E quem não se emociona com o momento d'O Estrangeiro em que o velho Salamano, vizinho do narrador/personagem Mersault, perde o único amigo, seu cão: parceiro de quarto e de feridas?
"[...]De longe, distingui na soleira da porta o velho Salamano, com um ar agitado. Quando nos aproximamos, reparei que não estava com o cão. Olhava para todos os lados, dava voltas em torno de si mesmo, tentava penetrar com os olhos na escuridão do corredor, resmungava palavras sem nexo e recomeçava a observar a rua com os seus olhinhos avermelhados. Quando Raymond lhe perguntou o que havia, não respondeu logo. Ouvi vagamente que ele murmurava: "imundo, nojento" e continuava a agitar-se. Perguntei-lhe onde estava o cão. Respondeu-me bruscamente que fora embora. E, depois, de repente, falou de novo, rápido:
- Levei-o, como de costume, ao Campo de Manobras. à volta dos barracos da feira, havia muita gente. Parei para olhar o Rei da Evasão. E, quando quis ir embora, ele já não estava mais lá. Há muito tempo que eu queria comprar uma coleira menor. Mas nunca pensei que esse cão nojento fosse embora assim. [...] Vão tomá-lo de mim, compreende. Pelo menos se alguém o recolhesse... Mas não! Com aquelas feridas enoja todo mundo. A carrocinha vai apanhá-lo, tenho certeza.[...]
Convidei-o a entrar, mas ele não quis. Olhava para as pontas dos sapatos e as mãos cheias de crostas tremiam. Sem me encarar, perguntou-me:
- Não vão tirá-lo de mim, não é, Sr. Mersault? Vão devolvê-lo, não vão? Senão, o que vai ser de mim?[...] (trecho de "O estrangeiro" de Albert Camus)
quinta-feira, 12 de julho de 2007
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Um comentário:
digno de clássico, meu amigo.
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