segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Crepúsculo

Um amigo meu com quem estive esses tempos no Arpoador, aqui, na cidade maravilhosa, publicou esses dias um belíssimo texto em prosa, no blog pó&teias, que vale à pena ser reproduzido aqui:

Apresentei dia desses, a um camarada meu de Curitiba, algumas das famosas praias do Rio de Janeiro: Flamengo, Urca, Leblon e Arpoador, interessante, pois já me sentia pouco à vontade ou desacostumado com vários aspectos bem próprios dos litorâneos, ainda mais dos cariocas e fluminenses, meus conterrâneos, às vezes citadinos tão soberbos de seu litoral, cuja fama e beleza é proporcional à desfiguração da cidade, mascarada para o mundo de Globo e Olimpíadas. Contudo, aqui existem pedras e existem orlas, praias onde não fiz castelos de areia, mas caminhei sobre os avatares do horizonte; há mais de seis anos não subo os mirantes que dão ornamento às encostas e quebra-mares, que, para mim, sempre foram a parte mais fascinante de um litoral, assim como a maresia da noite; ironicamente nem mesmo os meus pés se equilibram naquelas pedras com a mesma flexibilidade de antes, me esqueci até o simples hábito de lavar o chinelo no mar e tirar a areia enquanto se anda descalço no calçadão, ex-carioca mesmo; revisitar um lugar, parece uma nova permissão, a distância nos veta a presença física, regressos, somos licenciados da distância, no entanto agora, apesar da licença, sinto-me embargado no estranho deslocamento da memória. Por fim, tivemos o brinde amargo do calor e o crepúsculo de um sol anátema; dizem os meteorologistas que estamos sob um pico extraordinário de calor, provavelmente dirão o mesmo ano que vem. Ah o sol, causticamente desolador, implacável tal qual o amanhecer que te chama para o cotidiano e não para o mar, esse mesmo sol gerador do calor que de tão quente morrerá como o escorpião suicida quando cercado pelo fogo; sossegados, isso é para daqui a dez bilhões de anos, ele se transformará em carbono e tudo será uma senescente estrela anã branca.

Tullio Stefano

8 comentários:

Sagesse disse...

Seu amigo é talentoso com as palavras.

Morro de vontade de passar uma temporada por aí, mas, sinceramente, temo pela violência...

Beijos, boa estada.

Unknown disse...

Que HONRA!
Valeu!
t.s.

Giuliano Gimenez disse...

Conheci o Tulio.
Conversamos sobre o Walter Benjamin e acabamos tomando umas e outras na casa do Jacques.
É sempre uma honra.

Abraços aos dois!

rodrigo madeira disse...

é isso aí. ótimo texto. mt poético.

não é novo o que vou dizer, mas acredito piamente:

a linguagem poética é sempre uma alegria! "a thing of beauty is a joy forever." (keats)

augusto dos anjos é uma alegria
rimbaud é uma alegria
cabral é uma alegria
trakl é uma alegria
artaud é uma alegria
ana cristina césar é uma alegria
iessiênin é uma alegria
emily dickinson é uma alegria

não importa que autor diga: "vá lá,
seu filha da puta, se mate!" (como aliás já fez o álvaro de campos)

não importa.
se houver beleza, é uma alegria.

um abraço, tullio.
outro pra vc, otávio.

madeira.

Unknown disse...

sempre achei uma forma de intensidade diferente nas palavras do meu grande amigo Tullio;fosse na conversa pessoal ou nos bilhetes e algumas cartas tão rápidas q já me mandou,hoje nos e-mails;o cara é foda!agorame aparece como poeta,e mostra os textos dos seus muito falados amigos de Curitiba,show demais esse blog,assim como o poeteias;e pô,eu aqui na Nova Zelândia,matando a saudade da língua portuguesa poéticamente!

Anônimo disse...

o texto é lindo!e esse blog é um dos melhores que ja li.
parabéns!

Giuliano Gimenez disse...

e este título tá me cheirando à nova lua...

abraços daqui deste lado

Giuliano Gimenez disse...

Sabe que o fundamental é ir ver o por do sol, bem ao estilo da lygia f. telles, sabe.

puxa vida, homem papel, coma!