terça-feira, 19 de junho de 2007

Variações do mesmo tema

A questão do ateísmo implica, pelo menos, três outras: (i) existência de Deus; (ii) fé e (iii) sentido da vida.
Quando alguém se diz ateu, não está dizendo que Deus não existe mas, no máximo, que não acredita que Deus exista. Pois é diferente dizer "a Terra gira em torno do sol" de dizer "Copérnico crê que a Terra gira em torno do sol”. Porém, ao contrário do movimento da Terra, não se pode provar que Deus existe nem que não existe. Alguns filósofos da ciência afirmam que nem mesmo o movimento da Terra nem qualquer coisa se pode provar. Para provar algo é preciso argumentos e princípios. A Teologia e a ciência compartilham dos primeiros. Os argumentos da religião são, por exemplo, o surgimento da vida e manutenção desta em meio a zilhões de partículas, vácuo, energia e outros jargões da química. Mas a religião carece de princípios sólidos, assim esses mesmos argumentos podem ser usados igualmente pelos ateus.
“Mas se Deus é as flores e as árvores / E os montes e o luar e o sol, / Para que lhe chamo eu Deus? / Chamo-lhe flores e árvores...” (F. Pessoa: Alberto Caeiro)
E mais: “Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas, / Rio como um regato que soa fresco numa pedra. / Porque o único sentido oculto das cousas / É elas não terem sentido oculto nenhum.” (idem)
Ou seja, independente de Deus existir ou não, é o modo como o homem vê as coisas, subordinadas ou não a um princípio – oculto – supremo, que distingue um ateu de um fiel. Em suma, enquanto a ciência tem princípio e argumentos, a Teologia só tem argumentos. E mesmo que tivesse princípio, como um milagre por exemplo, nem mesmo o estatuto de ciência, de que a Teologia se arroga, lhe traria um critério de certeza. Afinal, alguém pode dizer um dia que a Terra não gira em torno do Sol nem o contrário, mas uma terceira coisa. A religião tem, entretanto, uma motivação interna. Neste sentido podemos falar em princípios psicológicos ou sociológicos da religião. No entanto, se alguém segue a religião, cristã pelo menos, admite, ou pelo menos deveria admitir, uma motivação externa, isto é, Deus, que no caso deveria existir.
A pessoa que tem fé não está preocupada com princípio, argumento, motivação interna ou coisa assim, ela SENTE Deus. Portanto, ela não acredita tanto que Deus – externo – existe, mas antes na sensação – interna – de que Ele existe, não há causalidade. Até porque, se houvesse, não seria fé, mas conhecimento, como 2 e 2 são 4. O que caracteriza a fé é justamente o fato de ser absurda. Não obstante, isso é bom ou ruim?
o elogio da fé muitas vezes parte de ateus, sob a alcunha de otimismo. Onze em cada dez pessoas acham bom ser otimista. Doze erram. Não seria o pessimismo uma forma de otimismo? Antes uma dura verdade que uma doce ilusão. Ou é melhor ser louco e feliz? Não, pois a lucidez subsiste sem felicidade, mas a felicidade não subsiste sem lucidez (o contentamento sim). A lucidez deve vir antes, pois, como causa da felicidade. Suponhamos o contrario: se a felicidade vier antes, por meio da fe ou da loucura, e alucidez depois. A afirmação “sou feliz” seria destituída de sentido, pois um louco pode bem ser infeliz e falar o oposto, mais do que isso, falar palavras sem sentido. É o que acontece à palavra “Deus”. É talvez hiperbólico e “de má fé” (sem trocadilho) comparar a fé à loucura, mas ambas sugerem incoerência, ilusão. A diferença objetiva é dada pela neurologia mas, em casos subjetivos, a diferença da fé é que é aceita por 99% do planeta, enquanto a “insanidade moral” ou psicológica se caracteriza por casos isolados (eis porque, por tanto tempo, o homossexualismo foi considerado distúrbio psicológico). Dois loucos não só não entendem os sãos como não se entendem entre si, ao passo que dois crentes se entendem mutuamente, apesar de o ateu não entende-los.
Mas como fica o ateu? Não fica? Finge participar de uma religião, mesmo que não encontre nela um sentido para a vida, a fim de se inserir à sociedade? Isola-se como minoria e faz passeatas? Porque ser ateu é quase como ser gay, pois o gay não tenta “converter” o hétero ou “se converter” em heterossexual, e sim procura outro gay, assim, um ateu procuraria outro ateu. Ou entende a fé como algo dinâmico, que se pode perder e adquirir, possibilitando um ateísmo militante? Ou ainda pensa o ateísmo, bem como a religião, como algo genético? Uma opinião pessimista pois, mesmo sabendo que “nunca vou ter fé”, como diria Cazuza, sabe-se que certas pessoas nunca vão duvidar. Assim se criaria um conflito inevitável, levando ao massacre ou à marginalização dos ateus (bem feito, diriam os crentes).
Enfim, sem ceder ao agnosticismo, a solução talvez fosse um ateísmo heurístico, pressupondo para tanto um ateísmo natural.

(Otávio)

Um comentário:

Giuliano Gimenez disse...

sou um ateu que procura um gay