sábado, 10 de maio de 2008

Breve Monólogo

- Meu amigo (posso te chamar de amigo? sim? você não se importa?), não tenho sido muito eloqüente, vacilo sempre nas palavras, sabe, parece que estão me olhando lá dentro da alma quando eu falo, aí baixo os olhos pra não ficar tímido, mas me sobe um medo na garganta, começo a duvidar de mim, se as verdades que eu falo não seriam mentiras, houve um tempo em que quis ser escritor, sim, havia um tempo em que eu era mais eu, hoje sou bem menos... Fiz poemas, eram todos de uma tristeza vulgar, a poesia é para os fracos, bem sei, entendo, sim, sei como é, mas não me importo, não temos nada a perder, não é mesmo? Percebi que imitava o ritmo alheio, isso me fazia sentir mais fraco, então queria ser sempre sincero, mas isso também era sinal de fraqueza, depois esbocei um silêncio, como quem não quer nada, só para ouvir um som distante, franzindo a testa, e os minutos seguintes se gastavam na interpretação daquele som que a gente não sabe de onde vem, mas o silêncio me acusava igual, perguntavam se estava tudo bem, porque o silêncio assusta as pessoas, como alguém que não acorda de manhã, por mais que a gente chacoalhe. Faz frio, não? O olhar dos outros não te assusta? Esse jeito de tremer a sobrancelha como se soubessem mais que a gente, sim, mais que a gente, meu amigo, e sobre a gente, já tentou se olhar com os olhos do outro? Olha só essa senhora, viu como olhou de relance? Parece que se esquiva de jornalistas, é assim que eu me sinto, essa senhora nem sabe que se parece comigo, me sinto como se um bando de jornalistas me abordasse, com seus olhos cheios de interrogação e os ávidos microfones, encostando na boca fechada da gente, ah essa senhora é minha amiga, viu como ela se encolhia embaixo do cachecol? Achou que fôssemos jornalistas! Sabe por que não puxamos conversa? Não queremos nos tornar cúmplices, nunca se sabe se um bêbado não vai te contar um crime, ou levantar a blusa pra mostrar a camiseta cheia de sangue. E nesse frio é melhor andar de mão no bolso, o crânio enfiado num capuz de astronauta, e o mais engraçado é que quando levanto a cabeça dou de cara com um gari no meio da bruma, como se recolhesse neve naqueles filmes, então percebo que passei por ele e lancei-lhe um olhar fulminante, acho até que ele se assustou, mas eu não queria fulminá-lo, queria sorrir pra ele, dizer bom dia, agradecer por arrastar a neve do meu coração, mas então ele se tornaria meu cúmplice, ele deve estar acostumado a receber esses olhares de superioridade, já nem se importa, são tão calmos esses garis, me lembram aquelas preguiças em suas árvores. Sim, você já me ouviu até aqui, a primeira vez que lhe chamei de amigo até se assustou, afinal temos nossos próprios amigos, mas agora você deve estar pensando que se tornou meu cúmplice, não se assuste, eu advinho pensamentos... E para onde fugiremos? Com que cachecol? Sim, eu gosto de metáforas, faz a gente se sentir dentro de um livro. Já pensou que você poderia ser um personagem? Não seria fantástico! Você andando numa rua deserta às três da manhã, com aquele gosto de álcool na boca, e uma música bem triste tocando ao fundo enquanto você anda, e então a câmera dá um close bem nos teus olhos, e aquela lágrima surge e é desfigurada pelo vento, virando um desenho no rosto, um desenho de água. É mesmo uma pena que a gente não seja um personagem qualquer, que os nossos passos se percam pra sempre naquela rua... falar em rua, eu viro aqui, quase não reparei nessa neblina, adeus, cuidado o carro!, adeus!

8 comentários:

Mariana disse...

Não vi nada de pseudo-intelectual por aqui. Pelo contrário!

Gostei do monólogo. Sabe que isso é tão frequente em minha vida, que passou a ser um hábito. A pessoa com quem eu mais converso, sou eu mesma. O mais legal disso tudo que é também a pessoa com quem eu mais gosto de conversar...

beijos!

Lígia Pin disse...

Menino
Tenho que terminar de ler depois. Eu ando muto borocochô esses dias, estou me identificando com o que li e já comecei a chorar (pode?).
Mas te digo: sinta-se oficialmente convidado para dar um passeio dominical pela Paulista quando vier a Sampa, ok?
;o)
Beijão

Pedro Favaro disse...

muito bacana o monólogo. Andar pela Paulista... dá até pra sentir o frio paulistano correndo hehehe

Giuliano Gimenez disse...

bicho,
tesão!

Sim, eu gosto de metáforas, faz a gente se sentir dentro de um livro.

Sabe o que me lembrou? aquele conto do Jamil Snege. se alembra?

Anônimo disse...

Angustiante, me lembrou Kafka. Que foi um dos primeiros grandes "monologadores" da literatura moderna.

1 abço
Matheus

Otávio disse...

snege, kafka, isso é quase um plágio do Camus de A Queda!

Giuliano Gimenez disse...

Bah!
que plágio.
isso é otávio
júnior

Otávio disse...

é q A Queda também é um monólogo,
e eu tinha acabado de ler...
aí tive essa recaída!