sábado, 29 de agosto de 2015

Amnésia (durante a queda)*


Durante a queda, esqueci o porquê de ter pulado do décimo quinto andar da previdência social. Eu estava desempregado? Estava. Há milhões de desempregados pelo país a fora, mas só eu estava caindo. Falhara em conquistar o amor de Hilda? Falhara. Há milhões de malsucedidos no amor, mas só eu caía. Por mais que me esforçasse, não conseguia lembrar por que eu pulara. Apelei para os céus:
- Por queeeeeeeeê?
A queda transformou meu apelo em um horrendo grito. A pergunta e a angústia, portanto, continuavam, como eu, no ar, por muito pouco. Porque o tempo nos impõe mais limites que o desespero, a falta de dinheiro ou o desejo. E na queda, como na vida, o tempo se esgota antes da resposta. (Walther Moreira Santos. Em: Geração Zero Zero. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2011.)

*Conto transcrito do programa Leitura Viva, com Flávio Stein, da rádio lumen fm.

Citação

"...Às vezes eu gritava perguntas às rochas e às árvores e através dos desfiladeiros, ou cantava como um tirolês. - 'O que significa o vazio?' A resposta era o silêncio perfeito, e então eu entendia.
Antes de deitar, lia à luz do candeeiro de querosene todo e qualquer livro que encontrasse no barraco. - É surpreendente como as pessoas isoladas ficam famintas por livros. - Depois de ler detidamente todas as palavras de um volume de medicina e as versões resumidas de peças de Shakespeare feitas por Charles e Mary Lamb, subi para o pequeno sótão e juntei velhos livros de bolso de caubóis e revistas que os ratos tinham destroçado - também joguei pôquer com três jogadores imaginários.
Pouco antes de deitar, aquecia uma xícara de leite com uma colher de mel quase a ferver, e esse era o meu trago para a hora de deitar..." (Jack Kerouac, Sozinho no topo da montanha)