Nada como chegar em seu quarto num domingo à noite e, antes de fechar a janela, ouvir uma música ao vivo bem distante, algo como
amor com jeito de virada... depois ligar a tv meio chuviscada e afastar os chinelos ainda sujos de areia pra deitar na cama. Faz umas duas semanas que vim pro Rio pra estudar e só hoje conheci Copacabana, com direito à estátua de Dorival Caymmi no fim do calçadão da avenida Atlântica. Antes disso, porém, explorei bastante o centro à procura de supermercados, restaurantes e lavanderias, além do próprio quarto onde estou, depois de ficar nums hotéis na Lapa e correr Botafogo e Laranjeiras atrás de albergs e pensões: não adianta, fiquei no centro mesmo, que pelo menos é um local bem estratégico. É verdade que esses dias fui perseguido três quadras por um engraxate na avenida Rio Branco e que também já fui assaltado, mas a culpa foi minha que fui andar pelas ruas do centro no fim de semana, quando a cidade está tão deserta que parece ter sido devastada por um furacão. Além disso,
mea culpa também por afetar qualquer coisa de turista, deve haver uma luzinha que se acende em minha testa e me denuncia como estrangeiro. Por sorte eu não falo muito, a não ser de vez em quando pra pedir um prato feito ou um assaí, nunca tinha comido assaí do jeito que servem aqui, aprendi também a não pedir café com leite, ainda mais leite quente, sendo preferível pedir um pingado ou
uma boa média que não seja requentada. Mesmo assim, de uma forma ou de outra meu sotaque sulista acaba vindo à tona, mas como diria um camarada meu: o que importa é a sintaxe e a conjugação. Em linhas gerais, tenho sempre a impressão de que, apesar de estar meio deslumbrado, nada no Rio me parece novo, tudo passa a sensação de que já conheço de algum lugar, seja de um conto de Machado de Assis, que nunca saiu do Rio, seja de um samba de Cartola, que até hoje é superpopular na Lapa, ou seja mesmo de uma novela de Manoel Carlos. Enfim, não sou lá um grande explorador de novos lugares e nem sei se vou conhecer metade dos assim chamados pontos turísticos durante o tempo que estiver aqui, como o Redentor, que Camus chamou de algo como "um lamentável Cristo" ao avistar do navio ou avião quando chegava ao Brasil, ou tantos outros que estamos cansados de ouvir falar, nem que seja das canções da bossa nova. A propósito, outra figura já mais ou menos mítica na cidade é o profeta gentileza, uma espécie de inri cristo melhorado, famoso por seu jargão "gentileza gera gentileza" e por seus escritos nos muros com mensagens de gentileza que, segundo reza a lenda, foram todas pintadas de cinza, daí aquela música da Marisa Monte que conta justamente essa história:
apagaram tudo, pintaram tudo de cinza...