segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Cinco motivos para ainda ouvir Legião Urbana

Se Renato Russo tivesse orkut, sua religião seria "tenho um lado espiritual independente de religiões". Não é à toa que Legião Urbana faz tanto sucesso nos grupos de jovens e adolescentes nas igrejas. Pelo menos antes da (re)apropriação da religião pela indústria cultural. Já ouviu falar do Padre Zeca? É... aquele do "Deus é dez". Na ala brega, Antônio Maria. E Pe. Marcelo Rossi e Globo: tudo a ver. Ora, muito antes deles Pe. Zezinho já embalava as crises existenciais da juventude.
Mas voltando à religião urbana (não pude evitar o clichê), poderíamos identificar na segunda fase da banda (sem Renato Rocha) o início de um processo de negação da morte. Segundo meu ex-professor Maranhão, em seu livro "O que é morte", há cinco estágios após a descoberta de uma doença fatal: 1. Negação; 2. Cólera; 3. Barganha; 4. Depressão e 5. Aceitação.
Dependendo da pessoa, pode ficar apenas na negação, não é o caso de Renato, que inclusive parece ter guardado a cólera para o lado pessoal. No nível artístico, o álbum "As quatro estações", definido como religioso por Arthur Dapieve na coletânea oficial "Mais do mesmo", pode ser identificado com a barganha, isto é, "neste estágio, constata-se muito frequentemente o desejo que os pacientes manifestam em realizar acordos por um pouco mais de tempo. Realizam pactos consigo mesmos: 'Se eu me curar farei isto ou aquilo'. Barganham sobretudo com Deus - mesmo pessoas que nunca falaram com Deus -, com a intenção de conseguir um indulto temporal ou mudança de seu destino". "Há tempos" traz citações budistas sobre dor e desejo e "Monte Castelo" um trecho sobre o amor de uma famosa epístola de Paulo. A coesão se encontra sobretudo nos versos "estou do lado do bem. E você de que lado está?" (faixa 6) e "Cordeiro de Deus que tirai os pecados do mundo tende piedade de nós" (faixa 11).
É claro que não se trata de música gospel pois, ao contrário desta, põe a poesia antes da crença, no entanto a fase da barganha religiosa é tão evidente que propiciou o "cover gospel" Catedral, banda que gerou o hit "Quem disse que o amor pode acabar" mas que tem canções com nomes como "Chame a Deus".
Os discos seguintes "V" (cinco) e "O descobrimento do Brasil", respectivamente "sombrio" e "reflexivo" nas palavras de Dapieve, deveriam representar o estágio da depressão. Numa entrevista cedida a Marcelo Fróes, Renato diz "eu sou depressivo mesmo", mas isto não transparece tanto nas músicas até a chegada do CD "A tempestade ou O livro dos dias", que tem epígrafe de Oswald de Andrade: "O Brasil é uma República Federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus". As músicas foram gravadas quase todas de primeira tomada e as letras dizem tudo: "Vamos falar... de doenças incuráveis... a felicidade é uma mentira e a mentira é salvação"; "Hoje a tristeza não é passageira... não me dê atenção mas obrigado por pensar em mim"; "E meus amigos parecem ter medo de quem fala o que sentiu" e "Meu orgulho me deixou cansado" e ainda "Não esconda tristeza de mim. Todos se fastam quando o mundo está errado". Dapieve está, pois, autorizado a classificar "A tempestade" como O deprimido, embora o termo, tantas vezes auferido a Radiohead, seja um tanto quanto taxatório demais.
Resta perguntar se Renato Russo passou pela fase da aceitação, como os álbuns póstumos dão a entender. Não dá pra saber, mas em se considerando estes álbuns mesmos como um flashback que perpassa a carreira da banda ( no caso de "Uma outra estação") e a vida do músico (em "Renato Russo Presente"), pode-se concluir, com direito a trocadilho, que a aceitação estava sempre presente, não na forma de conformismo mas da serenidade expressa em canções como "O descobrimento do Brasil", "Giz" e "O mundo anda tão complicado". Como diz Maranhão, "A verdadeira aceitação ocorre quando o paciente se mostra capaz de entender sua situação com todas as suas consequências. Nessa ocasião, em geral está cansado, mas em paz. Volta-se para dentro de si, revelando a necessidade de reviver suas experiências passadas mais significativas como uma forma de resumir o valor da sua vida e procurar o seu sentido mais profundo". Acredito que Renato Russo, bem como qualquer artista comprometido com o embate entre vida e tempo, traz todos os estágios misturados, em ebulição, haja visto a música escolhida para homenagear alguém que passou pela mesma via crúcis, no show "Viva Cazuza": Quando eu estiver cantando
Tem gente que recebe de Deus quando canta
Tem gente que canta procurando Deus
E eu sou assim com a minha voz desafinada
Peço a Deus que me perdoe no camarim...
(João Rebouças e Cazuza, disco Burguesia)
Otávio

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Meg White sou eu

A banda White Stripes pode acabar, porque Meg White sofre de ansiedade aguda. Então somos dois, quer dizer, eles são dois, ou melhor, eram dois, sei lá. Isso lembra uma música, não do White Stripes, mas do Júpiter Maçã: "Não vai mais sair na rua / Síndrome de pânico / Não vai mais passear no parque / Síndrome de pânico / Não vais namorar ninguém / Não vais conversar com ninguém / Aonde está o remédio? / Aonde está a solução? / Ao libertar-se do alcoolismo / Síndrome de pânico". E me lembra também um conto da Clarice, Imitação da Rosa, do "Laços de família". Enfim, também não sei se prossigo lecionando.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Sobre a chuva

Num de seus primeiros diários, Sylvia Plath dizia que tinha vontade de fazer um poema porque chovia, mas lembrou, citando alguém, que quando chove em algum lugar, milhares de poemas brotam ao redor. Sendo assim, resolveu não escrever. Bem, eu já não tive a mesma determinação:



__

No começo
O silêncio pesa
E chamam gelo
Depois se quebra
E a conversa flui

Errata

Na postagem de Quarta-feira, 29 de Agosto de 2007,
cometeu-se um pecado neste inferno:
Entrevista com o Vampiro II - o (eterno) retorno
A resposta à pergunta "como você escreve" foi extraída de uma excepcional entrevista que o jornalista Nelson de Oliveira obteve numa aposta de jogo de xadrez. A aposta era: se o jornalista vencesse, ele teria a entrevista; se perdesse, pararia de assediá-lo."Hoje escrevo quando dá vontade, com ternura, às vezes fico semanas sem pegar na caneta. É claro que com o passar do tempo vou ficando angustiado. Preocupado. Será que morri? Eu me apalpo, me cheiro. Não, ainda estou vivo. Ponho a cara pra fora da janela, escuto a cidade, berro: 'Estou pronto! Mova-se mundo'. Fico atento à gentinha no ponto de ônibus, no bar da esquina. Aí as idéias vêm aos montes. Até me assusto. Fico com os pêlos do braço arrepiados."Fonte: OLIVEIRA, Nelson de. Entrevista com o vampiro - Dalton Trevisan.Minha fonte: BRITO, José Domingos de (organizador). por que escrevo?Cheque Mate!!!!!!
por Otávio às
12:48
lugar comum:

Felizmente, uma boa alma que passou por aqui,
colocou o vampiro diante do espelho e descobriu:

2 quem cala consente; deixe aqui seu comentário:
Marcius disse...
A entrevista é bacana, Otávio, mas ela tem um problema grave: É FICTÍCIA!! Ela foi publicada na Folha de S. Paulo, no suplemento Mais!, em 25 de abril de 2004 e era parte de uma série de conversas imaginárias com escritores reclusos, chamada "Exclusivo e fictício". Outros "entrevistados" foram Thomas Pynchon, J.D. Salinger, Rubem Fonseca, J.M. Coetzee, entre outros. O responsável por criar o texto sobre o Dalton foi o Nelson de Oliveira, escritor. O José Domingos de Brito papou mosca nessa aí. Como vc mesmo disse: CHEQUE MATE:-)
18 de Outubro de 2007 14:43
Otávio disse...
Em tempo: obrigado pela retificação
11 de Dezembro de 2007 00:19

domingo, 9 de dezembro de 2007

Fraca carne

Até quando um homem pode escrever sem que seu braço se quebre de um só golpe? pois se um homem não é nem homem até que prove o contrário. E se perguntam o que houve, querem fatos brutos, como se fosse possível dizer que se foi despedido toda vez que uma coisa dói na gente, como se aqui dentro não houvesse uma mulher louca querendo ferir os visitantes, uma pobre louca de mãos em riste. Um jeito de voar pra baixo até quebrar os ossos da cara. Este eterno caco de vidro no olhar. E outras marcas de nascença adquiridas com o tempo. Talvez se o sol não se pusesse tanto aqui nos ombros, não molhasse tudo quanto se vê. Mas o vazio, não aquele que fica aqui deste lado sabe, o vazio, o vazio mesmo, não existe, sempre sobra um medo, um medo de que não sobre nada. E nada se sabe da morte, a não ser que o sol pára de se pôr e que os ombros se encostam nos joelhos, como se quisessem esconder todo o desejo que pulsou nos órgãos ou conter o fluido que brotou da pele. Tirando isso, eu vou bem, e você?

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

...não me lembra nada, por isso eu gosto

I like gypsy moths and radio talk

Cause it doesn’t remind me of anything

I like gospel music and canned applause

Cause it doesn’t remind me of anything

I like colorful clothing in the sun

Cause it doesn’t remind me of anything

I like hammering nails and speaking in tongues

Cause it doesn’t remind me of anything

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

B. O.

para Giuliano, o urbano
- E aí maluco, qual que foi o B. O.?
- Homicídio.
- E apagou o cara por quê?
- Tava catando minha mina, eu lá na fábrica me fodendo e ela dando a buceta pro cara.
- Precisava apagar, pegar quarenta anos?
- Pior que até deixei quieto, mas o filha da puta ainda achou ruim, quis tirar com minha cara.
- Deu quantos pipocos?
- Não, foi com a foice mesmo, primeira coisa que achei, só me lembro do primeiro: o braço voando, depois embaçou tudo, não ouvi mais nada, mas quem viu a porra depois, tudo picado, não dizia que era o cara. O sangue ferveu. Mas não cumpro quarenta nem metendo a rola, vou dar um jeito de vasar antes de cair em Piraquara.
- Só, pega aquele colchão da esquerda ali pra você.
Otávio, ao som de:
"Piece of my heart"da Janis.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Introvertidos Anônimos


Não quero falar de datas
Nem do seu narcisismo
Nem da minha autopiedade
Ambos centrados em si mesmos
Cada um a seu modo

Não quero falar disso
Nem da sua negligência
Nem das suas descobertas
Eu nunca devia ter nos comparado

Quando você nasceu
Eu aprendi a escrever
E agora você chega à adolescência
Como se ganhasse um espelho de presente
E a ninguém emprestasse

Mas eu não quero o teu presente
Nem disso quero falar
Quero apenas falar do sangue
Que escorre quando a gente faz a barba


Otávio