então, polaco, tem um real pra inteirar o ônibus?
- Pior que não.
- Esquenta não... Falô piá!
- Falô.
- Daê moreno! Dando umas banda aí também?...

Otávio, no terminal Guadalupe

"Saiba: todo mundo teve mãe" (Arnaldo Antunes)


"Saiba: todo mundo teve pai" (Arnaldo Antunes)


Transcrevo trecho da mono de pós: Enxerto gengival. Deficiências dos tecidos moles podem ser corrigidos neste estágio de tratamento. As pequenas depressões teciduais ou as concavidades vestibulares envolvendo a crista, podem ser corrigidas pelo tecido conjuntivo subepitelial enxertado para aumentar o volume vestibularmente, se necessário. A gengivoplastia com broca diamantada é realizada também para corrigir as margens irregulares.