sábado, 26 de janeiro de 2008

Deus está solto

"Não era no mal apenas que alguém podia respirar sem medo, aceitando o ar e os pulmões?"
(personagem de) Clarice Lispector
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Silviano Santiago disse uma vez que o escritor é aquele que compete com Deus, pois está sempre criando mundos, seres. Ora, os 3 maiores escritores brasileiros são idendificados com entidades do mal: o bruxo (Machado), a bruxa (Clarice) e o vampiro (Dalton). Mas só o são porque viveram aqui, na "incompetência da América Católica".
À alusão deste conceito supersticioso pelo jornalista José Castello, a filósofa francesa Hélène Cixous responde "o Brasil é um país muito arcaico" (CASTELLO - Inventário das sombras), e só podia ter dito isto. De fato, se existe alguma coisa chamada "Brasil", não somos filósofos, somos músicos. Não fazemos senão nos render ao Candomblé, sob suas várias formas culturais. Quando alguém disse, na Alemanha, que Deus morreu, mal supunha que Ele atravessara o oceano para consumar o fato de que, fatalmente, Deus é brasileiro.
Assim como se diz que não existe filosofia de direita, que pensar é sempre "contra", pode-se dizer que o escritor é aquele que golpeia Deus, que O imola. Para escrever, é peciso dar vinagre a Jesus. Escrever é promessa, e de promessas o inferno está cheio. Cuspa-se, pois, na Cruz, atire-se pedras nas prostitutas e, com a alma em chamas, vamos dar um afável abraço no capeta. Só assim a gente pode ler Clarice sem dizer que é feitiçaria, depois de ter vendido a alma. Sartre diz, no "Que é a literatura", que o poeta é aquele que escolhe sofrer. Por extensão, para o céu é que não vai. "Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?", questiona-se Bandeira.
O escritor acredita tanto em Deus, que só pode afirmar que Ele não existe. Pensar em Deus é matá-lo. O mesmo alemão aí de cima disse: "o homem que tem muita fé pode-se dar ao luxo de ser cético", e neste ponto Nietzsche não destoa de Santo Agostinho.
Jesus falou: "ninguém chega ao Pai senão por mim". Pode ser, mas antes, somos impelidos a aceitar que ninguém chega a Deus senão pelo Diabo. Fugir deste é fugir daquele. Se o bem passa pelo mal, Madre Teresa de Calcutá só é possível porque Hitler também é. E quanto mais o segundo faz o mal, mais a primeira, por inércia, faz o bem. Este seria talvez o sinificado da parábola da ovelha desgarrada.
Bruxos, bruxas, vampiros e outros escritores oriundos de cursos de Direito, são verdadeiros advogados do diabo. Já não é o escritor que compete com Deus, mas este que, AQUÉM do bem e do mal, compete com o escritor.
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Otávio

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

CICERO

Minha vida tem um garoto chamado Cicero.
Ele é a cobra do meu paraíso.
Ele é a dobra do meu paraíso.
Ele é a sobra do meu paraíso.
Ele é a sombra do meu paraíso.
Ele é a cobra.
Ele é a cobra.
Ele é a cobra.
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(Antonio Cicero, Guardar: poemas escolhidos)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Elogio da coca-cola

para Assionara, porque Cecília existe
A coca bem preta enche o copo e fica fervendo, viva. Ele leva o copo à boca e o gato acompanha com olhar clínico. Como se a cabeça dissesse que sim, procura sentido no dono, prevê cada possível explosão, desenha o homem no espaço, será preciso salva-lo da água bem preta? Um salto e o copo quebraria assim que caísse. Talvez da janela surja o revólver que matará o dono, ou quem sabe uma bomba que só a câmera pegou. Se os olhos do dono entrassem nos seus e adivinhassem a esperteza de não morrer...
A ameaça cresce, mais um copo chiando no ouvido com pêlos, o dono é patético, os olhares se encontram. O gato não é real, pensa ele, namorando o bicho. O susto nos olhos é calma que olha pra dentro, planejando a lambida certeira. Sim, tudo está escrito, o gato sempre existiu, na forma de vapor que entorta o ar, de fogo que sai da coca, de tragadas de cigarro e orgasmos: o gato sempre esteve lá, cronometrando o tempo de esfregar o olho. Este que, vermelho, filtra o mundo em preto e branco e dá sentido àquele que não se sabe homem. O dono cospe no chão um sangue preto brilhante, o gato acompanha em câmera lenta.
O primeiro sinal, vai até lá, a saliva mal ferve, como colher amostras? Circula, inspectivo, nos ombros a sensação esquecida de que Deus está vendo, o dono é sobretudo patético. Quantos donos se escondem atrás do cenário? O duelo recomeça, orelha e bigode, tudo pronto. Apenas o felino sabe o segredo, mas pode que o dono ateie fogo pra ouvir miados vivos.
O mundo conspira contra, o dono pisa no cuspe, o segundo sinal. Contagem regressiva, uma onda percorre o rabo, rabo ou pavil? Recua. O futuro tem vida própria.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

citação

"Se (...) muitos tolos passam por homens superiores, compensam o número de homens superiores que passam por tolos, de sorte que o estado social tem sempre a mesma massa de capacidades aparentes"



(Balzac, A Mulher de Trinta Anos)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

"talvez eu seja apenas um arlequim" (Nietzsche)

:
"Não posso acreditar num Deus que quer ser louvado o tempo todo"


"E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti"