quarta-feira, 16 de abril de 2008

Ateísmo para crianças

"Se o mundo pesa, não vai ser de reza que você vai viver"
Marina Machado, em Grilos, de Roberto e Erasmo.
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Face a impossibilidade de argumentação lógica para questões como ateísmo ou religião, muitas pessoas recorrem ao impreciso terreno da psicologia para justificar questões como essas sem apelar à fé ou ao agnosticismo. Prova disso foi uma aluna minha que, diante da confirmação de meu ateísmo, perguntou-me se havia ocorrido algum trauma em minha vida. Achei a pergunta peculiar e respondi que não, mas não assim tão rápido. Como costumo fazer, respondi primeiro com uma pergunta: se houvesse ocorrido um trauma seria um motivo para eu me tornar ateu? Antes que ela respondesse, arrematei com outra pergunta: se não houvesse ocorrido nenhum trauma, eu deveria permanecer para sempre religioso? Infelizmente o assunto não prosperou, pois ela não percebeu que minha pergunta era um fundamento para a sua e insistiu na mesma pergunta, como se prescindisse de um fundamento, como aqueles alunos que perguntam as horas.
Mas se procuramos as razões psicológicas do ateísmo ou da religião, devemos recorrer antes aos fatores sociais, culturais. Pois é mais pertinente perguntar por que se ensina a religião às crianças do que perguntar como um adulto "aprendeu" a ser ateu. E uma resposta seria, fazendo um retorno torto à psicologia, uma idéia inconsciente de que a primeira coisa que se deva ensinar a alguém que recebeu o dom da vida é uma razão para viver. A isso junta-se a tradição duma espécie de otimismo transcendental em relação à vida, que é transmitida à criança sob a forma de algo invisível e poderoso que atende pelo nome de papai do céu, respondendo-lhe de quebra de onde veio o mundo e para onde foi o vovô.
Se não quisermos identificar este otimismo sobrenatural com a simples ignorância, podemos identificá-lo com um medo (já que a psicologia já está pra lá de vulgarizada), um medo do suicídio, medo este calcado na idéia de que, sem uma razão para viver, desiste-se de viver. Não é o que acontece. A forma de ver o mundo não implica, pelo menos não diretamente, uma decisão. O ateísmo é uma atitude passiva diante da vida, enquanto o suicídio é uma atitude ativa. É normal que numa passagem da religião para o ateísmo surja a idéia de suicídio, mas a crise em si representa apenas o momento em que se abandona o velho otimismo e se passa a ver o mundo com outros olhos, com olhos tristes, da tristeza dos que perderam o gosto de viver, como diria Bandeira.
A tradição otimista-religiosa, no entanto, tende a subordinar O QUE vivemos a COMO vivemos. Explico: a idéia de que, se uma pessoa tem uma vida repleta de acontecimentos felizes, ela deve ser feliz, e só poderia manifestar tristeza ou desencanto caso ocorresse algum trauma. Tanto é assim que esta tradição pensa, que para impedir o suicídio a religião se utilizou da ameaça do inferno, rebatendo um suposto trauma com outro ainda maior, um trauma eterno, como se o suicida ainda guardasse algum tipo qualquer de medo.
Ora, uma posição de desencanto perante o mundo não exige nenhuma explicação psicológica, pois constitui o próprio estado normal de coisas, a inércia, daí que não há mérito algum em ser ateu. O ateísmo é apenas o ver a vida como ela é, mas já é alguma coisa, ao passo que o suicídio, ao contrário, é uma atitude que esconde a pretensão de que a vida seja o que ela não é. Logo, o modo COMO o ateu vive, por mais pessimista que seja, não impede que ele viva O QUE ele vive. Até porque a coragem para ser ateu, renunciando ao céu e enfrentando a possibilidade do inferno, não é nem de longe a coragem que alguém precisa ter para se matar, já que não se trata apenas da coragem para apertar o gatilho, mas antes da coragem para abandonar a vida em toda a sua inteireza e irrepetibilidade, se me permitem o neologismo.
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Otávio (ou o ateu militante
sofrendo de concepções freudianas)

8 comentários:

Giuliano Gimenez disse...

suicídio, ao contrário, é uma atitude que esconde a pretensão de que a vida seja o que ela não é.

- Não é?

Otávio disse...

acho q seria melhor dizer q a vida não seja o q ela é, mas dá na mesma

Giuliano Gimenez disse...

deixamo-a!

Anônimo disse...

vc quis dizer: deixemo-la?

[Google]

Giuliano Gimenez disse...

é!

Giuliano Gimenez disse...

ei, mas peraí!
creio que seja muito mais fácil um religioso apertar o gatilho do que um ateu, individuo esse que crê apenas nesta vida. Se ele se matar, estará aniquilando Sua própria situação. Seu pessimismo. Ou otimismo? Sua realidade.
Um ateu sabe que sua vida é esta, única. Irreprodutível em outras eras. O ateu conhece sua vida sem mistificação. A vida presente, como diria o poeta.

e por aí vai...

Otávio disse...

não sei, é aquela velha história: todo mundo quer ir para o céu, mas morrer ninguém quer, até pq tanto o ateu quanto o religioso têm um medo: o primeiro do nada e o segundo do inferno, ambos bastante temíveis.

Anônimo disse...

no entanto, o ateu reconhece o nada que é a vida. e reconhece que o nada é a sua única vida. pelo menos eu, como ateu, creio

[el poetito reencarnado]