para Tullio, grande interlocutor
Apesar de gostar de escrever, nunca fui bom em produção de texto. Lembro que no cursinho havia uma frente de língua portuguesa só para a bendita ‘produção de texto’. Não adiantou, minha pior nota no vestibular foi em redação, uma vergonha. Já no colégio eu era um desastre nas aulas de redação, nunca recebi, que eu me lembre, um elogio que fosse por uma redação propriamente dita. Lembro de uma avaliação de português que era: escreva uma crônica. Eu fui um fracasso total. Não me lembro direito, mas deve ter sido como doar sêmen sem vontade. A questão é que, não sei se feliz ou infelizmente, não se escreve no vazio. Não se escreve um texto como se resolve um problema de matemática. Para fazer um texto, muito é necessário antes de escrevê-lo: é preciso conviver com ele, dormir com ele, até que ele se torne mais forte do que a gente, e a gente se sinta pequeno perto dele. Enquanto o texto é uma parte da gente, ele não está pronto: é uma perna, um braço, uma parte como qualquer outra, em que a gente se reconhece, mas que não se reconhece na gente. Da mesma forma, não é bom para um texto orgulhar-se dele, como se ele tivesse ficado bom porque a gente o escreveu. Se ele ficou bom, é porque ele sempre foi bom, só estava esperando ser escrito, alguém escrevê-lo. O quê?, você vai me perguntar, você está dizendo que o texto existe independentemente, antes de alguém escrevê-lo?! E eu vos direi que sim, e que isso é muito mais do que uma metáfora. Por quê? Porque, se a minha intuição é correta, um texto não se escreve no vazio, o que é o mesmo que dizer que os átomos e as células de um texto são o mundo. Isto significa algo ainda mais surpreendente: todos os textos falam sobre o mesmo assunto – essa coisa bruta e compacta a que se chama mundo. E se um texto fala do ego, ele não é um texto ruim, há coisas sobre as quais não se pode fazer juízo de valor: ele simplesmente não é um texto. No fundo, talvez nada seja bom ou ruim: as coisas são o que elas são – ou será que um gato, por exemplo, é algo assim como um tigre ruim? De tudo isso se segue também que, não só todos os textos têm o mesmo assunto, como nenhum é melhor do que o outro, eles têm vida própria: dizer que eles são melhores ou piores seria dizer que as pessoas gostam mais de uns do que de outros, mas são eles que têm que gostar das pessoas – quando a gente escolhe uma página ao acaso num livro, não foi ao acaso, foi ela que escolheu a gente. O fato, portanto, é que não se pode propriamente fazer um texto, ele está ali em algum lugar, no escuro, e não vale acender a luz, porque assim se vê a mesma coisa de sempre, é preciso livrar-se do vício do olhar e encontrar o texto às apalpadelas, descobrir a frieza e a quentura das coisas, as suas curvas e reentrâncias, toda a sensualidade dos objetos mais concretos, enfim, é preciso misturar-se ao mundo indo até ele, perder-se nele, esquecer a própria identidade. Talvez por isso Clarice Lispector dizia que ela não escrevia os seus livros, mas que os seus livros é que a escreviam.