É sábado. Ainda na cama, abro o olho e vejo uma
terrível aranha na parede. Não: não foi aranha, nem foi na parede, mas foi o
suficiente para tirar o meu sono. Já diria o poeta: o amor é isso, hoje beija,
amanhã não beija. Esse sábado não beijou, preferiu apartar-se mais uma vez. Em
seu lugar, surge sempre essa paisagem absurda: tudo que sempre esteve ali,
porém “solto” como numa exposição. A roupa no cabide obedece apenas ao capricho
de um curador, que em sua mente embriagada de arte quer mostrar ao público que
nada faz sentido. Porque o primeiro impulso do público é vestir a roupa e ir
pro trabalho. Mas... é sábado. No tanque há duas ou três folhas secas. Voaram
até ali. A água da máquina irá envolvê-las numa dança plena de sentido. O único
sentido que sobrou neste sábado: a complexidade da causa e do efeito. Passeio
pela exposição em que acordei, como por engano. A garrafa de vinho vazia é uma
peça interessante. Foi deixada sobre a mesa. Afastando-a, quase leio uma
explicação no guardanapo em branco: esta garrafa simboliza a embriaguez
desmedida de uma pessoa absurda; a uva, não por acaso, é tempranillo, que
segundo os especialistas, “não envelhece bem” – a acidez é baixa, tem a
elegância dos vinhos jovens. Também quem o bebeu não envelhece bem. Pois o
tempo passou e não aprendeu a forjar um sentido, a ver a roupa fora do cabide,
acompanhando o movimento do corpo, torcendo-se com as articulações. Mais do que
forjá-lo, esforçou-se por relativiza-lo, com sucesso. É só isso: às vezes a
engrenagem para, não se sabe bem por que, mas de todo modo ela volta a girar.
Deixarei que isso aconteça amanhã. Só os suicidas têm real sede de sentido, e
dela morrem. Nós, os não suicidas, convivemos bem com o absurdo. Pelo mesmo
motivo que ainda não retirei as folhas secas do tanque, deixarei que os afagos
do amor se afastem, e que em seu lugar venha a tempestade de areia. Basta
fechar bem os olhos e a boca e aguardar um instante. Se olhar pela janela, ou
melhor, pelo celular, vou ver a vida acontecendo. Posso ver todo este movimento
como uma dança louca, um teatro incompreensível, mas me lembro que faço parte
disto tudo. Não optei pelo suicídio porque o mundo não se tornou totalmente
estranho, nem acho que se tornará. Eu danço a mesma dança que eles. Às vezes eu
paro, mas ninguém percebe. Depois de amanhã é segunda, e a aranha não estará
mais na parede, estará grudada na sola de algum chinelo; sentirei sono, mas
levantarei cedo, vestirei a roupa e, abrindo a janela, ouvirei a música do
mundo. Será hora de voltar a dançar.
Mini galeria de perguntas meramente retóricas
Há 11 horas