— A minha história? — exclamei, assustado. — A minha história? Mas quem lhe disse que eu tinha uma história? Eu não tenho história... (trecho de "Noites Brancas" de Dostoievski)
Irmão de olho claro ou da Guiné Qual será o seu valor? Pobre artigo de mercado Senhor, eu não tenho a sua fé e nem tenho a sua cor Tenho sangue avermelhado O mesmo que escorre da ferida Mostra que a vida se lamenta por nós dois Mas falta em seu peito um coração Ao me dar a escravidão e um prato de feijão com arroz
Eu fui mandiga, cambinda, haussá Fui um Rei Egbá preso na corrente Sofri nos braços de um capataz Morri nos canaviais onde se plantava gente
Ê Calunga, ê! Ê Calunga! Preto velho me contou, preto velho me contou Onde mora a senhora liberdade Não tem ferro nem feitor
Amparo do Rosário ao negro benedito Um grito feito pele do tambor Deu no noticiário, com lágrimas escrito Um rito, uma luta, um homem de cor
E assim quando a lei foi assinada Uma lua atordoada assistiu fogos no céu Áurea feito o ouro da bandeira Fui rezar na cachoeira contra bondade cruel
Meu Deus! Meu Deus! Seu eu chorar não leve a mal Pela luz do candeeiro Liberte o cativeiro social
Não sou escravo de nenhum senhor Meu Paraíso é meu bastião Meu Tuiuti o quilombo da favela É sentinela da libertação
...percebo a vida religiosa em aspectos teatrais, rotineiros. Sinto-a naufragada sem remissão num rito estéril que, tirante a beleza, nada mais lembra que a nossa vã condição de homem. A alma, então, parece-me feita de carne. E gemo, pedindo um pouco mais de eternidade.
...Pe. Jorge, professor de literaturas antigas, pediu-me o discurso. Ouvira mal a leitura, do canto onde estava perdera palavras, queria fazer juízo mais detido. Entreguei-lhe o papelório. Pe. Jorge mudou de óculos, franziu a testa, enfiou-se na leitura das doze páginas datilografadas. A testa ficou enrugada até o final. Por dois ou três momentos esboçou um sorriso. Acabou a última folha, olhou no verso para ver se tinha mais, trocou novamente os óculos. E com uma porção de sentidos:
- É. Você anda lendo demais. Papini, Karl Adam, Daniel Rops, Carrel e outros. É preciso agora pensar um pouco sobre tudo o que já leu. Não seja tão apressado. O mundo não está à espera de sua opinião. Guarde-a consigo mesmo até se sentir original. E quando se sentir original, seja então mais original, guarde mais ainda o que sabe.
Eduardo fazia ar de triunfo. Eu fiz ar cristão:
- Muito obrigado!