sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Uma história de amor

“Se meus joelhos não... doessem mais...” – a mulher de olhar sonolento cantarola dentro do ônibus. No mesmo banco, o homem de rosto inchado dá golinhos na lata de Skol. São nove da manhã.
- Finalmente, Fofão – a mulher explode – finalmente você provou que me ama!
O homem resmunga alguma coisa entre as grandes maçãs do rosto. O silêncio brilha nos olhos dos passageiros.
- Eu acredito – a mulher ataca novamente – eu acredito que você me ama, Fofão. Não: eu sei que você me ama. – diz com voz embargada de choro. Em seguida ri ou soluça. O homem recebe o abraço sem outra expressão que a de torpor.
“Que me traga fé, traga fé...” – soa baixo e dissonante a voz no ônibus.
- Se você não me queresse, Fofão, eu ficava com o agiota, cheio de dinheiro, um carrão. Hi hi hic hiiiiii ôôôôô Fofão... Eu não quero ele não, quero você que é pobre, não é outro que eu quero, tudo nós lá em casa, minhas filha quer você, a Jéssica, a Roberta... Quê, Fofão? Quê? Aaaaaah! Nós é nós. (Pausa) Que nós, Fofão? Que nós?! Eu!!! Eu, Suzane! Diretoria!
O homem hesita, emenda a primeira sílaba na última, diz coisas ininteligíveis e de atropelo.
- Fala, Fofão, pode falar: quero ficar com a Suzane o resto da vida, vai.
Silêncio.
- Onde cê comprou isso, Fofão?
- Lá... no Aradalupe. Hic.
Pai e filha passam a catraca, a menininha tomando milk-shake de canudinho. Suzane dispara, histérica:
- Que fofa que fofa que fofa que fofa que fofa.
A menina, acostumada, agradece e sorri, o pai lança um olhar sério a Suzane, mas esta continua com ódio:
- Que fofa que fofa que fofa.
Pai e filha vão se sentar no fundo.
- Viu só, Fofão? Ah cala a boca! Também olha o diabo que tá do meu lado! Olha o demônio que tá comigo, é o homem que eu amo esse diabo, é o meu homem esse demônio. “Valeu a pena êh êh, valeu a pena ôh ôh”, é do Corinthians – diz cuspindo – é do timão, hehe. Eô! Eô! – grita. – Eu te amo, fofão, te amo, não vou ficar com o agiota.
(Otávio)

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