sábado, 19 de dezembro de 2009
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Citação
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Crepúsculo
Apresentei dia desses, a um camarada meu de Curitiba, algumas das famosas praias do Rio de Janeiro: Flamengo, Urca, Leblon e Arpoador, interessante, pois já me sentia pouco à vontade ou desacostumado com vários aspectos bem próprios dos litorâneos, ainda mais dos cariocas e fluminenses, meus conterrâneos, às vezes citadinos tão soberbos de seu litoral, cuja fama e beleza é proporcional à desfiguração da cidade, mascarada para o mundo de Globo e Olimpíadas. Contudo, aqui existem pedras e existem orlas, praias onde não fiz castelos de areia, mas caminhei sobre os avatares do horizonte; há mais de seis anos não subo os mirantes que dão ornamento às encostas e quebra-mares, que, para mim, sempre foram a parte mais fascinante de um litoral, assim como a maresia da noite; ironicamente nem mesmo os meus pés se equilibram naquelas pedras com a mesma flexibilidade de antes, me esqueci até o simples hábito de lavar o chinelo no mar e tirar a areia enquanto se anda descalço no calçadão, ex-carioca mesmo; revisitar um lugar, parece uma nova permissão, a distância nos veta a presença física, regressos, somos licenciados da distância, no entanto agora, apesar da licença, sinto-me embargado no estranho deslocamento da memória. Por fim, tivemos o brinde amargo do calor e o crepúsculo de um sol anátema; dizem os meteorologistas que estamos sob um pico extraordinário de calor, provavelmente dirão o mesmo ano que vem. Ah o sol, causticamente desolador, implacável tal qual o amanhecer que te chama para o cotidiano e não para o mar, esse mesmo sol gerador do calor que de tão quente morrerá como o escorpião suicida quando cercado pelo fogo; sossegados, isso é para daqui a dez bilhões de anos, ele se transformará em carbono e tudo será uma senescente estrela anã branca.
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
domingo, 27 de setembro de 2009
Conversa de botequim
terça-feira, 8 de setembro de 2009
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
AOS ÓCULOS
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Arnaldo Jabor, sobre Edir Macedo
Citação
ou da água, tendo no fundo o céu,
não pensem que me apaixonei por mim.
Não: bom é ver-se no espaço diáfano
do mundo, coisa entre coisas que há (...)
Antonio Cicero, O País das Maravilhas
sábado, 8 de agosto de 2009
teoria da conspiração: gripe a em curitiba
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Ainda sobre o amor
(Rubem Braga, "Sobre o Amor, etc." in 200 crônicas escolhidas)
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
O amor acaba
domingo, 19 de julho de 2009
Camus no Brasil
quinta-feira, 11 de junho de 2009
Elogio da Astrologia
Além disso, meu signo nunca falou muito mal de mim. Pelo contrário, disse sempre que sou inteligente, criativo, comunicativo, empreendedor, que tenho bom coração... e com uma tal entonação, com tamanha ênfase, que chego a ter pena dos outros signos, provavelmente uns idiotas miseráveis. Ao fim, posso fechar o jornal ou desligar o rádio assobiando e tomar meu café com pose de intelectual, olhando o crepúsculo pela janela com a sensibilidade que só os grandes espíritos têm. E se alguma vez meu signo falou mal de mim, posso dizer que o fez com simpatia e cumplicidade, tipo: você pode até não se dar bem no trabalho, nem no amor, espantar os amigos, ser expulso da família, mas tudo isso acontece sempre com os melhores geminianos. Quer dizer, além de cético, o horóscopo é determinista, o que é ótimo, já que a doutrina do livre-arbítrio desperta demais meu complexo de culpa.
Fico pensando no astrólogo quando se depara com a tarefa de descrever seu próprio signo. Deve escolher diligentemente as melhores qualidades, cuidando para evitar contradições como "extrovertido, reservado..." e, ao final, para dissipar qualquer suspeita, colocar: "Além de tudo, as pessoas deste signo costumam ser muito modestas". Sem falar que, ao tratar dos defeitos, a simpatia e a cumplicidade se tornariam uma complacência, uma condescendência tal, de dar inveja ao "vá em paz" de Jesus.
E o principal, the last but not the least: mais do que cético e determinista, o horóscopo não emite juizos morais - longe de ser prescritivo como as religiões éticas, é antes descritivo como as religiões mágicas. Está mais próximo, pois, juntamente com todo esoterismo, da mitologia que da filosofia, do politeísmo que do monoteísmo, do ser que do dever ser. Consequentemente - e era aqui que eu queria chegar - está mais preocupado com esta vida do que com uma eventual além-vida. E é por essas e outras que sou chegado numa Astrologia, que "pago pau" pros caras, porque no fundo, afinal, amomuitotudoisso. Mas como diria Gilberto Gil: até que nem tanto esotérico assim... Ou não.
terça-feira, 9 de junho de 2009
Citação
domingo, 7 de junho de 2009
Ao mar*
Como é longa essa viagem de volta. Os fins de tarde sobre o mar e essa passagem do sol poente à noite são os únicos momentos em que sinto o coração um pouco descontraído. Terei sempre amado o mar. Ele terá sempre apaziguado tudo dentro de mim.
Terrível mediocridade desse meio. Até agora, não me sujeitei uma única vez à mediocridade que podia me envolver. Até agora. Mas aqui, essa intimidade vai longe demais. E em todos, ao mesmo tempo, esse algo que poderia ir adiante, se apenas...
Dois seres jovens e belos começaram um idílio neste navio, e logo uma espécie de círculo mau fechou-se à sua volta. Esses começos de amor! Eu os amo e aprovo do fundo do coração - até mesmo com uma espécie de gratidão pelos que preservam, neste convés, no meio do Atlântico reluzente de sol, a meio caminho de continentes loucos, as verdades da juventude e do amor. Mas por que não chamar pelo nome também essa inveja que sinto no coração e o desejo tumultuado que se apodera de mim no sentido de redescobrir o coração impaciente que eu tinha aos 20 anos. Mas conheço o remédio, vou olhar para o mar durante muito tempo.
Tristeza por sentir-me ainda tão vulnerável. Daqui a 25 anos, terei 57. Portanto, 25 anos para fazer a minha obra e encontrar o que procuro. Depois, a velhice e a morte. Sei qual é o mais importante para mim. E encontro, ainda, o meio de ceder às pequenas tentações, de perder tempo em conversas vãs ou passeios estéreis. Dominei duas ou três coisas em mim. Mas como estou longe dessa superioridade de que tanto necessito.
Maravilhosa noite sobre o Atlântico. Essa hora que vai do sol desaparecido à lua apenas nascente, do oeste ainda luminoso ao leste já escuro. Sim, amei muito o mar - essa imensidão calma - esses sulcos recobertos - essas estradas líquidas. Pela primeira vez, um horizonte à altura de uma respiração de homem, um espaço tão grande quanto sua audácia. Sempre estive dilacerado entre o meu apetite pelos seres, a vaidade da agitação e o desejo de me tornar igual a esses mares de esquecimento, a esses silêncios desmedidos, que são como o encantamento da morte. Tenho o gosto das vaidades do mundo, dos meus semelhantes, dos rostos, mas, fora do meu tempo, tenho uma regra própria que é o mar e tudo nesse mundo que se lhe assemelha. Ó suavidade das noites, em que todas as estradas oscilam e deslizam por cima dos mastros, e esse silêncio em mim, esse silêncio, afinal, que me liberta de tudo.
quinta-feira, 4 de junho de 2009
Contra-senso
quarta-feira, 3 de junho de 2009
domingo, 31 de maio de 2009
A igreja dos ateus
Bom, uma igreja não é uma igreja se não distinguir, desde já, o certo e o errado, o bem e o mal. Pois bem, o mal está no agnosticismo, que dissemina a falta de fé entre os ateus, levando-os a um quadro de niilismo profundo, chegando às vezes a evoluir para o suicídio. Assim, já que eu me auto-elegi para fundar esta igreja, tratei de escolher um representante do ateísmo no mundo animal: tenho aqui uma tartaruga, já bem velhinha, apontei pra ela e disse “tu és a pedra, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja e as portas do agnosticismo não prevalecerão contra ela”. Como ela não disse nem que sim nem que não, assim que ela morra, farei do seu casco, oco como a vida, a pedra angular de nossa igreja.
Outra lição que tiramos dos nossos colegas cristãos é a de dividir o trabalho em ministérios ou pastorais, para dar a impressão de engajamento e seriedade. Logo, em homenagem a ateus famosos, resolvi que os ministérios seriam, pra começar, três: o Ministério Dráuzio Varella, de cura e libertação; o Ministério Oscar Niemeyer, das causas sociais; e o Ministério Caetano Veloso, de louvor e adoração. Assim, com um representante de cada grande área, biológicas, exatas e humanas, demasiado humanas, será mais fácil dominar o mundo.
Os livros sagrados também podem começar com três: na base do velho testamento ficará “Assim falou Zaratustra” do profeta Friedrich Nietzsche; no novo testamento, Simone de Beauvoir emplacará com “Todos os homens são mortais”, onde explica que as mulheres, sim, é que são imortais; e o catecismo ficará por conta de Michel Onfray, com seu “Tratado de ateologia”. Nos próximos concílios, poderá ser negociada a entrada de Russel, com “No que acredito”, censurado como apócrifo devido à positividade subversiva do título. No índex entrará toda Patrística e Escolástica, além do Pe. Vieira.
terça-feira, 19 de maio de 2009
tem piedade, satã, desta longa miséria!
segunda-feira, 18 de maio de 2009
DIALÉTICA
sexta-feira, 15 de maio de 2009
sábado, 2 de maio de 2009
Nazismo em Curitiba
sexta-feira, 1 de maio de 2009
sábado, 18 de abril de 2009
de Graciliano para Heloísa
domingo, 12 de abril de 2009
sexta-feira, 10 de abril de 2009
segunda-feira, 9 de março de 2009
Camus (3)
"Noite de insônia. O dia todo, passeio uma cabeça oca e um coração vazio. O mar está mau. O céu fechado. O convés deserto. Além disso, desde Dacar não somos mais do que uns vinte passageiros. Cansado demais para descrever o mar hoje". (Albert Camus, Diário de Viagem. América do Sul, 8 de julho de 1949)
terça-feira, 3 de março de 2009
Mais uma de ônibus
O ligeirinho pára no tubo, entro pela porta da frente. Passo o olho pelo interior do ônibus. Um gordo em pé, mal acomodado na parte reservada a cadeiras de roda, olha para trás, como se procurasse alguém. Seu pescoço, todo torcido, não me deixa ver seu rosto, de modo que vejo apenas sua mandíbula ruminando um chiclete.
Procuro olhar a rua, molhada da chuva. À minha frente um banco vazio, nele uma pequena poça de água dança de um lado a outro, embalada pelo andar do veículo. Sem querer, minha vista encontra o gordo de novo, olhando para trás outra vez.
De repente o motorista freia, ou bate, meus pés pulam do piso. Todos gritam, fazem exclamações, uns riem. Nesta fração de segundo, olho o lugar das cadeiras de roda, desta vez o gordo não olha para trás. Do ferro em que está sentado, é lançado num salto para frente, batendo com o rosto contra o ferro de segurar-se. Após o choque, afinal consigo ver seu rosto, o olhar com alto grau de estrabismo, o que lhe dá um ar de perdido. “Então ele era vesgo”, pensei, “ou ficou agora”?
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
O sexo dos anjos
Meu amor, eu te ofereço
Toda minha falta de assunto
Minha ausência de vaidade
Que nem chega a ser modéstia
Meu pé descalço
Minha cabeça raspada
Meu corpo no escuro
E te ofereço o meu silêncio
Minha boca calada
Minha respiração sincopada
Meu sopro no coração
Minha caixa torácica
E te ofereço minha solidão
Minha mão sem anéis
Meu pulso cortado
Minha fratura exposta
Minha flauta vertebrada
E não te peço nada em troca
Não te peço nada
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
A timidez segundo Luis Fernando Veríssimo
(Luis Fernando Veríssimo, "Da timidez", extraído de: Comédias da Vida Pública, L&PM, encontrado aqui, onde tem o texto completo)
domingo, 15 de fevereiro de 2009
just like heaven
"Show me show me show me how you do that trick
The one that makes me scream" she said
"The one that makes me laugh" she said
And threw her arms around my neck
"Show me how you do it
And I promise you I promise that
I'll run away with you"
Spinning on that dizzy edge I kissed her face and kissed her head
And dreamed of all the different ways I had
To make her glow
"Why are you so far away?" she said
"Why won't you ever know that I'm in love with you
That I'm in love with you"
You
Soft and only
You
Lost and lonely
You
Strange as angels
Dancing in the deepest oceans
Twisting in the water
You're just like a dream
Daylight licked me into shape
I must have been asleep for days
And moving lips to breathe her name
I opened up my eyes
And found myself alone alone
Alone above a raging sea
That stole the only girl I loved
And drowned her deep inside of me
You
Soft and only
You
Lost and lonely
You
Just like heaven
domingo, 8 de fevereiro de 2009
domingo, 1 de fevereiro de 2009
Mais uma noite sem sono
Ler um texto é sempre muito solitário, sobretudo quando se vê, pelo reflexo da janela no seu monitor, que constroem muros do outro lado da rua. Mas, cá entre nós, que sabem eles das estrelas? É uma questão de lembrar que uma estrela existe, mesmo que esteja bem longe, e que ela pode brilhar, mesmo que não exista. Sim, porque as estrelas têm o humor que só os suicidas sabem ter, os suicidas que deixam sobre a mesa apenas um bilhete engordurado dizendo "fui", talvez "adeus" e quem sabe até "I love you, I love you, I love you".
E o leitor que não ria: sofresse da insônia que eu sofro, também transformaria seu quarto num planetário, onde há apenas a lua e uma estrela, que não existe. Mesmo que descobrisse depois, num artigo de Astronomia, que era tudo mentira. Afinal, que sabem os astrônomos das estrelas? Talvez eu ainda possa contar esta história num desses muitos momentos da vida em que nos falta assunto. Quero dizer, não quando se está conversando e a conversa esfria, digo quando nos falta assunto a nós mesmos, quando se está sozinho no escuro, às três da manhã, e não há mais nada pra pensar.
O telefone está cortado, ninguém irá ligar e dizer: "eu sabia que você estava acordado, eu também estava..." Não, o telefone já não pode inspirar mais esperança que uma lâmpada fluorescente. Logo mais, às quatro horas, o jornaleiro virá de moto e eu ouvirei o som do jornal caindo no chão, e o barulho da moto irá diminuindo, diminuindo, até sumir. E eu finalmente fecharei os olhos, devagar, e pegarei carona com o jornaleiro. E iremos, então, até o infinito.
sábado, 31 de janeiro de 2009
Para Chico Buarque
Tentei chegar do nada
Também nada perguntar
Mas eu só tinha essa aguardente
Tão amarga de tragar
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
Entrevista com Sam Mendes
Existencialista é um adjetivo que pode ter muitos significados. Eu não sei se o que faço é existencialismo. Talvez Soldado Anônimo o fosse. Aquele filme era (Albert) Camus. Não é por acaso que um personagem aparece lendo O Estrangeiro, de Camus. Se existe uma questão constante no que eu filmo, é o fato de sempre haver uma pessoa em crise, que está perdida, sem algo que a guie. Assim eram Kevin Spacey em Beleza Americana e Tom Hanks em Estrada para Perdição. Como artista, é difícil conceituar as raízes daquilo que buscamos. Veja, eu amei O Lutador, um filme simples, emocionante, que traz um ator no melhor de si. Se um crítico me pedisse para explicar o que me atrai nessa simplicidade, eu não saberia dizer.
Fonte: Gazeta do Povo (Caderno G), 28 de janeiro de 2009.
P.S.: Quem é Sam Mendes?
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
posse de Obama
terça-feira, 20 de janeiro de 2009
Morte aos suicidas
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
domingo, 18 de janeiro de 2009
Autismo
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"não há um consenso sobre o que sejam verdadeiramente uma psicose infantil ou um autismo infantil" Maria Cristina Kupfer, Educação para o futuro, Psicanálise e educação, 2000.
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"Quem faz o diagnóstico é o psiquiatra infantil. Já o tratamento deve ser feito por uma equipe multidisciplinar. (...) No Brasil há divergência, fora não. Aqui os pais passam por uma via-crúcis, cinco, seis profissionais" Vadasz
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"Um dos principais entraves ao avanço dos estudos sobre a psicose infantil e o autismo está na disputa diagnóstica. A falta de concordância entre profissionais impede, logo de saída, qualquer estudo epidemiológico e dificulta enormemente as trocas científicas, já que os pesquisadores não estão falando do mesmo objeto de pesquisa - o autista do neurologista não é o autista do psicanalista" Kupfer
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"Há 30 anos pensava-se que o autismo era uma doença ou síndrome causada pela baixa qualidade na relação entre as mães e os filhos..." Vadasz
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"uma mãe sustenta para seu bebê o lugar de Outro primordial. Impelida pelo desejo, antecipará em seu bebê uma existência subjetiva... Desenhará com seu olhar, seu gesto, com as palavras, o mapa libidinal que recobrirá o corpo do bebê, cuja carne sumirá para sempre sob a rede que ela lhe tecer. (...) Quando esses atos de reconhecimento recíproco começam a falhar e se perde a sua constante realimentação, vemos surgir, logo por volta de seis meses de idade, os primeiros traços autistas. O bebê não olha para ninguém e evita especialmente o rosto materno... o bebê sentado não fixa a cabeça, que cai para o lado, já que não há por que olhar. Mais tarde, a boca, não erotizada, não recortada pelo trabalho materno de fazer nascer - nisso que é pura carne, pura necessidade - a pulsão oral, estará sempre semi-aberta... a criança exibirá uma baba constante, a deslizar por entre seus lábios moles" Kupfer
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"...Hoje sabemos que se trata de um transtorno biológico do desenvolvimento do sistema neurológico" Vadasz
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"O autismo de Kanner* nasce em estreita conexão com a culpabilização das mães. Em movimento oposto, são desculpabilizadas pela psiquiatria biológica: o problema está na falha dos neurotransmissores, dizem esses teóricos. Independentemente de que isso efetivamente possa ocorrer - embora não se saiba se é o autismo que a provoca ou se é o contrário - o uso que a sociedade faz disso é o seguinte: ao serem desculpabilizadas (e precisam sê-lo, pois efetivamente não têm culpa), são pelo mesmo ato desresponsabilizadas" Kupfer, grifos meus
*"Kanner oscilou, no transcurso de seus textos, entre considerar a dimensão do orgânico na etiologia do autismo - uma síndrome genética - e enfatizar as relações mãe-bebê para explicá-lo. (...) Para um psicanalista, a observação sobre o lugar das mães na montagem do autismo não é nada desprezível. Muitos deles puseram-se a buscar essas relações, mas não parecem ter sido mais felizes que Kanner. Hoje são eles o alvo de ataque das mães, associadas em AMAS por todo o mundo, e que fogem dos psicanalistas como o diabo da cruz" (idem)
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Enfim, fiz este post porque, na minha modesta opinião, a reportagem de Adriana Czelusniak, na Gazeta do Povo de hoje, me pareceu passar uma visão mais ou menos unilateral do tema. Mas podemos ainda acrescentar, a título de conclusão, o que diz Maria Cristina Kupfer no mesmo livro: "Nenhum psicanalista, em sã consciência, pode negar que um bebê seja antes de mais nada um feixe de nervos. E acolherá como bem-vindas todas as experiências que puderem avançar no conhecimento das bases neurológicas de todas as patologias. Um psicanalista acredita, porém, que o corpo de um bebê jamais sairá de sua condição de organismo biológico se não houver um outro ser que o pilote em direção ao mundo humano, que lhe dirija os atos para além dos reflexos e, principalmente, que lhes dê sentido. Assim, de nada adiantará um organismo absolutamente são se não houver quem o introduza no mundo do humano, vale dizer, da linguagem". Finalmente, vale ler o depoimento da própria jornalista que, além de fazer a reportagem para a Gazeta, é também mãe de uma criança com autismo.
sábado, 17 de janeiro de 2009
Feliz ano velho: errata
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.
segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
E por falar em Paulo Mendes Campos...
Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.
Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade.
A realidade, Maria, é louca.
Nem o papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: "Fala a verdade, Dinah, já comeste um morcego?"
Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. "Quem sou eu no mundo?" Essa indagação perplexa é o lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares esta charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.
A sozinhez (esquece essa palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: "Estou tão cansada de estar aqui sozinha!" O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada, e vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.
Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial e temos a presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências. Quando Alice comeu o bolo, e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas que comem bolo.
Maria, há uma sabedoria social ou de bolso; nem toda sabedoria tem de ser grave.
A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: "Oh, I beg your pardon!" Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para a tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: "Gostarias de gatos se fosses eu?"
Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política, nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados, todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que, quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: "A corrida terminou! mas quem ganhou?" É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre aonde quiseres, ganhaste.
Disse o ratinho: "Minha história é longa e triste!" Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: "Minha vida daria um romance". Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance é só o jeito de contar uma vida, foge, polida mas energicamente, dos homens e das mulheres que suspiram e dizem: "Minha vida daria um romance!" Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.
Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: "Devo estar diminuindo de novo". Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.
E escuta esta parábola perfeita: Alice tinha diminuído tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e de rinocerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e o grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom humor.
Toda pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.
Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago, pensava: "Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas".
Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida: É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.
(Paulo Mendes Campos, Para Maria da Graça, in Para gostar de ler; crônicas, São Paulo, Ática, 1979, v. 4, p. 73-76. Encontrado em Filosofando: introdução à filosofia de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, São Paulo: Moderna, 1993, p. 295-296)