Apesar de não conseguir acreditar em coisas como Deus ou imortalidade da alma e, por incrível que pareça, nem mesmo na infalibilidade papal, devo admitir, envergonhado, que acredito em horóscopo. Talvez porque o meu signo nunca disse que, se eu não jogasse naquele bicho ou naquele número da sorte, eu queimaria no fogo do inferno, mas no máximo algo como "você poderá se arrepender" ou "poderá haver complicações". Nada tão assustador... Além do mais, nada mais cético do que o astrólogo que, após agrupar uma série de frases ambíguas (com no mínimo três sentidos cada uma), acrescenta a todas o escopo "poderá talvez" e, com o texto pronto, após o ponto final, escreve: "Ou não". Aliás, na Astrologia até o ponto final tem duplo sentido, se olharmos bem.
Além disso, meu signo nunca falou muito mal de mim. Pelo contrário, disse sempre que sou inteligente, criativo, comunicativo, empreendedor, que tenho bom coração... e com uma tal entonação, com tamanha ênfase, que chego a ter pena dos outros signos, provavelmente uns idiotas miseráveis. Ao fim, posso fechar o jornal ou desligar o rádio assobiando e tomar meu café com pose de intelectual, olhando o crepúsculo pela janela com a sensibilidade que só os grandes espíritos têm. E se alguma vez meu signo falou mal de mim, posso dizer que o fez com simpatia e cumplicidade, tipo: você pode até não se dar bem no trabalho, nem no amor, espantar os amigos, ser expulso da família, mas tudo isso acontece sempre com os melhores geminianos. Quer dizer, além de cético, o horóscopo é determinista, o que é ótimo, já que a doutrina do livre-arbítrio desperta demais meu complexo de culpa.
Fico pensando no astrólogo quando se depara com a tarefa de descrever seu próprio signo. Deve escolher diligentemente as melhores qualidades, cuidando para evitar contradições como "extrovertido, reservado..." e, ao final, para dissipar qualquer suspeita, colocar: "Além de tudo, as pessoas deste signo costumam ser muito modestas". Sem falar que, ao tratar dos defeitos, a simpatia e a cumplicidade se tornariam uma complacência, uma condescendência tal, de dar inveja ao "vá em paz" de Jesus.
E o principal, the last but not the least: mais do que cético e determinista, o horóscopo não emite juizos morais - longe de ser prescritivo como as religiões éticas, é antes descritivo como as religiões mágicas. Está mais próximo, pois, juntamente com todo esoterismo, da mitologia que da filosofia, do politeísmo que do monoteísmo, do ser que do dever ser. Consequentemente - e era aqui que eu queria chegar - está mais preocupado com esta vida do que com uma eventual além-vida. E é por essas e outras que sou chegado numa Astrologia, que "pago pau" pros caras, porque no fundo, afinal, amomuitotudoisso. Mas como diria Gilberto Gil: até que nem tanto esotérico assim... Ou não.
Mini galeria de perguntas meramente retóricas
Há 11 horas