"ainda há quem acredite que as religiões, e não as ideologias ateísticas, cientificistas e materialistas, são responsáveis pela falta de liberdade no mundo. Daí que a propaganda anti-religiosa, malgrado os efeitos devastadores que produziu, seja aceita não somente como atividade cultural elevada e digna, mas como um dos pilares mesmos do sistema democrático e até como expressão suprema dos mais belos ideais humanos. Quando milhões de jovens imbecilizados pela mídia chegam às lágrimas de comoção idealística ao ouvir em “Imagine’’, de John Lennon, a descrição de uma sociedade paradisíaca, nem de longe percebem que seu apelo à supressão de todas as religiões é, em essência, uma legitimação do maior dos genocídios" (Olavo de Carvalho)
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Pode-se conceder ao texto "O Holocausto Contínuo", de Olavo de Carvalho, que tenha sido bem escrito (pelo menos no que diz respeito à retórica), mas uma leitura desapaixonada me parece revelar um texto extremamente desonesto e/ou equivocado. A desonestidade (e/ou o equívoco) está na identificação de "ateus militantes" com fanáticos políticos. Via de regra, o adjetivo "militante" em "ateu militante" diz respeito apenas à militância do ateísmo (chega a ser redundante dizer isso), não se trata de um ateu que professa algum extremismo político, muito menos de algo como um representante de uma ala intolerante que professa o ódio à religião ou aos religiosos (caso isso exista, deve ser condenado como tal, mas não vejo por que tomar isso como paradigma de ateísmo militante). Se for pra definir um ateu militante, definamos como alguém que defende o seu direito de não acreditar em Deus tanto quanto o direito de outros acreditarem (mas obviamente alguém que expressará o ateísmo em seu dia-a-dia e possivelmente o passará a seus filhos - o mesmo que os religiosos fazem com suas religiões).
O fato de uma pessoa ser intolerante não se segue do fato de ela ser atéia, assim como não se segue do fato de ser religiosa. Talvez por isso o autor não se preocupe em atacar o ateísmo em si, mas em associá-lo a outra coisa para poder atacá-lo. Isto é, ele ataca um espantalho, utilizando-se flagrantemente de uma falácia (forma invalida de argumento) chamada falácia do espantalho, a qual divide espaço no texto com outra, a redução ao nazismo, cujo nome já diz tudo. (Na verdade, existem tantas falácias que talvez eu mesmo já tenha cometido algumas, por exemplo, aqui (ver quarto parágrafo) eu posso parecer apelar à falácia do verdadeiro escocês, na qual se define arbitrariamente o "verdadeiro" x (escocês) como y ("alguém que não coloca açúcar no seu mingau") e se exclui todo não-y, de modo que todo aquele que não coloca açúcar no seu mingau não seria escocês, mas não acho que eu cometa isso, pois não me parece arbitrário definir o suicida como alguém responsável pelo seu ato, isto é, há uma ligação intrínseca entre meu x e meu y, o que não quer dizer, obviamente, que eu não cometa outras falácias em outros lugares).
Outro problema do texto é tomar fatos históricos como argumentos, o que me parece uma grande perda de tempo ao se discutir religião, assim como não me parece vir ao caso discutir homens-bomba e a inquisição da idade média, pedofilia etc. Tais temas certamente extrapolam o tema da religião, entrando muito mais no tema dos direitos humanos. Uma vez distingui, em conversa com um amigo, o que chamei de argumentos "a priori" (razões) do que chamei de argumentos "a posteriori" (fatos) contrários à religião, dos quais apenas os primeiros costumam me interessar. Certamente, num debate, um ateu até poderia abordar acontecimentos históricos, mas com a finalidade de levar à discussão de como um deus perfeito poderia criar um mundo imperfeito, com terremotos etc., ou seja, sem apresentar fatos históricos pura e simplesmente. Um contraexemplo ao que é defendido no texto seria facilmente obtido pela alegação de que há extremistas políticos que são religiosos, talvez incluindo nazistas, mas não acho que seja o caso de levantar contraexemplos, ja que contraexemplos pressupõem regras gerais, e a regra geral em questão me parece poder ser refutada enquanto regra geral, ou seja, não há regra geral em jogo, logo não se trata de fornecer contraexemplos. Em outras palavras, a alegação de que a militância do ateísmo (o que me remete, por exemplo, às universidades populares e aos livros de Michel Onfray) tenha como consequência a intolerância não tem sequer um exemplo, de modo que procurar contraexemplos não faz muito sentido. Creio que os exemplos referidos no texto têm todos motivações diversas do mero ateísmo, como o antissemitismo por exemplo. Se o ateísmo está presente, nem por isso significa que ele desempenhe algum papel.
Um argumento que estaria à disposição do anti-ateu seria o de que o ateu é um ser imoral. Isso pressupõe, não só a identificação de religiosidade com moral, como certa noção de moral, calcada na lógica da recompensa e do castigo. Neste sentido, não vejo por que a moral religiosa seria mais intrínseca ao ser humano do que um simples conjunto de leis impostas extrinsecamente a ele. Trata-se da mesma lógica da recompensa e do castigo, a religião não me parece gozar de nenhum privilégio em matéria de moral. De todo modo, esta linha de raciocínio, e de debate, seria minimamente promissora, pois estaria levantando argumentos e não meramente se apoiando em fatos brutos que ademais sequer servem para apoiar a posição defendida (algo como um anti-ateísmo). Por exemplo, poder-se-ia alegar que a religião não se resume a castigo e recompensa, o que me levaria a perguntar em que ela consiste e, em seguida, se isso em que ela consiste nos permitiria associa-la a moral e, se sim, se isso excluiria outros tipos aceitáveis de moral, e assim por diante. Enfim, a mim, pelo menos, não interessa refutar nenhuma opinião a todo custo, mas apenas a um custo que me pareça minimamente justo. Talvez em alguns casos, posso concordar que talvez não houvesse tempo para pensar, mas nestes casos seriam as nossas crenças (como a de que a vida seja um direito inviolável) que cumpririam um papel fundamental, o que apenas me parece reforçar a necessidade de procurarmos um mínimo de razões para nossas crenças, ao menos nas situações em que há tempo para isso.
Talvez, contudo, o autor pudesse se justificar dizendo que escreveu um texto desonesto, mas com uma intenção honesta: a de contrabalançar o excesso de críticas que as religiões têm recebido ultimamente. Neste caso, creio que o efeito é o inverso, pois ele está subestimando o leitor, tanto o leitor ateu quanto o leitor religioso. Acontece que o leitor atento, o qual pode ser muito bem um religioso, pode notar que o texto se utiliza de uma retórica bastante desonesta. Tal leitor não vai querer compactuar com este tipo de estratégia, já que, sendo apelativa e nivelando a discussão por baixo, poderia ser usada contra o próprio religioso mais cedo ou mais tarde. Por fim, resta ainda uma hipótese: o autor quis apenas ser polêmico. Nesta hipótese, não acho que a polêmica, por si só, seja uma coisa boa e, neste caso em particular, o máximo que consegue é pintar uma péssima imagem do autor do texto, a qual nao me impressionaria se aparecesse em outros de seus textos.
O fato de uma pessoa ser intolerante não se segue do fato de ela ser atéia, assim como não se segue do fato de ser religiosa. Talvez por isso o autor não se preocupe em atacar o ateísmo em si, mas em associá-lo a outra coisa para poder atacá-lo. Isto é, ele ataca um espantalho, utilizando-se flagrantemente de uma falácia (forma invalida de argumento) chamada falácia do espantalho, a qual divide espaço no texto com outra, a redução ao nazismo, cujo nome já diz tudo. (Na verdade, existem tantas falácias que talvez eu mesmo já tenha cometido algumas, por exemplo, aqui (ver quarto parágrafo) eu posso parecer apelar à falácia do verdadeiro escocês, na qual se define arbitrariamente o "verdadeiro" x (escocês) como y ("alguém que não coloca açúcar no seu mingau") e se exclui todo não-y, de modo que todo aquele que não coloca açúcar no seu mingau não seria escocês, mas não acho que eu cometa isso, pois não me parece arbitrário definir o suicida como alguém responsável pelo seu ato, isto é, há uma ligação intrínseca entre meu x e meu y, o que não quer dizer, obviamente, que eu não cometa outras falácias em outros lugares).
Outro problema do texto é tomar fatos históricos como argumentos, o que me parece uma grande perda de tempo ao se discutir religião, assim como não me parece vir ao caso discutir homens-bomba e a inquisição da idade média, pedofilia etc. Tais temas certamente extrapolam o tema da religião, entrando muito mais no tema dos direitos humanos. Uma vez distingui, em conversa com um amigo, o que chamei de argumentos "a priori" (razões) do que chamei de argumentos "a posteriori" (fatos) contrários à religião, dos quais apenas os primeiros costumam me interessar. Certamente, num debate, um ateu até poderia abordar acontecimentos históricos, mas com a finalidade de levar à discussão de como um deus perfeito poderia criar um mundo imperfeito, com terremotos etc., ou seja, sem apresentar fatos históricos pura e simplesmente. Um contraexemplo ao que é defendido no texto seria facilmente obtido pela alegação de que há extremistas políticos que são religiosos, talvez incluindo nazistas, mas não acho que seja o caso de levantar contraexemplos, ja que contraexemplos pressupõem regras gerais, e a regra geral em questão me parece poder ser refutada enquanto regra geral, ou seja, não há regra geral em jogo, logo não se trata de fornecer contraexemplos. Em outras palavras, a alegação de que a militância do ateísmo (o que me remete, por exemplo, às universidades populares e aos livros de Michel Onfray) tenha como consequência a intolerância não tem sequer um exemplo, de modo que procurar contraexemplos não faz muito sentido. Creio que os exemplos referidos no texto têm todos motivações diversas do mero ateísmo, como o antissemitismo por exemplo. Se o ateísmo está presente, nem por isso significa que ele desempenhe algum papel.
Um argumento que estaria à disposição do anti-ateu seria o de que o ateu é um ser imoral. Isso pressupõe, não só a identificação de religiosidade com moral, como certa noção de moral, calcada na lógica da recompensa e do castigo. Neste sentido, não vejo por que a moral religiosa seria mais intrínseca ao ser humano do que um simples conjunto de leis impostas extrinsecamente a ele. Trata-se da mesma lógica da recompensa e do castigo, a religião não me parece gozar de nenhum privilégio em matéria de moral. De todo modo, esta linha de raciocínio, e de debate, seria minimamente promissora, pois estaria levantando argumentos e não meramente se apoiando em fatos brutos que ademais sequer servem para apoiar a posição defendida (algo como um anti-ateísmo). Por exemplo, poder-se-ia alegar que a religião não se resume a castigo e recompensa, o que me levaria a perguntar em que ela consiste e, em seguida, se isso em que ela consiste nos permitiria associa-la a moral e, se sim, se isso excluiria outros tipos aceitáveis de moral, e assim por diante. Enfim, a mim, pelo menos, não interessa refutar nenhuma opinião a todo custo, mas apenas a um custo que me pareça minimamente justo. Talvez em alguns casos, posso concordar que talvez não houvesse tempo para pensar, mas nestes casos seriam as nossas crenças (como a de que a vida seja um direito inviolável) que cumpririam um papel fundamental, o que apenas me parece reforçar a necessidade de procurarmos um mínimo de razões para nossas crenças, ao menos nas situações em que há tempo para isso.
Talvez, contudo, o autor pudesse se justificar dizendo que escreveu um texto desonesto, mas com uma intenção honesta: a de contrabalançar o excesso de críticas que as religiões têm recebido ultimamente. Neste caso, creio que o efeito é o inverso, pois ele está subestimando o leitor, tanto o leitor ateu quanto o leitor religioso. Acontece que o leitor atento, o qual pode ser muito bem um religioso, pode notar que o texto se utiliza de uma retórica bastante desonesta. Tal leitor não vai querer compactuar com este tipo de estratégia, já que, sendo apelativa e nivelando a discussão por baixo, poderia ser usada contra o próprio religioso mais cedo ou mais tarde. Por fim, resta ainda uma hipótese: o autor quis apenas ser polêmico. Nesta hipótese, não acho que a polêmica, por si só, seja uma coisa boa e, neste caso em particular, o máximo que consegue é pintar uma péssima imagem do autor do texto, a qual nao me impressionaria se aparecesse em outros de seus textos.
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