Vivia jogado em casa.
Os amigos o abandonaram
quando rompeu com o chefe político.
O jornal governista ridicularizava seus versos,
os versos que ele sabia bons.
Sentia-se diminuído na sua glória
enquanto crescia a dos rivais
que apoiavam a Câmara em exercício.
Entrou a tomar porres
violentos, diários.
E a desleixar os versos.
Se já não tinha discípulos.
Se só os outros poetas eram imitados.
Uma ocasião em que não tinha dinheiro
para tomar o seu conhaque
saiu à toa pelas ruas escuras.
Parou na ponte sobre o rio moroso,
o rio que lá embaixo pouco se importava com ele
e no entanto o chamava
para misteriosos carnavais.
E teve vontade de se atirar
(só vontade).
Depois voltou para casa
livre, sem correntes
muito livre, infinitamente
livre livre livre que nem uma besta
que nem uma coisa.
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Carlos Drummond de Andrade
2 comentários:
mas os bloggers estão ficando muito coiso: é citação de thomas mann pra lá e pra cá, graça, drumma, deleue, kafka, henry miller e a gente, gente?
[o poetinha melancólico]
o poetinha da modernidade volta a reler o henry miller e não passa batido num trecho de super importância:
Eu era o homem que olhava o relógio e o homem estava algemado e amordaçado; dentro dele havia milhares de seres diferentes lutando para se libertar da prisão. Todos os impulsos sufocados pareciam voltar para uma fonte misteriosa onde haviam sido gerados e lá, então, tomar forma e substância, transformando-se numa espécie de ser elementar - um anãozinho vivo e assutador.
[Henry Miller]
taí um outro escritor a ser explorado. e o pior é que nessas vontades de representações do mundo acabamos por não decidir quem ler.
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